Humberto Silva Pinho

Por Humberto Pinho da Silva

Certa tarde de sol doirado e surdo, em São Paulo, após almoço, tipicamente brasileiro (arroz e feijão,) a avó de minha mulher, falou-nos do cuidado que deve haver ao assinar documento sem ler, mesmo entregue por familiares. A propósito, contou-nos a desdita da D. Sofia, amiga e visita da casa.

O triste caso ocorreu há muitos e muitos anos – Quantos? Não sei. Talvez noventa, cem anos? – Mas digno de ser levado ao conhecimento do leitor.

A D. Sofia era portuguesa, casada com rapaz pobre e trabalhador. Como a vida, na cidade do Porto, lhes fosse ingrata, embarcaram para o Brasil.

Na cidade de São Paulo – nessa época, pacata e cheia de oportunidades, – encontraram emprego e relações na colónia portuguesa. Entre os novos amigos, conheceram companheiro de infância, estabelecido com empório.

Dos frequentes encontros, e largas conversas, o amigo propôs-lhes sociedade na loja.

Precisava de ajudante honesto e amigo – disse-lhes.

Como o marido da D. Sofia tinha levado, para o Brasil, pequeno pecúlio, aumentado já em São Paulo, aceitou a generosa oferta.

Em curto prazo, o empório, tornou-se numa grande e afreguesada mercearia.

Entretanto o marido de D. Sofia, talvez por excesso de trabalho, ficou doente, de enfermidade que o levou à morte.

Vendo-se só, sem filhos, numa grande cidade, que se ia tornando perigosa, pensou regressar a Portugal.

Andava a boa senhora a ponderar na hipótese, quando o sócio lhe disse:

-” Sofiinha, o que deve fazer é ir para a sua terra, junto dos seus. O empório está a progredir. Eu guio o negócio. Mando-lhe a sua parte, para lá.”

Ruminou D. Sofia a ideia, como o sócio era amigo e íntimo de seu marido, assentou passar-lhe procuração.

Assim pensou, assim fez. Regressou tranquila, na certeza de poder passar a velhice sossegada e tranquila.

Decorridos meses, vendo que os lucros do empório, não chegavam, escreveu ao sócio, para se inteirar da razão.

Não obteve resposta. Outras se seguiram…e nada…

Aflita, consultou advogado. Este, após aturadas averiguações, junto de colega de São Paulo, informou-a que nada tinha a receber.

O sócio, logo que apanhou a procuração assinada, passou tudo para seu nome.

Concluiu a avó de minha mulher:

“ -” A pobre D. Sofia acabou a vida amargurada, em casa de parentes, que a receberam por caridade.

Eu vos aviso – disse a avó Júlia: nunca passem procuração, sem consultar advogado de confiança, mesmo que seja apresentada por parentes ou amigos de infância…O dinheiro cega os corações, mesmo dos mais honestos e amigos” – concluiu, olhando ternamente para minha mulher, a neta caçula.

 

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