O filósofo Mário Ferreira dos Santos, em sua obra “Tratado de Economia – volume 01”, diz-nos que um dos elementos que motiva os indivíduos a alimentarem uma vã esperança em crendices ideológicas, que prometem a implantação de algo similar a um paraíso [sem Deus] aqui na terra, seria uma espécie de reminiscência da vida intrauterina; reminiscência essa de um tempo onde dispúnhamos de tudo que necessitávamos para podermos crescer e nos desenvolver, sem ter de realizar esforço algum.
Obviamente que não temos como comprovar a presença dessa reminiscência e de sua possível influência sobre nós, como ele nos diz, porém, a figura de linguagem que o mesmo nos apresenta é muito interessante para refletirmos sobre a forma como nós, muitas vezes, nos permitimos enredar nas arapucas ideológicas que nos prometem a solução cabal para todos os problemas.
O marxismo [não apenas ele, mas especialmente ele], prometeu e promete um mundo melhor possível por meio de seus jogos dialéticos e artifícios retóricos, porém, no frigir dos ovos, e no correr da história, muitas das suas explicações e intervenções acabaram por gerar novas complicações e, suas promessas, pariram um punhado de ilusões que naufragou os povos na mais abjeta escravidão estatal, onde suas vanguardas tomaram o poder; e, ao invés de realizar uma “ditadura do proletariado”, implantaram uma terrificante “ditatura sobre o proletariado”, conforme bem nos lembra a edição especial do jornal anarquista “O inimigo do Rei” de 1987.
Em nome do proletariado escravizou-se o trabalhador. O trabalhador foi reduzido em nome de uma ideologia que, como toda ideologia, mascara a realidade, ao mesmo tempo em que se apresenta como sendo uma espécie de revelação e, por isso mesmo, toda e qualquer ideologia é um trem tremendamente perigoso, especialmente o marxismo, com suas múltiplas facetas.
Aos seus devotos, essa ideologia multifacetada sempre será a resposta final e total para todos os problemas, basta apenas que seu séquito adapte a realidade, com suas tensões, a ela, especialmente quanto essa contrariar os seus postulados ideológicos. Aliás, como certa feita havia sarcasticamente dito Millôr Fernandes, toda ideologia seria similar a um alfaiate que faz um terno menor que o cliente e, para corrigir o seu equívoco, mutila o cliente para que ele fique do tamanho “certo” do terno.
De mais a mais, sou franco em dizer que uma solução para todos os entreveros que foram e são fomentados por essa mentalidade revolucionária, que tem tantos devotos nessas terras cabralinas, eu não tenho. Aliás, se eu ousasse dizer que tenho, estaria forjando uma outra ideologia, com uma suposta solução total e final para os problemas gerados por essa mentalidade.
Por isso que o conservadorismo, como nos ensina Russell Kirk, em seu livro “A política da Prudência”, apresenta-se não como uma ideologia, mas sim, como o contrário disso, porque não há uma solução cabal para os problemas humanos. O máximo que conseguimos é, com um pouco de boa vontade, e muita prudência, resolver provisoriamente um e outro problema aqui, um e outro problema acolá, rezando, sempre, para que essas soluções não acabem fomentando outros novos problemas, piores que os anteriores.
Tal postura, de modéstia, frente à vida, é de fundamental importância, pois tudo aquilo que ideamos, e que se apresenta a nós como sendo a coisa mais linda do mundo, acaba, cedo ou tarde, revelando sua real substância quando confrontado com as tensões que são inerentes à realidade, como bem nos ensina, mais uma vez, o filósofo anarquista Mário Ferreira dos Santos, em sua obra “Teoria Geral das Tensões”. Tensões sociais, políticas, econômicas, psicossociais, culturais, espirituais, ambientais, etc.
Por essas e outras que é tão comum vermos pessoas dizerem que amam a humanidade, em abstrato, serem capazes de agir de modo tão indiferente, para não dizer canalha, com o ser humano – de carne e ossos, com nome e sobrenome – que está diante de nossos olhos. Ora, se desdenhamos as tensões que dão forma à realidade, acabamos por ignorar e, em muitos casos, destruir o ser humano concreto junto com as tensões que dão forma à sociedade e forjam a personalidade de cada indivíduo.
Talvez, penso eu, um bom exercício de modéstia e, por isso mesmo, de realismo, seria refletirmos sobre os problemas que se fazem presentes no âmago de nossa família e em nosso círculo de amigos. Tenho certeza que existem incontáveis problemas que se fazem presentes nessas duas esferas de convivência humana que poderiam ser resolvidos se recebessem a mesma atenção que frequentemente damos para as nossas crendices políticas e ideológicas.
Se nós fizéssemos isso, compreenderíamos que as famílias e os círculos de amigos sempre vão ter incontáveis tretas, sempre; e, por isso mesmo, podem ser uma escola de convívio e perdão, ou de intrigas e rancor, conforme a atenção e importância que damos para as pessoas que dizemos amar e, de quebra, entenderemos o quão vãs são todas as ideologias que prometem edificar um mundo perfeito.
Ora, quando Confúcio havia dito, que deveríamos dar três voltas ao redor de nossa casa antes de pensarmos em mudar o mundo, era disso que ele estava falando. O velho sabia das coisas.
De forma mais direta, Santa Madre Teresa de Calcutá, quando foi perguntada sobre o que as pessoas deveriam fazer para melhorar o mundo, disse, laconicamente: “vão para casa e amem as suas famílias”. Ponto. Simples assim.
Pois é. Mas, infelizmente, com muita frequência nos vemos abandonando os nossos deveres de estado para com os nossos em nome de algo que nos parece mais empolgante, não é mesmo? Por isso que São Josemaria Escrivá e Santa Terezinha do Menino Jesus e da Sagrada Face nos chamam tanto a atenção para o cumprimento zeloso e amoroso de nossos deveres miúdos do dia a dia.
Enfim, seja como for, o que Confúcio, Santa Madre Teresa, São Josemaria e Santa Terezinha estão nos dizendo é que nós não iremos jamais construir um mundo melhor, mas podemos, se assim desejamos, ser menos uma pessoa medíocre que quer supostamente concertá-lo
É isso. Fim de causo.
Escrevinhado por Dartagnan da Silva Zanela
LEIA TAMBÉM:
DUAS ALMAS, UM CARGUINHO E MUITO BOM-MOCISMO
A APOTEOSE DA PAIDÉIA MANDRAKE