Nesses dias que se passaram, resolvi tomar em minhas mãos e reler o livro “Diário de Faxinal do Céu”, do escritor Antônio Carlos Villaça. Um bom livro; uma bela obra, mas não o tenho entre os meus preferidos da lavra do referido autor. Para meu gosto [estragado], “O nariz do morto” e “José Olympio – o descobridor de escritores” são muito melhores.
Mas não é sobre a obra desse escritor, simpático e bonachão, que sonhava integrar a Academia Brasileira de Letras, que desejo parlar. Não. Minha má intenção é outra. Quero apenas apresentar algumas, poucas, reminiscências de Villaça dos tempos em que ele esteve residindo no tal do “Faxinal do Céu” e, talvez, agitá-las com algumas das minhas que se fazem presentes em minha memória; memória dum tempo que há muito se foi. Verdes anos que a muito se perderam.
Meus verdes anos se foram, por isso, cá estou. Os tempos que Antônio Carlos Villaça, morando numa casinha na rua Cecília Meireles também terminaram; e ele não mais está entre nós. Em 29 de maio de 2005 ele partiu para a Pátria Celeste e, nela, deve estar dando suas conferências para os bem-aventurados e para as hierarquias celestes, de modo similar às que ele ministrava em auditórios lotados, nos anos 90, na Universidade do Professor, que foi edificado em meio aos pinheirais, lá, no velho Faxinal.
E falando-se da Universidade do Professor, quantas histórias poderiam ser contadas a respeito desse experimento que foi realizado nesta desdenhada vila operária que, na última década do século passado, foi transformada, pelo então governador Jaime Lerner, num centro de formação de educadores. Com certeza não seriam poucas as histórias a serem contadas e, muitas delas, não poderiam ser escrevinhadas sem corrermos o risco de causar um certo frisson em alguns e, é claro, um misto de vergonha e raiva em outros.
Mas sim, essa vila operária, como inúmeras outras que foram edificadas pela mesma empresa em todo Estado, sempre encontraram um fim melancólico, similar ao fim de algumas obras de Anton Tchekhov.
Faxinal do Céu, sim, teve um trato diferente, graças a essa iniciativa que, literalmente, colocou esse vilarejo – que até então estava relativamente abandonado, e desdenhado pelas circunvizinhanças – em um lugar de destaque no cenário Estadual e Nacional.
Pois é. Mas, como nos ensina o brocardo popular: o que é bom não dura muito. A Universidade do “fessor” acabou e a vila voltou a ir, gradativamente, se definhando no vagar do passo do desdém. A festa foi acabando e o Faxinal do Céu, hoje, está por um fio; acabou. Acabou? E agora José?
E agora eu não sei. Sei apenas que para algo chegar num final melancolicamente trágico é preciso que antes uma série de decisões atabalhoadas tenham sido tomadas e, quanto a elas, francamente, prefiro calar-me, porque elas não foram poucas. Digo apenas que quando lideranças políticas, empresariais e sociais tem uma visão estreita do futuro, e um olhar tacanho frente às potencialidades presentes, nada de bom se pode esperar, infelizmente.
Villaça, no seu “Diário de Faxinal do Céu”, contava como nasceu a ideia de transformar a desdenhada vila operária na Universidade do Professor. Ele descrevia com vivacidade e alegria como foi a reunião que ele participou no Hotel Glória, no Rio de Janeiro, com o então governador do Paraná e com outros figurões da cena política e intelectual da época. Nossa! O velho e rechonchudo escritor era um grande entusiasta daquele projeto.
Um projeto que não apenas havia resgatado uma vila abandonada, mas também, havia ressignificado o seu papel na história e na vida de muitos indivíduos. Iniciativa essa que havia, também, resgatado do esquecimento e do abandono, um velho artesão das letras, Antônio Carlos, um descendente do escritor português Ramalho Ortigão.
E, como todos nós sabemos, a Universidade do Professor acabou, o Faxinal do Céu está se terminando e, o Antônio Carlos Villaça voltou, faz muito, para as frias brumas do esquecimento, junto com incontáveis gigantes que recebem, duma sociedade embrutecida pela ignorância [devidamente certificada e diplomada em vários níveis], apenas e tão somente o óbolo do desdém.
Por fim, quanto às minhas memórias dessa vila, elas ficarão para outra ocasião, ou não, porque minhas memórias, de forma similar a verve que me anima, seriam escrevinhadas num timbre que destoaria um pouco do clima de melancolia que hoje rege muitos corações que, de repente, passaram a se lembrar da vila, mas que, provavelmente, nunca lembrar-se-iam do velho Villaça que lá morou.
Fim.
Escrevinhada por Dartagnan da Silva Zanela
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