Por Nara Coelho
Entrevistar Cascieli, foi visualizar a personificação da garra e determinação da mulher, ter a certeza que realmente o que nos transforma não é o que a vida faz conosco, mas o que fazemos com o sofrimento que nos vem, sentir a força da união e parceria de mãe e filhas, ver que fazer um novo começo depende da decisão e do acreditar da mulher em si, vivenciar uma tarde de muitos risos … Uma lição de vida
Cascieli Freitas de Lima, é uma mulher…
De 38 anos, que já viveu e sofreu muito, mas que traz um riso farto, alegria no olhar. Venceu a si mesma, que rompeu com as correntes da violencia doméstica.
Que enfrenta a vida de frente, que está em processo de superação dos seus traumas, mas já conseguiu se dar conta do quando é capaz.
Não tem medo do trabalho seja ele do campo, da casa, de doméstica, do comércio, fez do amor as filhas sua base de sustentação para se reerguer.
É linda, que conta sua história de dor e sofrimento com muitos risos, que tem orgulho de si e de sua história porque ela se reinventou e recomeçou a viver.
Vó Jurema a criou…
Cascieli é pinhãoense, é filha do casal, (in memoria) Celso L. de Lima e Eva Rosemi Freitas de Lima, tem um irmão e uma irmã, seus pais sempre moraram na comunidade de São Sebastião, “Meus pais moravam em São Sebastião, mas me criei com a minha vó Jurema, no bairro São Cristóvão, minha vó era bem rígida, mas com ela aprendi a fazer tudo muito bem feito”.
Ajudava a vó Jurema, mas, brincava muito, “Minha infância foi boa porque aproveitei muito, brincávamos na rua jogando bola com os primos, a vilinha era quase só formada pela nossa família, passávamos a tarde se divertindo jogando maravalha da serraria em frente da minha casa, nos pinchava do alto delas, corríamos e pulávamos no meios das toras”.
Vó Jurema adoeceu…
A vó Jurema teve Alzheimer, “Por causa da doença ela começou a me judiar, ai voltei a morar com os meus pais, eu tinha entre 12 e 13 anos, vinha de lá de kombi estudar aqui no Pinhão, com 14 anos passei a estudar em Reserva”.
Cascieli gostava de baile, “Morando com os meus pais era bom, eu era livre, gostava de ir aos bailes, meu pai me levava, tudo ao ritmo dele, bem comportada”.
Casamento…
Cascieli conheceu o pai das filhas Kawane Lima Antunes, de 21 anos e Ana Rafaella Lima Antunes, 9 anos, “Antes de ir embora para Reserva do Iguaçu conheci o pai das minhas filhas e comecei a namorar com ele com 14 anos, era 10 anos mais velho, eu era uma menina, ele era vivido, era do trecho, conhecia a vida, eu não”.
Aos 15 anos fugiu…
Como é costume dizer no interior, aos 15 anos ela fugiu, ou seja, passou a morar com o namorado, “Fiz 15 em março, em junho fugi”, conta entre risos, “Eu brincava que eu roubei ele, porque ele é que veio morar comigo lá na casa dos meus pais”.
A vida de casada…
“Casada, fui embora para Santa Catarina porque ele era barrageiro, lá engravidei da Kal, ganhei ela tinha 16 anos, dali para frente fui batalhando”.
Sempre trabalhei…
“Depois que tive a Kal, sempre trabalhei de doméstica, vivi 20 anos casada, fui para o campo de batata, arrancar feijão, fiz de tudo nessa vida, só não tirei erva e carvão, o resto fiz de tudo, não reclamo disso, foi onde eu consegui dar as coisas para as minhas meninas”.
Enfrentando a lida do campo…
“Voltamos para o Pinhão, os pais dele tem terreno no Iguaçu, no São Pedro, perto do Dino Baggio, fomos para lá a Kawane nem andava.
Eu não sabia tirar leite, eu não sabia nada, (entre risos), menina de cidade não faz nada, ali eu aprendi tudo e mais um pouco, virei moça campeira, ali criei a Kal, às vezes ficava um pouco na mãe.
Quando a Kal começou a estudar vim para o Pinhão, aprendi muita coisa, que hoje eu levo para vida, não reclamo de ter sofrido porque ali foi aprender e sofrer, era uma lida pesada”.
Na cidade…
“Primeiro emprego foi com o Darcy Cortes, ali eu aprendi muita coisa, eu agradeço ao Darcy e a Ana do fundo do coração, Darcy dizia: “você tem potencial vamos lá”, aprendi muito, muito. Eles foram embora para Prudentópolis e me convidaram, mas não fui, trabalhei no Frango e Fritas com o Giba, lá em cima com a Solange, (em meio a uma gostosa gargalhada), virei o Pinhão trabalhando de doméstica.
Trabalhei 7 anos com a Claúdia da autoescola, praticamente eu criei a Ana, agora estou no Econômico há um ano e cinco meses lidando com o pão no período da manhã”.
Filhas … “Meu tudo”
Cascieli me recebeu na intimidade da sua cozinha, já no início da conversa se percebe que a confiança, amor e cumplicidade da mãe com as duas filhas é total.
A pequena Ana Rafaella acompanhou tudo com um olhar vivo, de admiração e ternura para a mãe, e fazendo pequenas intervenções, nos proporcionaram gostosas risadas.
Ao lado, com um jeito mais quieto, mas atenta a tudo que era dito, porém, demonstrando total apoio e sendo tão franca e direta como a mãe, a jovem Kawane.
“Sou uma mãe ciumenta, tenho um olho biônico, vejo longe, tenho faro para perceber o que não é bom, eu não quero que elas sofram o que eu sofri, por isso sou implicante, distrato os namoradinhos da Kal. No meio de uma gargalhada Cascieli brinca, quando ela casar vou fazer minha casa atrás da dela.
Estimulo elas a estudar, digo sempre para Kal: vai estudar, no que se refere a estudo nao se baseie na mãe porque você, com um canudo na mão, sendo independe, não tem homem nenhum que mande em você, é você que leva as rédeas da tua vida.
Eu e a Kal somos muito parecidas, aí brigamos muito, porque dois tigres num mato só ja viu, graças a Deus, ao mesmo tempo nos endentemos muito, ela vivenciou comigo tudo o que passei com o pai delas. Ela me ajuda demais, decidimos tudo juntas.
Na rotina doméstica a violencia se fez presente…
Nos 20 anos vividos com o pai de suas filhas enfrentou o alcoolismo, a violência psicológica e física.
Em suas palavras é visível que tentou ajudar o ex-marido a superar o alcoolismo, foi ela que muitas vezes quem trouxe o sustento para casa, que o sofrimento, o medo e angústia foram parceiras constante dela e das filhas.
“O alcoolismo, o álcool destrói uma família, foram 20 anos lidando com aquela pessoa, incentivando, dizendo vamos se tratar, dando chances, mas ele não quis ajuda, isso nos machucou”.
Não foi uma nem duas vezes que sai de casa de manhã para trabalhar e ele já estava embriagado, quando eu voltava à tarde, estava dormindo de bêbado.
Não teve um dia que a gente disse: fomos numa festa, aproveitamos por estar boa, não, a gente já saía de casa com aquele medo”.
Ouviu coisas horríveis…
As frases horríveis que o ex-marido dizia para ela, a machucavam profundamente e minavam sua autoestima, que terminava sempre com a frase, “quem vai te querer assim”.
Por mais de uma vez houve a violencia física, a gota d’ água foi quando ela com 13 dias de operada viu a filha Kawane ter que defendê-la porque o marido ia agredi-la.
“Eu chorava noite e dia, ai, no dia que vi a minha filha lá, me defendendo, tendo que enfrentar o pai, vi que era a hora de dar um basta e disse para ele que ele não sabia as filhas e a mulher maravilhosa que ele tinha, e dali para frente passou a ser eu e minhas filhas e isso faz 3 anos”.
Porém não foi facil…
“Passamos muitas dificuldades para recomeçar, eu desempregada, operada, passamos necessidades mesmo, as frases dele ficavam sendo repetidas na minha cabeça”.
A força veio de dentro…
“Fui olhando para mim mesma, me tornando cada dia uma pessoa melhor, eu sentia e sabia que eu não era aquilo que ele falava, mas não foi fácil, me retraí.
Hoje eu não falo mal dele porque não merece, não tenho raiva, o sentimento que eu tenho por ele é pena, sei que é pior que sentir raiva. Ele sem a bebida é uma pessoa maravilhosa, ele é doente, a bebida tomou conta dele. Como eu com a comida, se eu deixar, ela manda em mim, porém, eu fui mais forte, ele não, no fundo ele é uma pessoa boa”.
Cirugia Bariátrica…
Cascieli chegou a pesar 107 quilos, em dado momento surgiu a possibilidade de fazer a cirugia bariátrica, mas ela não fez, “Não fui fazer, pensei, não vou ,é uma cirugia perigosa, eu tinha a Ana pequena, a minha gordurinha não me atrapalhava ainda”.
Contudo, um dia ela teve muitas dores nas costas, foi ao médico achando que era rim, ele disse “é coluna, ela não está suportando o teu peso” e surgiu nova oportunidade de fazer a cirugia, “Faz 3 anos, eu estava me separando quando fui chamada para a cirugia, eu pensei, agora dá para enfrentar, a Ana está grande, fui, fiz e deu certo, era para fazer.
A cirugia tem fases que você quase morre, vai no fundo do poço, tem seus altos e baixos, eu cheguei numa fase crítica, com 11 dias de operada me separei.
Bati minha meta para a eliminação de peso de um ano em 6 meses, o que eu tinha que perder em 6 meses, perdi em 3.
A gente fica meio depressivo, eu ainda passei pela separação. Eu vivia de pijama dia e noite, fiquei 3 meses na casa, não saia.
Eu não me olhava no espelho, ainda ouvia meu ex-marido dizendo, “quem vai querer você? Você é (aqui vinham vários adjetivos pejorativos), me olhava e chorava, eu cheguei a ficar com 53 quilos.
“Opera o estômago, não a cabeça”
A gente é dependente da comida e aí você não pode mais, se comer vai sentir dor, vai comer e correr para o banheiro, precisa se educar.
A gente se acha gorda, tem uma mente de gorda, a cirugia opera o estômago, a cabeça não, ela continua de gordo. Mas você educa ela, eu eduquei, hoje como de tudo, mas é pouquinho.
“A Bariátrica me mostrou a minha força”
Um dia eu tomei coragem e comecei a pensar eu não posso ficar assim, tenho duas filhas, tenho que ir à luta, não posso deixar minhas filhas perecerem, a Kal ser a mãe da Ana, sustentar uma casa.
Fui lembrando que se eu enfrentei a Bariátrica eu podia enfrentar tudo, a Bariátrica me ensinou muita coisa, a ser mais independente, que se pode o que se quer.
A coragem chegou e fui enfrentando, as coisas que ele dizia demoraram para sair da minha cachola. Disse, vamos reagir para a vida, ai voltei com tudo, me animei comecei a sair, a me arrumar.
Fé sempre…
Sempre me agarrei à minha fé na Nossa Senhora das Graças, vou fazer algo eu sempre digo: Maria, passa na frente, abre os caminhos, ilumine os meus pensamentos para não fazer as coisas erradas, porque às vezes a gente se desvia do bom caminho.
Me permiti tentar…
Tudo foi difícil, depois de tudo que passei, a gente fica com medo e vai devagarinho voltando a acreditar na gente. Eu perguntava a Deus: Quem vai me querer, meu Deus não tem quem me queira.
Demorei a encontrar alguém, com duas filhas não é qualquer pessoa que você pode trazer para dentro da tua casa. Encontrei uma pessoa que me respeita e respeita minhas filhas, estamos muito bem há um ano e três meses.
Me incentiva, me dá ânimo, me diz voce é forte, vamos lá, eu nunca pensei em tirar carteira de motorista, estou tirando, me apoia muito e as minhas meninas, bajula demais, faz o papel de pai que as meninas não tiveram.
Cascieli já determinou as regras no primeiro encontro, “Eu sou muito sincera, falei para ele, não quero casar, não quero ter filho e voce vai demorar para entrar dentro da minha casa, levou 7 meses.” (muitos risos).
Se escute mais…
Que conselho ela daria à Cascieli de 10 anos, a resposta veio rápida, “Se escute mais e as pessoas que estão ao teu redor, se ame mais. Você vai ter uma filha, escute ela, (risos), às vezes a Kal é quase a minha mãe.
Machismo…
Perguntei se ela achava que o machismo fazia parte da vida das mulheres.
“Sim, é a nossa convivência diária, o meu pai era um machista, meu irmão é sabe, daquele, “eu posso a minha mulher não pode”. Na verdade, uma mulher faz mais que um homem, só que essas pessoas mais velhas foram criadas com o pensamento que eles têm que ser melhor que a gente e não é assim.
Mulher tem os seus direitos, ela consegue o que ela quiser e muito mais, vejo por mim, eu dou a vida para conseguir as coisas para as minhas meninas, trabalho, não tenho vergonha, se precisar ir para um campo de batata de novo, eu vou”.
Ser mulher é…
Ser independente, guerreira, é o essencial de tudo, a gente acaba achando que depende de um homem, mas somos 10 vezes melhores, homem não vive sem uma mulher do ao lado.
É bom ser mulher…
É bom por dois motivos, porque você aprende a ser forte e aprende a ser mãe, porque ser mãe é a melhor coisa que tem. Tem dia que as menininhas me tiram do sério, porém, se não fosse por elas, eu acho que eu não estaria aqui, porque tudo que eu passei foi demais, às vezes eu perguntava o que eu fiz para merecer tudo isso, mas decerto eu tinha que passar por tudo aquilo para valorizar a vida que estou levando hoje, para mim tudo aquilo já é passado”.
Recado às mulheres…
Acredite em si mesmo, para a mulher não é facil, sempre vai ter a discriminação por ser mulher, mas a chave para viver uma vida melhor é acreditar em si mesmo.
A mulher tem que trabalhar. Tentar sempre. Caiu, levanta, o tombo ensina, e cada vez que você cai, você levanta mais forte. Eu digo de experiencia própria porque eu caí, eu tive muitas desilusões, foram algumas separações, só tentando mudar e nunca mudou, quando eu tomei a decisão que agora era a minha vez de viver, foi para sempre, graças Deus”.
Cascieli hoje é…
“É uma mulher que aprendeu a força que tem, às vezes a gente para e pensa será que fui forte o suficiente ter aguentado tudo que passei, eu e a Kal passamos muita, muita cosia ruim.
Adora ficar em casa, receber os amigos, fazer comida para eles, isso é felicidade, ter amigos companheiros, que me cuidam.
Se orgulha de dizer: Estou formando uma filha fisioterapeuta, eu fui empregada doméstica, catadora de babata, dei conta, é meu maior orgulho.
Sonha ver a Ana formada, conseguir superar todos meus medos, traumas, porque eu não superei, eu levanto todo dia de manhã e digo: você é mais forte do que isso, levanta e vai em frente, é me abrir mais para as coisas, ter mais amor por mim, eu já me amo mais, eu quero mais, eu mereço.
Que tem muito para viver e quer aproveitar da melhor forma possivel com as filhas.
Feliz, pois alegria faz parte da minha vida, por mais que eu tenha passado por tudo que eu passei, eu tenho uma vida, tive uma infância boa, tive meus pais, tenho meus irmãos, uma vó que fazia de tudo para mim, hoje tenho minhas filhas, eu tenho saúde, por que eu não vou ser feliz? sou feliz do meu jeitinho, mas sou.