Por Bruno Zampier
Conta-se que o rei Ricardo III estava se preparando para a grande batalha de sua vida. Estava prestes a enfrentar um exército liderado por Henrique, Conde de Richmond. O vencedor conquistaria o trono da Inglaterra.
Talvez inspirado em Alexandre o Grande, Ricardo III resolveu que queria seguir em sua montaria à frente dos soldados, de modo a inspirá-los para a batalha. Mas as ferraduras já estavam em falta, pois a cavalaria do exército era muito grande e o ferreiro trabalhara nelas a noite toda. Diante da pressão, o ferreiro afirmou que poderia forjar, em caráter de urgência, quatro ferraduras a partir de uma barra de ferro. Advertiu, porém, que não poderia garantir a qualidade do resultado. E assim foi feito. Ao pregar a terceira ferradura, o ferreiro percebeu que faltariam pregos para a última. O rei já impaciente – tendo em vista o toque das trombetas diante do exército inimigo que se aproximava – ordenou que se retirasse um prego de cada casco, para que a quarta ferradura fosse fixada. Questionado, o ferreiro afirmou que provavelmente elas não cairiam, mas que, de novo, não podia garantir. Terminado o serviço, o rei bateu as esporas e saiu a galope.
Avistou ao longe que alguns de seus soldados já batiam em retirada. Lépido, à semelhança do icônico guerreiro grego, atravessou as fileiras de seu exército e tomou a dianteira: “Avante, homens!”, renovando assim os ânimos. No meio do trajeto, porém, soltou-se uma das ferraduras, o cavalo desequilibrou-se e caiu. E caiu com ele também o rei, que deu com as fuças na lama. Imediatamente o cavalo levantou-se e correu, antes que o azarado monarca pudesse alcançar as rédeas. Desesperado, passou a gritar: “– Um cavalo! Um cavalo! Meu reino por um cavalo!”
Os soldados, vendo o rei atirado ao solo, levantando-se todo machucado, bateram em retirada de uma vez por todas. E a batalha foi perdida antes mesmo que se iniciasse. Em memória a tal fato, o povo inventou uma cantiga irônica:
“Por causa de um prego, perdeu-se uma ferradura / por causa de uma ferradura, perdeu-se um cavalo /por causa de um cavalo, perdeu-se uma batalha / por causa de uma batalha, perdeu-se uma guerra / por causa de uma guerra, perdeu-se um reino… / Por causa de um único prego, perdeu-se um reino inteiro!”
Dizem que existe um outro reino, muito, muito distante, em que os reis oferecem bugigangas por um trono. E é um povo fiel, que nunca os deixa na mão. Ao invés de um reino, esses reis às vezes oferecem um vale-gás, outras vezes um saco de cimento. São eles que, de tempos em tempos, marcham à frente do povo, conclamando para lutas que nunca são vencidas. A saúde continua péssima, o desemprego e a violência em alta, a burocracia e os impostos seguem atazanando a rotina diária. Eu até desconfio que esses reis na verdade são ferreiros disfarçados, que vivem em um mundo muito, muito distante da miséria e das dificuldades das pessoas comuns; eles garantem que tudo dará certo, enquanto vão pregando suas ideologias, ora a marteladas, ora com as mais doces e simpáticas palavras. E assim, por um vale-gás, aquele povo vai se ferrando, dando com as fuças na lama e terminando sempre por perder as rédeas de suas próprias vidas.
Mas de quatro em quatro anos os ânimos se renovam: “Avante, homens (e mulheres também!)”. Já podemos ouvir os toques das trombetas. Vai começar tudo outra vez!