José Ortega y Gasset, em seu clássico “A rebelião das Massas”, lá pelas tantas levanta a pergunta das perguntas, indagação essa que deveria ser refletida com profunda seriedade e serenidade por cada um de nós se, de fato, temos o intento sincero de entender o que está acontecendo no mundo e, quem sabe, vislumbrar o que possivelmente poderá ocorrer num futuro próximo. Enfim, sem rodeios, a pergunta seria essa: quem é que manda no mundo?

Essa questão, obviamente, acaba por nos levar a inúmeras outras e, a devida reflexão sobre o que cada uma delas nos pede é algo que, pessoalmente, considero importante, desde que, é claro, não nos esqueçamos de procurar saber quem são os mandantes da bagaceira toda.

Frequentemente confundimos um poder nominal com um poder efetivo, ou seja, tratamos um cargo de uma autoridade constituída com os meios necessários para o exercício efetivo do poder; e isso acontece porque, muitíssimas vezes, ignoramos que poder é, em princípio, a capacidade de fazer algo. Capacidade essa que pode ser mensurada através de várias escalas e, tais classificações, devem levar em conta a essência do poder que, como nos ensina Bertrand de Jouvenel, não é tanto o ato de mandar em algo, mas sim, o de ser obedecido por alguém.

Quanto mais fielmente é obedecida uma ordem emitida por alguém, maior é o poder que esse sujeito tem. Simples assim.

Não são poucos os que pretendem ser os mandões do mundo, ou dum cadinho de terra num rincão qualquer, mas quantos desses caiporas – de fato e em que medida – são obedecidos?

Obedecer é consentir na realização de uma vontade e, a realização de uma vontade é a essência do tal do poder. Quanto maior o alcance, quanto mais profunda no tempo for a obediência a um comando, maior é o poder.

Diante disso, fica mais do que evidente que há pessoas que ocupam determinados cargos –  públicos ou não – que lhes autorizam comandar um certo número de pessoas, porém, isso não garante que os comandados irão obedecê-los efetivamente.

Qualquer um que já tenha ocupado um cargo de mando, pouco importando qual ele seja, sabe muito bem que o cumprimento de uma ordem está muito além da mera investidura. O cargo pode até ajudar, mas não é tudo.

Talvez o melhor exemplo disso seja a declaração que certa feita foi proferida por Idries Shah, o líder de uma seita. Uma vez perguntaram a ele: “por que o senhor não carrega dinheiro consigo?” E ele, laconicamente, respondeu: “porque eu não preciso. Eu tenho pessoas no meu bolso”. Ele tinha pessoas que faziam o que ele queria, quando e da maneira que ele desejasse. Ele sabia o que é o poder.

Algo muito similar a isso vemos encenado logo no primeiro episódio da série “House of cards”, onde o deputado Francis Underwood, interpretado pelo ator Kevin Spacey. Após conversar com um influente lobista, Underwood quebra a quarta parede teatral e explica diretamente para o público o que seria a diferença entre dinheiro e poder, e o faz nos seguintes termos: dinheiro seria similar a uma mansão a beira mar. Poder é uma fortaleza medieval. O primeiro é superficial, frágil, instável. O segundo, sólido, profundo e penetrante.

Trocando por dorso (ou por qualquer miúdo da sua predileção): dinheiro não é, em si, poder. Não. Só gente de alma muito mesquinha e pequena pensa assim. Ele é apenas um meio que permite uma pessoa exercer o poder na medida em que essa tenha algo em mente para fazer com o dito cujo e isso, saber o que fazer com o cascalho, é poder.

Sim, conheço a sentença de Nelson Rodrigues onde ele afirma que o dinheiro compra tudo, até amor verdadeiro. A frase é ótima, divertidíssima, deliciosamente cínica, mas não é totalmente verdadeira.

Explico-me: dinheiro compra consentimento momentâneo, impõe um sentimento de medo superficial, porém, é tão raso que esse medo facilmente beira a raiva inconfessa. Ele não amealha respeito à pessoa do que o porta. Isso mesmo! Basta que o dinheiro sai pela porta, que muitas vezes o “poder” do não mais endinheirado pule pra fora de sua vida pela janela.

E tem outra! Dinheiro por si só não torna ninguém digno de respeito. Aliás, basta que prestemos atenção na forma como nos referimos aos detentores dessa tranqueira imunda e veremos que geralmente o é duma forma nem um pouco venerável.

Respeitamos pessoas apesar dos seus bens, não por causa deles. De mais a mais, se respeitamos alguém unicamente por isso, talvez seja porque também não sejamos dignos do tal do respeito.

Por fim, para não mais tomar o seu tempo, lembro apenas que figuras como Júlio César, Napoleão Bonaparte, Joseph Stalin, entre outros, começaram sua jornada pela história sem um puto na guaiaca. Sim, eles amealharam muitos recursos no correr de suas andanças, mas esses bens não eram a fonte do seu poder, mas sim e em parte, o resultado do seu poder e, esses, é claro, eram empreendidos para ampliá-lo.

E aí voltamos a pergunta orteguiana apresentada no início dessa missiva: quem realmente manda no mundo? Quem, de fato, são os grandes detentores do poder em seu estado bruto? São aqueles que são capazes de parar e bagunçar tudo com seus planos e projetos, que nos fazem realizar as coisas mais disparatadas dando-nos a impressão de que estamos agindo de maneira responsável, por conta própria quanto, na verdade, estamos fazendo justamente o que eles querem que façamos e pensemos.

Por essas e outras que essa espinhosa e insolúvel questão é tão importante.

Escrevinhado por Dartagnan da Silva Zanela, em 02 de maio de 2020, dia de Santo Atanásio.

 

 

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