Dizem por aí, à boca pequena, que os cronistas, dentro no meio literário, seriam vistos como reles catadores de latinhas no meio de uma festa. Enquanto todos estão no meio do furdunço tomando umas e outras, faceiros da vida, conversando descontraidamente sobre os mais variados assuntos, lá está ele, o cronista, passando sorrateiramente por entre os senhores da noite, catando a matéria-prima do seu labor que, nada mais seria que aquilo que é desprezado por todos: as latinhas amassadas largadas no salão do baile da vida.

Essa descrição bem humorada dos escritores menores nos é apresentada pelo cronista Paulo Briguet que, recentemente, lançou o livro “Nossa Senhora dos Ateus”, onde reúne cem de suas mais de duas mil crônicas. Leitura recomendadíssima, diga-se de passagem.

Humberto de Campos, outro mestre do gênero, lá no comecinho do século XX, dizia que ele se batia para encontrar suas inspirações, suas latinhas, principalmente porque era seu ganha pão. Dizia ele que tinha que vender miolo da cabeça para poder pôr à mesa o miolo do pão.

Mais próximo do fechar das cortinas do século passado, outro grande cronista, Mário Prata, dizia que procurava ler de tudo, até mesmo retalho de jornal caído no chão e bula de remédio. Vai que naquele pedaço de papel esquecido não pintava uma ideia. Vai que pinta, não é mesmo? Aliás, o dito cujo, lá por meados dos anos noventa, havia escrito uma crônica sobre as tais bulas de remédio. Uma bela crônica, diga-se de passagem. Pois é, quando o cabra manja dos babados são outros quinhentos.

Mas, mesmo catando inspiração em tudo que é canto desse mundão de meu Deus, sempre chega o dia em que a dita cuja não é encontrada e, mesmo assim, o pobre do cronista tinha e tem que fazer das tripas coração, ou um coração com tripas, e parir uma crônica para que seja encaminha para a redação antes do fechamento da edição do jornal ou da revista.

O grande Rubem Braga falava garbosamente desses momentos sombrios onde nenhuma luz raiava no horizonte de sua máquina de escrever. Mas no caso de um gênio da envergadura dele, até mesmo a falta de ideias era uma fonte cristalina para extrair uma bela crônica. Aliás, ele escreveu várias sobre isso, sobre esses momentos em que as suas ideias, todas elas, fugiam de sua moringa, feito gentarada em dia de promoção.

Podemos dizer, sem medo de errar, que toda a atenção voltada para os temas miúdos da vida, no esforço despendido pelo cronista para vislumbrar neles a grandeza e a mesquinharia humana, em toda sua universalidade, torna a crônica um exercício ímpar que convida a todos aqueles que têm a gentileza de deitar suas vistas sobre uma página para, vagarosamente, caminhar por essa trilha de palavras, tecidas com linhas e entrelinhas, e refletir sobre aquilo que, muitas das vezes, preferimos esquecer, por estarmos acomodados por demais em nossa miudeza existencial.

Trocando por dorso, ou por qualquer miúdo de nossa predileção, o cronista, necessariamente, acaba sendo sempre aquela tal pedra no meio do caminho das almas preguiçosas que, infelizmente, não são poucas. Suas palavras, por definição, devem mexer conosco, nos incomodar para, quem sabe, sacudir a poeira de nossa caixinha de reflexões que, muitas vezes, fica abandonada num canto qualquer da nossa consciência porque, refletir sobre algo não é, nem a pau, a mesma coisa que reagir feito um autômato a algo. É bem diferente e, por isso mesmo, incomoda tanta gente.

Por isso, mais do que inspiração, um cronista, seja ele bom ou meia-boca, precisa de liberdade para se expressar, liberdade para dizer com o máximo de clareza e com profunda sinceridade, aquilo que ele está vendo; não para agradar matilhas ideológicas que ladram e babam diante de qualquer passo que seja dado por alguém que ousa pisar fora do seu riscado, mas sim, para, feito um piolho inconveniente, levar-nos a coçar a cabeça e, quem sabe, passar a matutar sobre os assuntos de sempre, porém, a partir de uma perspectiva um tanto diferente.

E o pior é que as almas tacanhas não querem saber, de jeito maneira, de serem convidadas a saírem da sua caixinha existencial bolorenta. Ficam loucas da vida só de ouvir falar nisso e, se porventura, uma crônica lhes toca, mesmo que de leve, nas pustulentas feridas de sua alma, eles gritam feito possessos durante um exorcismo, pedindo para calar aquele que ousa recitar as preces que tanto lhe doem.

Enfim, por essas e outras que Deus nos deu, graciosamente, o dom da liberdade e, o pai da mentira, não mede esforços para tentar escravizar as consciências, silenciando todos aqueles que têm a petulância de discordar da sua toada infernal.

Escrevinhado por Dartagnan da Silva Zanela

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