por Dartagnan da Silva Zanela (*)
Recentemente tive a alegria de encontrar em um Sebo o livro “Rubem Braga – um cigano fazendeiro do ar”, de Marco Antonio de Carvalho. Na ocasião, não tive como comprá-lo. Já havia fechado minha compra e, em consequência, não tinha mais nenhum tostão no bolso, por isso, deixei o baita na estante, torcendo para que ninguém o comprasse.
As semanas se passaram e lá estava eu, mais uma vez, no mesmo Sebo e, graças ao bom Deus, lá estava o bicho velho, esperando o Darta para levá-lo. Na ocasião estava indo para uma consulta médica e, enquanto aguardava, iniciei minha jornada pelas páginas da referida obra.
Rubem Braga, o homem que passava despercebido no meio da multidão, percebia tudo, tudinho, que a multidão não era capaz de constatar e de compreender. Não é à toa que ele era e é o grande mestre da crônica.
Ao indicar esse caminho, não estamos, de modo algum, querendo insultar ninguém não. O fato é que toda multidão, por definição, vê apenas e tão somente o que os mil olhos da massa permitem que seja visto. Isso sempre foi assim e, ao que parece, sempre será.
Nesse sentido, todas as vezes que fiamos nosso juízo, ou a falta deste, unicamente pela perspectiva que nos é apresentada pelo olhar das multidões, gostemos ou não, estamos fechando os nossos olhos para a realidade e permitindo que nossa visão, juntamente com o nosso entendimento, sejam tangidos feito boiada rumo ao precipício.
Elias Canetti, em seu livro “Massa e poder”, adverte-nos que quando estamos imersos em uma multidão, quando aderimos a sua visão de mundo, acabamos nos tornando um com ela e, deste modo, começamos a sentir e julgar tudo e todos a partir da forma como a massa se manifesta em relação aos fatos e as pessoas e, sem nos darmos conta, acabamos perdendo a autonomia da nossa consciência, ao mesmo tempo que imaginamos estar exercendo-a em seu mais alto grau de criticidade.
Por essa razão, o olhar de um homem, que passa despercebido no meio da multidão, é algo tão precioso e, por isso, tão perigoso para os manipuladores das multidões que não querem, de jeito-maneira, que as pessoas fiquem fora do controle do seu cabresto.
Sendo assim, podemos dizer que um dos papeis fundamentais de uma crônica é justamente o de ser um contraponto que nos faça matutar, que nos tire, mesmo que momentaneamente, do ritmo que nos é ditado por aqueles que compartilham conosco a mesma perspectiva, as mesmas ideias, valores e ideais (se o tivermos).
Por isso, a ironia, o humor seco, a provocação, o tom cínico, entre outros instrumentos, são ferramentas utilizadas por todo bom cronista para cutucar com vara curta essa velha onça que é o leitor e, ao fazer isso, o cronista pode avivar uma fogueira de reflexões ou, como acontece muitas vezes, atiçar reações irrefletidas junto à fogueira das vaidades que há nos corações.
Seja como for, provocando reflexões profícuas, ou reações epidérmicas, os cronistas procuram fazer o seu papel do jeito que dá. Um papel pequeno, é verdade e, por isso mesmo, fundamental nestas terras onde canta o sabiá, porque a crônica é, e sempre será, um exercício refinado de liberdade de expressão que, sem a menor discrição, nos convida para exercitarmos nossa liberdade de pensamento, em uma caminhada, sem pressa, na contramão das ruas deste mundão governado por um punhado de gente mesquinha e sem noção.
(*) professor, escrevinhador e bebedor de café. Autor de “REFAZENDO AS ASAS DE ÍCARO”, entre outros livros.
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