O escritor português Vergílio Ferreira nos diz que o amor seria uma longa paciência. Curioso isso. Verdadeiro também.
Somos, todos nós, figurinhas imperfeitas, cheinhas de limitações e, por isso mesmo, cometemos, todo santo dia, uma série nada original de erros e equívocos e, fazemos isso, na maioria das vezes, sem nos darmos conta do quão toscas são nossas impensadas e impacientes atitudes para com os outros, para conosco mesmo e, é claro, diante de Deus; porque sempre estamos diante Dele, gostemos ou não.
E não adianta fazer pose de sabido, nem cara de indignado criticamente crítico. Não tem lesco-lesco. Essa sina é toda nossa e não tem escapatória e, por isso, penso eu, devemos amar uns aos outros, o que não significa que devemos ficar afagando o ego uns dos outros. O babado é bem diferente.
Para amarmos, não tem jeito, temos que ter uma dose avantajada de paciência porque, como nos ensina São Paulo, na primeira epístola aos Coríntios, o amor, entre outras coisas, é paciente. Se não for, é vaidade.
Essa heroica virtude, a paciência, é imprescindível para nós, seres humanos, não apenas para o convívio em sociedade, mas também e principalmente, para que possamos, por meio dela, nos fortalecer em espírito e verdade.
Lembremos, e não nos esqueçamos: virtude, não é, e nunca foi, uma reles qualidade bonitinha, fofa e politicamente correta, que a gente ostenta nas ruas e nas redes sociais para ganhar alguns pontinhos com uma galerinha em particular. Nada disso.
Na real, isso seria o contrário de uma virtude.
Virtude, vem do latim virtu, que quer dizer, literalmente, força. Isso mesmo: força. Se formos trocar em miúdos, uma virtude é uma qualidade moral que nos fortalece e nos habilita a realizarmos ações que, nosso desfibramento humano, demasiadamente humano, não nos permitiria fazer.
A paciência, enquanto virtude, é aquela que nos permite suportar males, decepções, incômodos e demais tranqueiras similares. Ela nos ensina que uma vida, digna de ser vivida, não é uma existência entregue aos rompantes de revolta e indignação. Por isso, com o tempo, todo aquele que exercita essa virtude acaba ganhando algum grau de serenidade e perseverança frente aos entreveros que a vida não se cansa de nos apresentar.
No mundo de hoje, com todo os estímulos sensoriais que recebemos diariamente, o exercício dessa abençoada virtude seria um santo remédio para inúmeros males que muitas vezes assaltam nossa alma e que vão levando para longe o que há de melhor em nós; e, com o tempo, de tanto sermos assediados por esse contínuo fluxo de estímulos, que mais nos inquietam do que nos instruem, esses males acabam por levar qualquer coisa que ainda reste em nosso coração, fatigado por essa volúpia midiática sem fim que impere em nossos dias.
Para exercitarmos essa virtude é de fundamental importância que aprendamos, que nos disponhamos a nos contrariar. É bem isso cara pálida: nos contrariar.
Todas as criaturas podem ser contrariadas por um agente externo a elas, mas somente o ser humano é capaz de contrariar-se, e isso é uma baita grandeza.
Você pode condicionar um cão a realizar uma tarefa, mas somente um ser humano é capaz de se condicionar para realizar algo. Um cão pode suportar a fome e a privação de sono, já o ser humano, além de poder suportar isso, também é capaz de realizar dietas alimentares, jejuns, vigílias e outras práticas similares, contrariando-se; e, por sermos capazes de fazer isso, somos capazes de domar nossos impulsos animalescos, se isso for da nossa vontade, é claro.
Por essas e outras que essa cultura alicerçada no imediatismo, em misto com a supervalorização dos nossos desejos – que trata a saciedade de todos os nosso caprichos como se fosse uma espécie de direito sacrossanto – é algo que degrada o indivíduo de forma profunda, ao ponto de reduzi-lo à uma condição bem abaixo da bestialidade.
Muitos dizem que isso seria apenas e tão somente o tal do progresso e, creem no que dizem, porque essa palavra evoca em seus corações um punhado de imagens tão vagas quanto agradáveis e, para muitíssimas almas desatentas, isso seria mais do que suficiente para que elas concluam que o progresso, por si, lhes pareça algo pra lá de bom.
Pois é. Mas para que algo, que esteja progredindo, seja sumamente bom é preciso que saibamos para que direção estamos progredindo. Se estivermos progredindo na direção da salvação de nossas pobres almas, se estivermos peregrinando, progressivamente, rumo à Jerusalém Celeste, show de bola. Vamos em frente. Mas, se não estivermos progredindo para essas paragens, creio que não seja algo que devemos contar vantagem.
Por isso, entre outras coisas, é tão importante que tenhamos a audácia de sermos devotos da tal da paciência, para não nos precipitarmos nesse abismo que, todo santo dia, se apresenta diante de nossas ventas.
Nós olhamos para ele e, o danado do abismo, olha de volta, chamando-nos, sutilmente, para que mergulhemos em seus átrios plúmbeos de perdição, sussurrando-nos palavras adocicadas que dizem com ele e nele encontraremos todo o consolo que precisamos para aplacar nossas inquietações.
E ele mente, como mente, rapidinho, várias e várias vezes, em um único clic, e nós, apressadamente, a-cre-di-ta-mos; e caímos nessa arapuca porque esquecemo-nos, faz muito, que o amor é uma longa paciência, como nos ensina Vergílio Ferreira. E se não temos paciência para conhecer a verdade, se não somos pacientes para aturar a nós mesmos e suportar aqueles que chamamos de próximo, não podemos dizer que realmente sabemos o que significa amar.
É isso. Fim de causo.
Escrevinhado por Dartagnan da Silva Zanela
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