Por Bruno Zampier

Nesta semana, mais um caso de crueldade contra os animais chocou a opinião pública: um homem jogou um cachorrinho da sacada de seu apartamento. Morreu na hora, para comiseração dos transeuntes. Nas redes sociais, diversas pessoas manifestaram suas opiniões, nada amistosas. Alguns pediam a prisão do covarde assassino, outros pediam até pena de morte. Aqueles mais filosóficos, extraíram do caso conclusões pessimistas sobre a perversidade da natureza humana.

De minha parte não contesto tal conclusão, mas gostaria de acrescentar uma observação que servirá de mote a uma reflexão: além de perversos, somos seletivos. Estas duas qualidades, no entanto, não são fruto da mesma árvore. A primeira é uma escolha, a segunda, uma consequência da realidade que nos cerca. Repudiamos a morte violenta de um cachorrinho, mas ninguém se importa com a morte lenta e dolorosa de um rato envenenado com agrotóxico carbofurano, por exemplo.

Antes que alguém saia em defesa dos raticidas alegando que neste caso estão exterminando um animal que transmite doenças, lembremos que a opinião pública, certamente, não fará louvores ao sujeito que envenenar ou arremessar da sacada um cão vira-lata infestado com pulgas, sarna e raiva. Sim, consideramos os cachorrinhos melhores e mais dignos de respeito do que os ratos.

Longe de mim criticar esse seletivismo, mas pretendo aqui usufruir daquele resquício de liberdade de expressão que o Supremo Tribunal Federal ainda nos permite, para declarar que a percepção de uma hierarquia natural é a razão implícita pela qual aprovamos o extermínio de certos animais, enquanto abominamos a morte de outros. A verdade é politicamente incorreta:  alguns animais são mais belos, úteis e dignos que outros. Suma blasfêmia nos temos atuais, digamos logo que isso vale para qualquer coisa, literalmente.

Há uma sinistra ironia quando percebemos que até mesmo os abortistas, cuja empatia e sensibilidade humana encontram-se turbadas pelas ideologias materialistas da moda, valem-se implicitamente de uma noção de hierarquia para defender a tese de que certas pessoas podem ser esquartejadas vivas, sem que isso lhes cause maior repugnância do que esmagar uma barata na sola do sapato. É  uma noção de hierarquia bastante psicopata, mas ainda assim, uma noção de hierarquia. Vejamos outros exemplos.

Há também pessoas mais belas que outras, assim como há pessoas mais inteligentes ou talentosas que outras. Duvido muito que, se substituíssemos Neymar por Brad Pitt no ataque da seleção, teríamos resultados melhores na Copa do Mundo. Por outro lado, imagino que um remake dos filmes de Brad Pitt com Neymar atuando em seu lugar, não teria um resultado digno de Oscar. Cada um no seu quadrado, como se diz.

Em tudo isso, como dito, vai implícita nossa percepção de uma clara hierarquia na estrutura do mundo criado. Há uma ordem que vai do inferior ao superior, uma relação de prioridade onde os mais perfeitos estão sempre em menor número, no topo da pirâmide. São Tomás de Aquino chamou essa hierarquia de “graus de perfeição” e observou que ela logicamente nos aponta na direção de um ser sumamente perfeito e único, constituindo uma das vias para se concluir pela existência de Deus.

O problema é que quando percebemos que estamos num degrau inferior dessa hierarquia, começamos a questionar a justiça desse Deus. Em diversas situações, não passamos de um vira-latas sarnento, uma criatura inferior que nada pode além de admirar e invejar a beleza, a saúde e a glória alheias. Por acaso uma barata merece viver? Lúcifer, que era um anjo inteligente, logo se deu conta disso. Percebeu que ao contrário de Deus, seus poderes possuíam limites, embora estivesse no cume da hierarquia dos anjos.

Então considerou uma humilhação a ordem de proteger e servir a seres inferiores criados a partir do barro; rebelou-se. Seu argumento ressoa pelos séculos dos séculos desde então: os superiores devem ser servidos pelos inferiores. Parece lógico e tem convencido muita gente: que os fracos trabalhem pelos fortes, que os grandes líderes comandem seus subordinados para o combate, que os feios idolatrem os belos, que os estúpidos e ignorantes admirem e aplaudam os inteligentes e talentosos. Numa palavra, essa é a proposta diabólica: que os superiores subjuguem os medíocres. É o que ele nos incita a fazer e quando temos a oportunidade, gostamos de fazê-lo: é a soberba.

Para Deus, no entanto, essa lógica não passa de uma doença. Pois Deus, sumamente poderoso, infinitamente forte, inconcebivelmente belo, ilimitadamente inteligente, fez-se servo de todos. Trabalhou para criar o universo, o mundo e os animais. Inclusive os ratos, baratas e moscas. Trabalhou no barro para modelar o homem. Ele, que poderia nos varrer da existência com um sopro de sua boca, lavou os pés enlameados dos apóstolos. Pois para Ele, os talentos e virtudes que colocam alguns em um grau superior de hierarquia, não constituem direito algum, nem justificam a fama e a glória ofertada pelo mundo dos homens.

Antes, constituem um dever: quem tem mais, deve servir aquele que tem menos. Em Deus, a hierarquia não é uma justificativa para os superiores subjugarem os inferiores, nem uma tentação para os inferiores invejarem os superiores. Isso é coisa de anjo caído, incapaz de amar e ser amado. Na realidade, a hierarquia que permeia o universo é uma importante oportunidade de trabalho para os superiores; para os inferiores, uma belíssima ocasião de gratidão. E não precisamos de ambas as coisas?

É por isso que somos sempre superiores a alguém em algo, e inferiores na imensa maioria dos casos: para que possamos, em pelo menos alguma coisa, trabalhar uns pelos outros, e agradecer sempre, e muito mais. Para que possamos amar e sermos amados, Deus criou um engenhoso mundo de hierarquia.

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