Tudo que aponta para o alto, e para lá segue, converge; porque para as alturas apenas a verdade peregrina, somente ela se eleva para no firmamento habitar.
É na verdade, e apenas nela, que todos podemos dialogar, desde que, nosso coração de fato deseje ardentemente conhecer a verdade e, conhecendo-a, permitir que ela nos transforme por inteiro à sua imagem e parecença.
E é aí que a porca torce o rabo porque, muitas vezes, aquilo que chamamos de “procura pela verdade”, na realidade, não passa de um rasteiro desejo caprichoso de querer afirmar diante de todos, e perante nós mesmos, que nossos enganos pessoais, ideológicos e similares, seriam uma espécie de “verdade revela” por nós que, soberbamente, presumimos ser uma espécie de deuzinho.
Quando estamos com nossos pés presos a esse lamaçal, acabamos por trocar a convergência para o céu pelas divergências que nos arrastam para baixo, para o império da confusão e da perdição e, tolamente, chamamos isso de “tomada de consciência” para nossa “libertação”.
Há uma passagem, do livro “O Paraíso Perdido” de John Milton, que me causa um profundo temor e um terrificante tremor. É a passagem onde Lúcifer precipita para o inferno e, nele estando, profere o seu sulfuroso discurso. Nesse, lá pelas tantas, o anjo caído diz: “De que importa o lugar onde resido, se sou sempre o mesmo e o que devo ser? Aqui, ao menos, seremos livres! Mais vale reinar no inferno do que servir no céu”.
Bem, não há liberdade onde não impera a verdade. A verdade acaba por não deitar raízes nos corações que se fazem inconstantes. E todo coração inconstante, em sua volúpia de querer afirmar-se diante de si, de tudo e de todos, acaba terminando como uma massa amorfa, facilmente moldável nas mãos ignóbeis das multidões, das ideologias e dos poderes instituídos e, termina por beijar amorosamente os grilhões de seus caprichos manipulados por intenções que ela ignora.
Mas essa imagem, criada por John Milton, infelizmente, bem retrata a nossa triste situação no mundo contemporâneo. Preferimos mil vezes insistirmos teimosamente na defesa de um erro, de uma mentira – sobre o qual edificamos grande parte de nossa vida, e de nossa personalidade – do que demolir, pedra por pedra, nosso castelo de cartas marcadas para, do zero, edificarmos uma nova morada para nossa alma.
Podemos até dizer, em público, que estamos dispostos a isso, falando com todo aquele puritanismo pós-moderno e politicamente correto, tão característico de nossa época; porém, dificilmente, seríamos capazes de confessar esse vexame no silêncio taciturno do tribunal de nossa consciência, diante da voz diáfana que ecoa pelos átrios de nosso acabrunhado coração.
Resumindo a encrenca: o alienado é sempre o outro; quem está preso na quarta camada é sempre nosso vizinho; a pessoa que tem um temperamento complicado é sempre um parente próximo; o fofoqueiro é invariavelmente aquele que nos ouve; o opressor são todas as figuras que ousam não concordar conosco; os pecadores seriam aqueles que não nos aceita como somos; enfim, tudo no mundo está com defeito e precisa ser mudado radicalmente, tudo, menos nossa incapacidade de reconhecer que não somos a solução para praticamente nenhum problema existente, que somos apenas e tão somente parte de um terrificante problema.
Pois é. Mas o que nos falta de humildade nos sobra em vaidade e soberba e, de forma similar ao anjo caído do poema de Milton, seguimos em nosso cambaleante passo, com nossas convicções furibundas e opiniões furadas, sobre tudo e todos, reinando em nosso mundinho imaginário como se esse fosse o “império da criticidade”.
Enfim, quando alguém de forma luciferina bradar, aos quatro ventos, que “mais vale reinar no inferno [o reino da mentira] do que servir no céu [o império da verdade]”, porque, no entender dessas vozes, essa atitude as tornaria livres, lembremos, vivamente, como esse tipo de revolta termina e, principalmente, que apenas a Verdade, que se fez carne e habitou entre nós, pode nos libertar desse labirinto sem fim.
Escrevinhado por Dartagnan da Silva Zanela
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