Breves considerações sobre a urgência da permanência do Museu regional do Iguaçu
Um museu, o templo das musas, é um lugar da memória privilegiado, entre outros tantos, que se for visto de forma isolada, fora de um contexto mais amplo, ao invés de ser um local para ampliar o nosso conhecimento, nos reconhecendo naquilo que estamos apreendendo, pode vir a ser apenas e tão somente um bibelô, um ornamento no meio da nada, parido pela ausência da memória em comum de um povo carente de identidade, que sofre de orfandade histórica.
Talvez esse seja o caso do Museu Regional do Iguaçu, localizado no município de Reserva do Iguaçu, Paraná, no alto de um frondoso morro, de frente para o colosso forjado por mãos humanas que, no caso, é a barragem da Usina Hidrelétrica Governador Ney Braga que, no principiar de suas atividades, fora chamada de Salto Segredo.
Afirmamos isso, tendo em vista que esse museu, quando foi inaugurado no começo deste século, não fora edificado num lugar qualquer. Este foi devidamente pensado e escolhido para acolhê-lo.
E mesmo que tivesse sido construído apenas para o mero cumprimento de uma obrigação protocolar prevista pelo RIMA – Relatório de Impacto no Meio Ambiente – as musas, ao seu modo, por entre linhas tortas e parágrafos curtos, transformaram o mero cumprimento cerimonial, na escolha mais do certa deste templo da memória do povo paranaense.
É importante lembrarmos que um edifício, dentro de um quadro urbano, e mesmo num cenário silvestre ou rural, deve necessariamente dialogar com as demais construções, com o ambiente em que ele está inserido e, principalmente, com a história do local onde ele foi instalado.
Avaliando a presença do referido museu no município de Reserva do Iguaçu, podemos constatar que ele se encontra muito bem situado e que dialoga harmonicamente, tanto com as demais edificações que estão em suas proximidades, como também com a paisagem e, principalmente, com a história que foi encenada e que ele, enquanto templo da memória, dá testemunho do passado vivido por muitos.
Primeiramente é imprescindível que não nos esqueçamos que o espaço onde o museu se encontra é justamente onde estava instalado o “canteiro de obras” da Usina Hidrelétrica de Salto Segredo, onde encontrava-se a vila operária que abrigou todos os trabalhadores, todos os “barrageiros” de ajudaram a tornar esse símbolo de modernidade do Estado do Paraná uma realidade.
Além disso, o edifício do museu está encravado no meio de um imenso jardim botânico, cuidadosamente formado durante décadas de trabalho, jardim esse que, modéstia às favas, rivaliza com muitíssimos pontos de vantagem com o Jardim Botânico de Curitiba e, inclusive, com qualquer trabalho paisagístico de Roberto Burle Marx. Todos que o visitaram afirmam categoricamente isso.
Detalhe: um trabalho de décadas que manteve-se oculto, que foi sendo desdenhado, desprezado, por uma burocracia que se fazia e se faz insensível para real valor desse trabalho que é coroado pelo vista do lago da barragem de Salto Segredo, com a presença imponente da usina, ladeada pela sua jusante e pelos paredões de pedra talhados pelo trabalho humano, que encanta a todos com a beleza singular do conjunto, especialmente quando chega o pôr do sol que pode apenas e tão somente ser visto deste horto que faria mestres como o já citado Burle Marx, e Zanine Caldas, marejarem seus olhos em lágrimas diante do espetáculo propiciado pelo conjunto que fora concebido: museu, o templo das musas, cravado no meio de um jardim, desenhado no alto dum morro, cercado por uma muralha verde formada pela mata nativa, de frente para um símbolo da engenhosidade e da ousadia do ser humano, que é a usina com seu lago artificialmente concebido.
Próximo a esse jardim botânico, que abriga o museu regional do Iguaçu, temos o Hotel de Segredo que, também, é abençoado com a vista do lago e dos morros cobertos pela mata nativa. Hotel este que dispõe de um centro de eventos, com uma estrutura soberba de dimensões invejáveis, capaz de abrigar centenas de pessoas. Porém, no momento, tais instalações estão fechadas, entregues ao desdém e ao esquecimento.
O referido centro de eventos, da mesma forma que o museu, dialoga harmonicamente com a paisagem nativa que o circunda, dando um toque especial a qualquer atividade que nele seja realizada.
Reuniões, simpósios, seminários, mostras, work shoppings, apresentações teatrais, palestras, enfim, tudo o que nele for realizado acaba por ganhar o tom diferenciado, tendo em vista onde tudo por vir a ser realizado.
Esse conjunto arquitetônico e paisagístico até aqui apresentado, também conta com inúmeros outros elementos que se fazem presentes em Reserva do Iguaçu, que dialogam direta e indiretamente com eles, reforçando mais ainda o potencial desta terra, meio que esquecida, ser um significativo lugar de memória da história do Paraná, do povo paranaense.
Destes elementos, destacamos, primeiramente, três mirantes que apresentam às pessoas três perspectivas diferentes para vislumbrar e apreciar o conjunto da paisagem até aqui apontada.
Não é de menor importância os grandes paredões de pedra, sinuosos, que foram esculpidos durante a construção da usina. Um que dá acesso ao museu, ao hotel e à vila residencial. Outro que permite a chegada até a derivação do rio Jordão para o rio Iguaçu. E outro que permita o acesso para o município vizinho de Mangueirinha, junto à Usina Hidrelétrica de Salto Segredo.
Dentro dos limites do município de Reserva do Iguaçu, temos também um conjunto de dezenas de cachoeiras, facilmente acessíveis e de beleza incomparável. Numa dessas cachoeiras, temos um Santuário Mariano, em honra de Nossa Senhora da Conceição Aparecida, que foi edificado no século XIX por um tropeiro que teve sua vida salva por intercessão de Nossa Senhora, ao cair na correnteza na direção da cachoeira do Passo da Reserva. Santuário esse que recebe todos os anos milhares de visitantes nas festas realizadas em honra de Nossa Senhora e, também, centenas de pessoas que, todos fim de semana, vão até o mesmo.
Próximo à cidade de Reserva do Iguaçu, que fica a aproximadamente dez quilômetros de distância do hotel de Segredo, temos um antigo casarão, do início do século XIX, e um cemitério do mesmo período, rodeados por uma taipa de pedras construída pelos escravizados. Além dessa taipa, há no interior do município outras mais que datam do mesmo período.
Também no interior de Reserva do Iguaçu, temos alguns sítios arqueológicos que, diga-se de passagem, foram objeto de estudo na década de 80 da equipe multidisciplinar que foi organizada pela COPEL e que produziu o relatório sobre os inúmeros artefatos que foram encontrados nessas terras e bem como desenhou o perfil das populações ribeirinhas.
Não podemos nos esquecer, nem mesmo diminuir, a razão de ser do nome original da usina: Salto Segredo. Roga a tradição oral que as quedas d’água que havia no rio Iguaçu, onde foi edificada a usina hidrelétrica Governador Ney Braga, teria sido um ponto onde os jesuítas teriam passado e, supostamente, haviam deixado um tesouro, ou algo similar, envolvendo o local com uma aura de mistério que, até os dias atuais, alimenta a imaginação dos populares.
Doravante, neste município, além de abrigar marcas profundas da presença e do trabalho dos “barrageiros”, este também reúne a presença de inúmeros elementos de nos remetem a figura ímpar dos tropeiros, cujos caminhos cortavam as terras de Reserva do Iguaçu.
Tão marcante é essa tradição nessas paragens que, todos os anos, é realizada pelos moradores as chamadas tropeadas. Eventos esses que, algumas vezes é organizado pela Prefeitura Municipal e, outras tantas, e realizado por particulares, reunindo centenas de cavaleiros e amazonas, de várias paragens, que refazem os caminhos das tropas.
Isto posto, podemos afirmar, de forma ousada, que Reserva do Iguaçu, poderia e deveria abrigar outros dois museus, formando uma trindade memorativa. O primeiro, que já temos, é o Museu Regional do Iguaçu, que conta a história do Rio Iguaçu e seu papel no desenvolvimento do Estado e a sua relação com a construção da identidade do Paraná.
O segundo, seria um museu da memória dos barrageiros e dos eletricitários, destes homens e mulheres que dedicaram suas vidas à construção de inúmeras usinas hidrelétricas que, além de ser uma das bases para o desenvolvimento nacional, são um dos símbolos do Paraná, um dos elementos mais representativos do vanguardismo paranaense frente aos demais Estados da Federação.
Em terceiro lugar, porém, não menos importante, um museu dos tropeiros, esses pioneiros que por séculos foram os indivíduos que interligaram as mais distantes regiões do Brasil com suas fatigantes viagens, que ajudaram a construir as redes de comunicação que interligaram a nossa noção e que simbolizam a ousadia do paranaense para seguir por novos caminhos, para abrir novas fronteiras, indo audaciosamente onde muitos jamais imaginaram serem capazes de ir.
Obviamente que devido a presença da barragem temos o regalo das águas do lago, um local perfeito para a prática da pesca desportiva, para a realização de passeios e para a prática de esportes aquáticos.
Tendo isso em vista, afirmamos, enfaticamente, que a vila residencial de Salto Segredo, especificamente a vila A e a vila B, juntamente com a estrutura do Hotel de Segredo, horto e Museu Regional do Iguaçu, poderiam ser transformados em uma “Colônia de Férias” com um “Centro de Eventos” e um “Polo de Formação” voltado, em princípio, para todos os funcionários públicos do Estado.
Tanto os funcionários do poder Executivo, como do poder Legislativo e, também, do Judiciário e, obviamente, para todos os demais paranaenses, brasileiros e estrangeiros que desejarem conhecer o Paraná através desse cantinho escondido, feito um segredo, praticamente no coração do Estado, que tão bem representa tudo aquilo que nós paranaense somos e, principalmente, um lugar que bem mostra tudo aquilo que nós almejamos ser.
A devida valorização desses elementos que, ao seu modo, adornam, dialogam e integram o Museu regional do Iguaçu, não depreciam, de maneira alguma, o valor imobiliário das cercanias da Vila de Segredo. Muito pelo contrário. Agregam um valor considerável a mesma e, ao mesmo tempo, dá um novo sentido, uma nova chave interpretativa para a formação da história contemporânea do Paraná.
Se formos olhar com a devida atenção a posição que Reserva do Iguaçu ocupa frente ao rio Iguaçu, e sua relação com os demais municípios que são banhados por esse gigante caudaloso, iremos constatar que temos a possibilidade de formar uma rota turística, cultural e memorialista da envergadura da “rota germânica”, que se faz presente em Santa Catarina, uma complexo similar ao conjunto turístico que se formou na Serra Gaúcha em torno das cidades de Gramado e Canela.
Na verdade, se formos minimamente ousados, e tivermos a perseverança, a perspicácia e ousadia, temos diante de nós a possibilidade de formar algo muito mais abrangente que os casos citados, gerando inúmeros empregos diretos e indiretos, valorizando a identidade do Paraná, enquanto Estado vanguardista e, principalmente, agregando valor a todos os municípios.
Por fim, é importante lembrarmos, e não nos darmos ao desfrute de esquecermos, que todo o conjunto que compõem aquilo que podemos chamar de complexo paisagístico e turístico do Museu regional do Iguaçu, é o fruto do investimento de anos de trabalho para sua edificação e manutenção. Anos de trabalho e dedicação que, pela estreiteza de visão de alguns, e pelo pragmatismo economicista de outros, poderá ser desmontado, destruído, soterrado e, ao fazer isso, uma página importante da história do nosso Estado estará sendo rasgada, num momento que tanto precisamos lembrar de quem nós somos; uma obra artística – paisagística – única estará sendo mutilada, justamente numa época em que a beleza vem sendo tão ardilosamente massacrada pelos modismo que a tudo vilipendiam e, fazer isso, francamente, pode até gerar algum lucro, imediato e rasteiro, mas não é, nunca foi e jamais será um bom negócio, muito menos uma obra de um Estadista cônscio de suas responsabilidades.
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