Humberto Silva Pinho

Por Humberto Pinho da Silva

Hoje, se me permitem, vou tentar condensar, por palavras minhas, curioso livro, que narra a triste história de rafeiro. Cachorrinho que deambulava, vegetando faminto, pelos velhos becos da velha cidade do Havre.

Seu nome era Moustapha; e o autor da obra: Adolfo Destryes, escritor do século XIX.

Moustapha era solitário, pobre e infeliz, maltratado pelos homens e escorraçado pelas certeiras pedradas do garotio.

Uma noite, junto a fontanário, depara com Roberto, jovem nada caritativo, mas embriagado, como era o caso, tinha rasgos de generosidade.

Roberto olha compassivo, o cachorrinho, e movido de ingente compaixão, lava-lhe carinhosamente as sangrentas feridas, que alastram pelo macerado corpo; e cobre-as com trapos que encontra junto ao velho fontanário.

Estonteado pelo sono, toldado pelo álcool, adormece profundamente.

Despertado pela ténue luminosidade matutina; acorda estremunhado. Para espanto seu, verifica que o animal, permanece aninhado a seus pés.

Roberto, brutalmente, enxota-o, pontapeando-o com agressividade.

Moustapha, angustiado, atira-lhe olhar tão meigo, tão enternecido, tão compungido e doce, que num ímpeto gesto de bom samaritano, o moço leva-o para casa, carinhosamente aconchegado no regaço.

Foram ditosos os anos que viveram em mútua companhia. Moustapha era grato ao benfeitor, e não se cansava de lhe lamber as calejadas mãos.

Mas hedionda mazela de pele recobre novamente, o corpo do bicho; o cachorrinho torna-se asqueroso.

Roberto não o quer em sua casa. Ainda, num rasgo de piedade, pensa leva-lo ao veterinário, mas na cidade, nessa remota época, não havia.

Resolve, então, matá-lo.

Numa fria e caliginosa noite, enquanto a cidade dormia sob o negro manto da cerração, suspende-lhe pesada pedra ao pescoço, e lança-o impiedosamente, ao rio, nas águas geladas e turvas do Sena.

Moustapha, a exemplo de velhos mártires, em circo romano, sofre atrozmente. Chora tristemente, mas não solta gemido, nem resiste ao algoz que ama.

No gesto de o lançar nas águas correntes, cai-lhe o boné ao rio.

Desesperado tenta retirá-lo, mas no negrume da noite, a tentativa foi vão.

Desalentado, regressa a casa, mais abatido pela perda do boné, que remorsos da barbaridade.

Mal havia decorrido uma hora, sente mexer-lhe levemente na porta. Levanta-se estremunhado, e para surpresa sua, era Moustapha, com o boné entre os dentes.

O cão estava em estado lastimoso, enlameado, ensanguentado e fétido.

Num gesto autómato de gratidão, abraço-o calorosamente. As lágrimas escorrem-lhe pela face tostada.

Arquejando, o animal solta estridente berro, numa convulsão estertorante.

Moustarpha morre. De alegria? De tristeza? Nunca se saberá.

Moral da história: os animais são, quantas vezes, bem melhores, que os humanos.

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