Você conhece algo sobre a vida de Simon Bolívar? Bem, há uma série na Netflix sobre o homem. Num dos episódios nos é narrado alguns momentos da sua meninice, tempo esse em que o libertador da América Espanhola era um garoto arredio, avesso aos estudos, até que conheceu um professor, o senhor Simon Rodrigues, se não me falha a memória.

Quando Bolívar foi entregue aos cuidados do referido professor, esse perguntou ao garoto se ele gostaria de estar ali, na sala de aula. O garoto, rápida e laconicamente disse: “não”. “Então onde você gostaria de estar agora”? “No mercado com meus amigos”. “Então vamos lá”. “Mas, e os outros garotos que estão na sala de aula do senhor? Eles vão ficar sozinhos?” “Mas é claro sim! Não se preocupe Bolívar”. “Como assim? Não entendi?” “Eles já sabem o que é importante. Eles não precisam da minha presença para se lembrar disso. Você ainda não sabe”.

Sim, com o vagar do tempo, Bolívar criou gosto pelo estudo. O senhor Rodrigues conseguiu a duras penas sensibilizar aquele garoto arredio. Mas aquela frase: “eles já sabem o que é importante”, putz grila, mexeu comigo.

As gerações mais tenras acabam, por mimetização, dando importância para aquilo que nós, tolos adultos, consideramos relevante. Não aquela atenção fingida, encenada, que fazemos diante dos olhos de todos e de nós mesmos, mas sim, aquela atenção que é depositada por nossos corações, em nosso dia a dia, nas coisas que desejamos realmente, que amamos, com todas as forças de nosso ser [1].

Em nosso dia a dia, nossos gestos, palavras, atos e omissões denunciam o que realmente consideramos importante, deixando desnuda a verdade que habita nos átrios de nossa alma e, muitas vezes, gostemos ou não de admitir, não é um trem muito bonito de se ver.

Sim, as gerações mais tenras, em sua grande maioria, não valoram devidamente os estudos, a procura belo conhecimento da verdade. Pois é. Mas quantas pessoas adultas na sociedade brasileira realmente consideram isso importante?

Dum modo geral, no Brasil há uma imensa valoração dos títulos e diplomas que representam algum tipo de autoridade, ao mesmo tempo em que se cultiva um imenso desprezo pela abnegada e árdua procura pelo conhecimento [2]. Adora-se, nessas terras de Pindorama, a ostentação de títulos para parecer importante porque, em nossos tristes país, o que importa é a pose, não a substância.

Não sei dizer se chegará o dia em que isso mudará em nossa sociedade. Não sei e, para ser franco, não me incomodo muito com essa questão, tendo em vista que não cabe a mim, e imagino que nem a você, a responsabilidade de mudar os rumos da estrovenga societal em que vivemos.

Porém, todavia e, entretanto, é nossa irrevogável responsabilidade os rumos que serão ditados por nosso coração, que irão orientar nossa vida e nos auxiliar a encontrar o sentido e o propósito de nossas escolhas [3].

Ao decidirmos nos tornar pessoas melhores, ao optarmos em eleger critérios mais elevados e refinados para escolher o que iremos valorar em nosso peregrinar por esse vale de lágrimas, sem querer querendo, acabamos por nos tornar um ponto, um ponto divergente, que irradiará em nosso em torno uma nova possibilidade de ser que poderá ou não ser mimetizada, porque, como os romanos a muito diziam, verba movente, exempla trahunt – as palavras movem, os exemplos arrastam.

O que forma o indivíduo não é por si só um currículo, uma metodologia, uma estrutura física ou algo que o valha. O que forma e educa uma personalidade humana, ou que a deforma, são outras personalidades bem ou mal formadas. E é aí que reside toda a encrenca [4]. E que encrenca, diga-se de passagem.

Todos conhecem os terríveis resultados que são apresentados pelo sistema educacional brasileiro e, com tristeza, reconhecem que é urgente que mudemos os rumos dessa nau, porém, quem de nós reconhece que é parte do problema? Quando falamos dessa encrenca, todos se veem como sendo portadores da solução, nunca como parte do angu.

Dá a impressão de que o Brasil todo está mergulhando de cabeça num mar de estultice, menos nossa pessoinha – que sorte hein.

Condicionamo-nos a termos um olhar arguto e impiedoso frente a tudo que está, real ou supostamente, errado no mundo, ao mesmo tempo em que somos cegos diante de quem somos. Rotulamos com facilidade pessoas e grupos pelos fracassos do nosso país ao mesmo tempo em que não nos reconhecemos como responsáveis por nada, principalmente pelo traste que muitas vezes somos, porque, penso eu, no fundo, o que nós queremos não é o conhecimento da verdade, nem nos tornarmos pessoas melhores, mas apenas ter aquela confortável sensação de segurança pueril [5].

Queremos, em resumidas contas, nos sentir bem, pouco importando se realmente somos bons. Sim, isso é triste, pra dizer o mínimo, mas é um retrato que apresenta grande verossimilhança com a vida vivida por muitos nos dias atuais.

Podemos esperar que a Providência divina coloque um mestre que nos ajude a encontrar e reconhecer o que realmente é importante, como no caso do garoto Bolívar; mas, confessemos, enquanto esperamos, perante o tribunal de nossa consciência, junto ao fundo insubornável de nosso ser, que estamos vagando pelo mundo sem rumo e, com a Graça de Deus, passemos a tomar uma resolução de nos auxilie a elevarmo-nos da mediocridade em que nos encontramos imersos.

Escrevinhado por Dartagnan da Silva Zanela, em 31 de janeiro de 2019, dia de São João Bosco.

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[1] GIRARD, René. Aquele por quem o escândalo vem. São Paulo: É Realizações, 2011.

[2] LOBATO, Monteiro. Prefácios e entrevistas. São Paulo: Brasiliense, 1951.

[3] BRITO, Farias, A finalidade do mundo. Brasília: INL, 1979.

[4] HESSE, Hermann. Para ler e pensar. Rio de Janeiro/São Paulo: Record, 1971.

[5] LIMA, Alceu Amoroso. Meditação sobre o mundo interior. Rio de Janeiro: Editora Agir, 1955.

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