por Dartagnan da Silva Zanela (*)

O poeta e filósofo alemão Friedrich Nietzsche, em “A visão dionisíaca do mundo”, ensina-nos a que a cultura seria tal qual a casca que envolve uma maçã, uma fina película que encobre o caos incandescente da realidade, que encobre uma besta-fera que, aliás, está sempre ciosa para devorar a nossa humanidade sem a menor compaixão. Mas o que seria essa fina casquinha que encobre e limita a besta-fera que habita em nosso coração?

Como todos nós sabemos, a palavra cultura nos remete àqueles bens que, por sua singularidade, merecem ser devidamente cultuados e cultivados de modo apropriado.

Tudo aquilo que cultuamos, por definição, é colocado por nós no centro pulsante da nossa vida, pois reflete tudo aquilo que consideramos precioso, que inunda a nossa vida de sentido e profundidade e, por isso mesmo, faz o nosso coração bater mais forte.

Quando cultivamos algo, nós o fazemos porque consideramos que isso seja bom e, por essa razão, esperamos que as sementes lançadas no solo da alma deem muitos frutos.

Nesse sentido, músicas, obras literárias, pinturas, esculturas, modos de vestir-se, de portar-se à mesa, a culinária, os ritos religiosos e seculares, etc., não são “a cultura” em si. São bens culturais. Cultura seria o espírito que inspirou a elaboração desses bens e a força que nos impele a cultivá-los, colocando-os no centro irradiante da nossa vida.

Então, é justamente nesse ponto que a porca torce o rabo, e torce bonito, porque é através dos bens culturais que consumimos que nos é infundida a cultura que, ao seu modo, consuma em nós uma visão de mundo que injeta uma série de valores, ou antivalores, que norteiam as nossas escolhas.

Por essa razão, o poeta norte-americano T. S. Eliot, em seu livro “Notas para uma definição de cultura”, nos chama a atenção para a importância de termos o hábito de distinguirmos os bens culturais que tem um valor antropológico (enquanto um registro valioso sobre o modo de viver de um povo), daqueles que tem um valor universal, por terem algo precioso a ensinar para toda a humanidade de todos os tempos.

Seguindo por esse caminho, o escritor peruano Mario Vargas Llosa, em sua obra “A Civilização do Espetáculo”, nos lembra que devemos, também, refletir sobre as motivações que nos levam a consumir tais bens. Se é meramente por puro exibicionismo, ou por mero entretenimento, para ocuparmos nossas horas ociosas, ou se é para dilatarmos nossa alma, procurando aprender com a humanidade, com a sabedoria de muitos outros, que foi magnificamente cristalizada em uma obra.

Dito de outro modo, sermos criteriosos na seleção dos bens culturais que iremos consumir, e colocar no centro da nossa atenção, é algo de suma importância, mas tão importante quanto isso é nos mantermos atentos quanto a intenção, com o sentimento sincero que nos anima a entregarmo-nos de peito aberto a um bem cultural, seja ele um livro ou um show.

Na verdade, a intenção sincera é o que irá denunciar onde, realmente, está o tesouro que faz nosso coração transbordar de júbilo.

Resumindo o entrevero, afetação de superioridade é apenas baixeza mal disfarçada, da mesma forma que vulgaridade degradante, altamente produzida, não passa de espasmos de uma alma soberba em decomposição e, nos dois casos, temos vidas sendo despedaçadas por valores corrompidos, que foram introduzidos em consciências fingidas, fragmentadas por uma cultura decadente que celebra o aviltamento e cultiva a vileza, através de bens de elevado custo, gosto duvidoso e de valor questionável, que não contribui em nada para o aprimoramento de ninguém.

(*) professor, escrevinhador e bebedor de café. Autor de “A QUADRATURA DO CÍRCULO VICIOSO”, entre outros livros.

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