24 de outubro. Para nós, hoje, essa é mais uma data entre outras que, no horizonte de nosso empobrecido imaginário, nada significa, a não ser para aqueles que fazem anos neste dia, ou algo similar. Porém, no ano de 1903, essa data foi coroada por um acontecimento que marcou profundamente o universo político brasileiro. Acontecimento cujas consequências ecoaram por muitos anos na história da nação canarinho.

Nessa data, deixava de respirar os frescos ares dos pampas, o senhor Júlio de Castilhos, icônico líder do Partido Republicano Riograndese. O homem veio a falecer com apenas 43 primaveras nas costas, vítima de um câncer na garganta que, naqueles idos, havia sido diagnosticado como sendo uma “faringite granulosa”. Sei lá o que seria isso. Sei apenas que a dita cuja acabou levando o velho que não era não era tão velho assim.

Por conta disso, após uma semana de luto oficial, foi realizada uma cerimônia fúnebre, no capricho, reunindo inúmeras figuras políticas da república para prestarem suas últimas homenagens ao gaudério, no Teatro São Pedro. Dentre os presentes estava ninguém menos que Getúlio Dornelles Vargas, na condição de representante dos estudantes de direito. Esse foi o primeiro discurso político de sua vida.

Todos aqueles que estavam presentes àquela cerimônia, vendo aquele jovem com as melenas lambidas para trás, não sabiam que estavam diante do homem que iria ocupar por mais tempo, na história republicana do Brasil, a cadeira da presidente dessa estrovenga pretensamente republicana; tanto na condição de presidente, como na posição de ditador. O homenzinho, de fato, acabou sendo imbatível nesse quesito.

Antes dele tomar a palavra, quem prestou suas homenagens ao finado líder dos pica-paus, foi o capitão maranhense Augusto Tasso Fragoso que, por coincidência, estava de varagem pelo Rio Grande do Sul [tchê] e, estando nos pampas, não poderia deixar de prestar sua homenagem a Júlio de Castilhos.

Após terminar o seu discurso, passou a palavra para o jovem Getúlio. O que o velho Capitão Fragoso não imaginava era que dali há 27 anos ele estaria no comando da junta governativa provisória que, após o golpe de 1930, tomaria o poder e passaria o mesmo para ninguém menos que esse guri que, no Teatro São Pedro, havia feito o seu primeiro discurso político.

Pois é, mais uma coincidência que se soma com outras mil e uma coincidências. E se pararmos para matutar um pouco, se realmente nos permitirmos fazer algumas conexões, veremos, deslumbrados, quantos caminhos e descaminhos se cruzam na história e, é claro, no correr de nossa vida.

Não que tais conexões tenham um papel decisivo no curso dos acontecimentos, mas sim, que muitíssimas vezes nós estamos diante de um e outro acontecimento que, no momento, tem uma certa relevância, ou nenhuma relevância, mas que, com o tempo, e dentro de um contexto mais amplo, acaba ganhando uma dimensão tal que, na ocasião, éramos incapazes de captar.

Bem, esse tipo de estrabismo histórico, acaba sendo fruto de uma percepção ideologizada e determinista da vida em misto com uma desconcertante fixação ao momento presente, que é encarado dentro de uma moldura trabalhada na base de um punhado de ideias pré-concebidas sobre tudo e a respeito de todos.

Por exemplo: nos anos noventa do século passado, o filósofo Olavo de Carvalho, por ocasião do lançamento do seu livro “O Imbecil Coletivo”, havia dito que as esquerdas estavam mais fortes do que nunca. Na época, todos achavam que aquilo era apenas um desvario caprichoso. Por quê? Ora, não fazia muito que o muro de Berlim havia caído e a URSS entrado em colapso. Como então as esquerdas poderiam estar fortes naquele momento? Pois é. Mas estavam. Como estavam.

Se olharmos para os acontecimentos procurando interpretá-los à luz da importância que o momento histórico dá para eles, certamente nossa compreensão acabará sendo estreitada pelas pulsões do imediatismo, impedindo-nos de captar as correntes profundas que estão agitando as águas superficiais do presente.

Sim, o professor Olavo de Carvalho, com sua obra, não era o único a nos chamar a atenção para isso naqueles idos. O filósofo francês Jean-François Revel, em seu livro “A grande parada” também nos chamava a atenção para isso, como também, Anatoliy Golitsyn, em seu livro “Meias verdades, velhas mentiras” fazia o mesmo.

Bem, o tempo passou e, no Brasil, vimos o Tucanato e o petismo imperarem durante muitíssimos anos. Domínio esse que acabou sendo obstruído, até o momento, por um capitão com feições de Brancaleone e, tal obstrução, incomodou e está incomodando muita gente graúda.

O tempo passou, como o tempo passou, e hoje vemos a China mostrando a que veio. E, junto com isso tudo, vemos a quantas anda a atuação dos conglomerados globalistas no mundo contemporâneo frente a recusa de muitos em engolir o seu projeto de mundo totalitário que está sendo parido diante de nossos olhos na forma de um grande reset.

Enfim, tudo depende do ponto de sustentação que procuramos dar ao nosso olhar. Podemos permitir que as inquietações do momento turvem nossa visão e, desse modo, acabe desviando nossa atenção; ou podemos, com paciência e distanciamento, tentar compreender o que estamos testemunhando hoje dentro de uma perspectiva mais ampla e profunda.

E, é claro, essa é uma decisão que cabe a cada um de nós. Podemos nos debruçar sobre os livros existentes sobre o assunto que, graças ao bom Deus, são abundantes, ou podemos nos entregar histericamente a volúpia do momento e sair gritando as palavras de ordem, e rótulos infames, que melhor nos aprouver.

Escrevinhado por Dartagnan da Silva Zanela

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