Momento que os títulos estavam sendo entregues no Registro de Imóveis – Comarca de Pinhão para serem registrados no nome da Associação | Foto: Naor Coelho/Fatos do Iguaçu
Uma luta de mais de cinquenta anos que ainda não terminou
Por Nara Coelho
Reserva do Iguaçu – PR – Em 1860, Dona Balbina Francisca de Siqueira deixou em testamento a antiga Fazenda Capão, em Guarapuava, para onze ex-escravos como indenização por trabalhos prestados. Deste grupo, apenas cinco constituíram família.
Durante quase cem anos ali viveram seus descendentes até a década de 70, quando foi iniciado um processo de grilagem através de pistoleiros, coordenados pelo então delegado de polícia da Comarca.
Com o tempo, parte das mais de 390 famílias quilombolas da Comunidade Invernada Paiol de Telha passaram a ocupar as terras que estavam então sob a posse da Cooperativa Agrária e de seus cooperados. Outra parte das famílias nas periferias de Guarapuava e Pinhão.
O DECRETO
A Comunidade Invernada Paiol de Telha Fundão é constituída por cerca de 390 famílias. O processo de titulação do território Quilombola foi aberto em 2005 no Incra Paraná. Em outubro de 2014 foi assinada pela presidência do INCRA portaria de reconhecimento de 2.959.2371 hectares do território da comunidade quilombola.
Em 22 de junho de 2015, a ex-presidente Dilma Rousseff assinou um decreto que declara de interesse social para fins de desapropriação os imóveis rurais com domínio válido pelo território quilombola Invernada Paiol de Telha Fundão com área de 1.460,4374 hectares.
No dia 21 de dezembro de 2017, o superintendente do INCRA/PR,na época, Walter Nerival Pozzobom, esteve na Comunidade Quilombola Invernada Paiol de Telha Fundão, em Reserva do Iguaçu, quando entregou um documento no qual a Cooperativa Agrária declarava que até o dia 22 de dezembro daria baixa na hipoteca que havia em relação às áreas 10 e 12ª.
“Em seguida a esse processo, o INCRA faria a titulação das duas áreas para os Quilombolas e iniciaria o trabalho de estender os benefícios de estrutura para essas duas áreas primeiramente”, explicou Walter. Nessa data, o superintendente anunciou que diretores do Incra nacional fariam uma visita nos dias 24 e 25 de janeiro de 2018 à Comunidade.
Como de fato na data anunciada o diretor de Ordenamento da Estrutura Fundiária do Incra, Rogério Arantes, na época esteve no Quilombo Paiol de Telha e afirmou que em 60 dias estariam entregando os títulos coletivos definitivos em nome da Associação e uma programação das outras 5 glebas.
Após um ano e cinco meses depois do prazo dado pelo diretor do Incra e a Associação Paiol de Telha Fundão ter entrado na justiça com uma ação cívica contra o INCRA e a União foram entregues no dia 28, terça-feira,os dois primeiros títulos de posse da terra.
A ENTREGA DOS TÍTULOS
O analista em desenvolvimento agrário Homero Martins e o engenheiro agrônomo Mauro Jacobs, do INCRA, chegaram no território Quilombola às 15 horas da terça-feira abaixo de muita chuva e encontraram alguns dos quilombolas reunidos, pois devido ao mau tempo muitos não puderam chegar até o galpão onde estava ocorrendo a entrega e vários estavam trabalhando.
À primeira vista o momento seria alegre e festivo, contudo, os quilombolas fizeram várias indagações e expuseram vários dos problemas que eles tem enfrentado por falta da titulação e a pergunta mais insistente era quando viriam as demais titulações, já que nessas duas titulações eles iriam estar assentando 112 famílias das 390 que tem direito ao Território Quilombola Paiol de Telha Fundão.
INCRA
Homero explicou que eles estavam ali para pegar a assinatura do presidente da Associação, João trindade Marques e entregar os títulos de duas partes da área, um se refere a 57 hectares e outro a 168, no total somam 226 hectares e que já seriam registrados em cartório. Homero também explicou que o título sai em nome da associação, “Os títulos saem em nome da Associação Quilombola Pró – Reintegração Invernada Paiol de Telha – Fundão, e a partir desse momento essas terras são imprescritíveis, inegociáveis”, destacou ele.
Em resposta sobre a titulação do restante do território aos representantes do INCRA, o engenheiro Mauro explicou que na audição da ação civil pública que ocorreu em março, a juíza determinou à União o prazo de 180 dias para que ela repasse ao Incra o valor necessário para o pagamento da indenização à Cooperativa Agrária para que assim o INCRA possa entregar a titulação aos quilombolas do restante do território. O prazo dos 180 dias encerra em setembro e a União tem direito de recorrer.
QUILOMBOLAS
A senhora Maria Vanda Viana, que tem mais de 80 anos, é uma das herdeiras direta, manifestou sua indignação, “Na hora de nos tirar do que era nosso, não foi aos poucos, eles vieram e nos escorraçaram, nos tiraram com violência, agora para nos devolver é aos pouquinhos e com muita luta, pois para muitas pessoas nem gente somos, ficamos invisíveis na sociedade, enfrentamos todo dia o preconceito. Eles passam com suas camionetonas jogando barro em nós. Quando na verdade era a Agraria que devia nos indenizar por ter usufruído por tanto tempo das terras que sempre foram nossas”.
João destacou que as terras tituladas não representam 50 alqueires de área para plantio e nelas estarão 121 famílias, mas destacou que já é um grande passo, “Com esse documento podemos solicitar luz e água, começamos a ser reconhecidos, é o início da concretização da luta e sonho de muitas famílias, uma luta de mais de cinquenta anos”.
Os quilombolas estavam felizes na tarde do dia 28 e afirmavam que a partir daquele momento eles passaram a existir, a serem reconhecidos de fato, mas sabiam que a luta ainda era grande e sentiam pelos mais idosos que não alcançaram nem o início da realização do sonho.
No dia 29, quarta-feira, os representantes do Incra acompanhados do presidente da Associação deram entrada no cartório de Registro de Imóveis de Pinhão, nos títulos de propriedade das primeiras área do território quilombola.
Confira as fotos do evento | Fotos: Naor Coelho/Fatos do Iguaçu