O município de Pinhão completa no dia 15 de dezembro 58 anos de emancipação política, aos longos dos anos foi se transformando de uma vila interiorana para uma bela cidade. Tudo foi construído por sua gente que é trabalhadora, tem a fé como seu maior alicerce.
Professor Nilson, um apaixonado por Pinhão
A primeira frase que ouvi do professor Nilson foi: “Amo Pinhão, é aqui que sou feliz”. Conversar com o Nilson é conversar com um professor apaixonado pela educação, um viciado em estudar, uma pessoa que se ama e se reinventa. Um homem de fé, que de pequeno descobriu a Umbanda como o caminho para se sintonizar com Deus.
Nilson Ferreira de Almeida, hoje está com 53 anos, tem um filho e vive um relacionamento homoafetivo há 16 anos com Marcos da Silva Siqueira, o Marquinho.
É filho de João Maria Ferreira de Almeida, (in memoria) e Laura de Oliveira Almeida, moravam em Inácio Martins, tiveram 3 filhos, Antônio, Iolanda. Quando Nilson estava com 9 meses vieram para Pinhão e a família cresceu com a adoção da irmã Janaina e a irmã caçula temporânea, Lauriane.
Sou negro!
Nilson se orgulha de sua negritude, “Meu avô paterno era negro, a família da minha mãe é de negros, eu queria ter a pele negra, entre risos, não essa que nem é branca, é meio amarela. Eu sou negro, me declaro negro!”
Uma infância difícil
O seu João Maria veio trabalhar na Produtora, que na época era uma das serrarias da Indústrias Zattar, foi lá que Nilson passou sua infância, “Eu não tive muita infância, não podia brincar com as outras crianças na rua, entrei tarde na escola porque até os 9 anos eu tive todos os problemas de saúde possível. Tive várias doenças e fraturas, inclusive de crânio, até os 5 anos eu fiquei mais no hospital que em casa. Como era muito frágil, o pai não me deixou ir para a escola e não podia brincar na rua”.
Uma vida escolar sem recreio
Aos 9 anos Nilson foi para a escola, sua mãe era merendeira na escola, “Como a mãe trabalhava na escola, na hora do recreio eu ficava na cozinha com ela”.
A descoberta do mundo da leitura
No ensino fundamental, dona Laura encontrou uma aliada, “Quando fui para o ginásio no Procópio, ela conversou com a dona Nilce, que era a inspetora dos alunos, no recreio e educação física, me colocava na biblioteca, ficava lá lendo, nunca encarei como castigo, entendia que aquele era o meu recreio, aprendi a amar ler. Se tinha aula vaga ela já me chamava, “Nilsinho” eu já sabia que era para ir para a biblioteca”.
Aos 13, trabalhador do Zattar
“Meu pai cedo queria mostrar a masculinidade dos filhos e com 13 anos fui trabalhar no Zattar, eu era miudinho, lá rolei tora, empilhei e cortei lâmina nos tornos. Fui estudar à noite, 6 horas começava a trabalhar, essa foi minha rotina por 2 anos”.
Nilson se rebelou, “Sempre gostei das coisas certinhas e os primeiros deslizes que a empresa cometeu de não pagar décimo, adiantar pagamento, eu fiz greve, (risos) levei 4 companheiros comigo e fomos demitidos, meu pai queria me matar, muitos risos”.
Nasceu a Lauriane
“Logo a minha irmã nasceu, a minha mãe trabalhava, não tinha quem cuidasse dela, fiquei em casa cuidando da Lauriane, fazendo minhas pinturas de panos de pratos, crochê e tricô, que a mãe vendia na escola”.
Essa irmã tem um espaço muito grande no coração do Nilson, “A amo a ajudei a criar os filhos, eles são meus netos, sou tipo vô babão”.
Concurso da Prefeitura
Em 1990 para dar aula em Pinhão a exigência era que tivesse concluído o Ensino Fundamental. “Passei bem colocado, o professor Joel Martins me chamou, me disse: você está na frente das mulheres, mas é um rapazinho, então vou te mandar para o interior, como eu queria emprego, fui para a escola 7 de Setembro”.
A descoberta de uma paixão
Nilson fazia o Ensino Médio, ouvindo o conselho da professora Neiva Levinske, foi fazer o Magistério, “Me apaixonei pelo Magistério, para mim foi uma escola de vida”. Complementa, “Hoje digo tranquilamente, tenho mestrado, estou fazendo o doutorado, mas o curso que me modificou, me abriu os olhos sobre a amplitude de educação foi o Magistério”.
Muito cedo percebeu que ser professor seria sua grande paixão, “A mãe trabalhava na escola, eu pegava os restos de giz, carbono, folhas com atividades e ficava dando aula sozinho, no galinheiro, imaginava que tinha alunos, ali eu já percebia que a educação ia fazer parte da minha vida”.
Ficou até 1995 na escolinha do interior, veio trabalhar na sede primeiro na antiga escola Castelo Branco e depois na extinta escola Marechal Floriano Peixoto, onde foi diretor.
Hoje Nilson é vinculado à escola Eroni Santos Ferreira mas está de licença para o doutorado.
Ele destaca “Ser professor dos pequenos é tudo para mim, é algo muito especial na minha vida”.
Uma parada por amor
O pai e o irmão Antônio faleceram com a diferença de 2 meses, isso abalou sua mãe, “Para cuidar da minha mãe, parei a faculdade e outras atividades por uns 3 anos, ela se recuperou, eu segui a minha vida”.
Ele tem uma grande admiração por Dona Laura, “Minha mãe é uma guerreira, foi merendeira, depois estudou, fez técnica de enfermagem, tenho muito orgulho dela”.
Ser Pai
Nilson fala com muito orgulho do filho João, sua voz muda de tonalidade e seus olhos brilham.
Fala todo cheio de si que são muito companheiros, que o filho se parece muito com ele no jeito de ser. “Sempre tive o sonho de ser pai, adotei o João, ele tinha nove meses, foi uma luta, era solteiro na época, o processo foi complicado, mas hoje está aí o João, meu filho com 22 anos, formado em Educação Física”.
Aos 9 meses, o filho apresentava característica de criança com deficiência intelectual, “O João é um pedaço de mim, na primeira consulta do João o médico falou: Pai você adotou uma criança excepcional, se quiser pode devolver ele”.
Mas decidi, independente da forma que fosse, era meu filho, tive a intuição que sua gestação foi complicada, quando ele dormia, colocava-o deitado no meu peito, falava para ele que o amava, que ele era a minha alegria, que nunca ia abandoná-lo. Larguei minhas aulas do Estado para ter mais tempo com ele, passei dificuldade. Mas valeu a pena.
Quando voltei consultar, o médico disse que não acreditava em milagre, mas que também não sabia explicar o que aconteceu.
Termina falando de boca cheia, “Tenho o maior orgulho dele, é meu tudo”.
Homossexualidade
Nilson é homossexual, mas não permitiu que a sua sexualidade o definisse, “Desde criança, quando me compreendi como gente, me dei conta da minha homossexualidade. Nunca quis ter um corpo feminino, usar maquiagem e roupas femininas, porém, a minha cabeça sempre foi voltada para o universo feminino, já cortava os panos de prato da minha mãe e fazia com facilidade um vestido de noiva para a boneca da minha irmã, eu gostava e gosto de cuidar da casa”.
“Em Pinhão, a minha preocupação era ser um profissional reconhecido, queria ganhar o respeito das pessoas pelo meu trabalho, sempre dei o máximo. A cidade era pequena, ainda com princípios muito arcaicos, conservadores, aqui eu não saia, não me divertia e não namorava ninguém. A diversão era dançar e as paqueras eram em Curitiba”.
A família
Para o pai do professor Nilson, que vinha de uma educação conservadora, ficava difícil compreender a homossexualidade do filho e seu desejo pela Umbanda, “A relação com pai sempre foi mais complicada. Minha mãe me compreendia, até comprou uma boneca para mim, escondido do meu pai”.
Nilson sempre compreendeu o pai, “Ele nunca me bateu ou me maltratou por isso, me privou de brincar. Penso que ele contribuiu quando me fez ter calma, vai chegar o momento que você vai poder ser quem quiser, mas agora não é o momento, ele não me disse isso, porém, hoje vejo que suas ações queriam dizer isso.
Nunca brigava com ele, eu entendia, não sei de onde tirava essa compreensão, o pai me dizia as coisas, mas eu não respondia, pensava, um dia eu cresço e vou viver a minha vida.
Para Nilson essa situação trouxe amadurecimento, “Essas situações que vivi fez com que eu refletisse, naquela época a cidade era pequena, com pensamento conservador, eu precisava antes de apresentar meu ser no todo, conquistar meu espaço e o fiz pelo campo profissional. Não tenho nenhum tipo de tristeza pelo meu pai me ter levado a viver a vida assim, talvez, se fosse diferente, eu nunca teria me encontrado com a psicologia e a psicanálise, minha outra paixão”.
O amor chegou
“Eu vivi muito tempo sozinho e sempre gostei, meu primeiro companheiro que morou comigo, que eu assumi, foi o Marquinho, ele me completa, é muito companheiro, me acompanha nos simpósios, sempre junto comigo, não é a praia dele, mas está lá, comigo. No doutorado não tenho muito tempo para ele e o João, mas eles me apoiam, me ajudam. Há muito amor entre nós, minha família é abençoada”.
Doutorado
Nilson é formado em Artes e Pedagogia, é mestre em Educação, “Minha pesquisa foi sobre Educação e a Religião, tendo a Umbanda por base”.
Do mestrado veio a publicação de artigos em alguns livros e o seu livro, Transversalidades Corporais e Constelações de Aprendizagem: processos educativos no Terreiro de Iemanjá.
Atualmente faz doutorado, “Minha pesquisa é sobre tecnologia na educação por causa da pandemia, está ligado a um projeto que desenvolvi em 2017 com os alunos onde trabalhei arte por meio dos grupos de WhatsApp, que foi a forma de trabalho nas escolas na pandemia”.
Trouxe uma lembrança para a jornalista, “Nesse projeto você participou indo falar sobre comunicação, tecnologia e o jornal”.
Sua pesquisa já chegou em Portugal, “Na minha pesquisa falo do processo cognitivo da criança na pandemia e pós pandemia, da perspectiva do professor. Estimulado pela minha orientadora, professora Jamile, levamos a pesquisa para apresentar em Portugal”.
Portugal
“Apresentar em Portugal foi muito prazeroso, fui muito bem acolhido e foi muito bacana, andando nas ruas de Lisboa, fui lembrando tudo que li na biblioteca sobre a história do Brasil, os poemas de Fernando Pessoa”.
A Umbanda
A Umbanda estava presente na infância do professor Nilson, “Desde pequeno, mesmo não sabendo o nome, eu já gostava da Umbanda”.
O gosto veio pelos avós, “Meus avós paternos eram benzedores, eles falavam muito da Umbanda, não havia a vivência, me apaixonei.
Nas minhas viagens para Curitiba fui conhecendo os terreiros, tendo a certeza de que esse era o meu caminho.
Na Umbanda, é onde me encontro, consigo fazer a minha sintonia com Deus. Me ajudou a me equilibrar no mundo, a me compreender e ao mundo e as pessoas”.
Terreiro de Umbanda Mãe Oxum e Pai Oxidai
“Eu senti que precisava fazer algo para a Umbanda, criei o Terreiro de Umbanda, Mãe Oxum e Pai Oxidai e faço um trabalho que não é comum, o desenvolvimento infantil. Com o acompanhamento dos pais, que também são de umbanda, esse trabalho tem ajudado muita criança que tem problemas de saúde”.
Psicanálise
Nilson foi estudar neurociência, hipnose e psicanálise, entre risos disse, “Eu só não fiz faculdade de Psicologia porque a pobreza não me deixou”.
Faz atendimentos terapêuticos na Clínica Renove, junto com a irmã, Lauriane Oliveira Almeida, que atua na área da estética, “Me preparei para esse trabalho. Fiz 4 anos de psicanálise para compreender melhor o que acontece com as pessoas que chegam aqui com seus traumas, dores da alma, stress, neuroses.
Os meus conhecimentos da psicanálise, da hipnose e da umbanda me dão a base para identificar quando é um problema que precisa ser encaminhado para um neurologista, quando é espiritual ou traumas da vivencia de hoje.
Preconceito
Perguntei ao professor Nilson se, sendo ele de raízes afro descentes, homossexual e umbandista, tinha enfrentado muitos preconceitos.
“Eu e minha família vivemos tranquilo, nunca sofremos preconceitos nem fora ou dentro de Pinhão.
Penso que pela postura que escolhi ter, pela forma que me dediquei à minha profissão, nunca sofri nenhum tipo de preconceito, em nenhum lugar no Pinhão vivenciei o preconceito seja pela minha sexualidade, cor, por ser umbandista.
Pinhão abre as portas para a gente se você quer trabalhar, aqui você pode ser o que quiser, é só se dedicar.
Quando me declarei Pai de Santo, montei o Terreiro, senti que as pessoas tinham uma curiosidade, não preconceito, até porque não se afastaram de mim.
Valeu a pena?
Eu acredito muito em mim, Deus me colocou aqui para ser feliz e me permitiu escolher os meus caminhos, Ele quer que sejamos bons e felizes.
Quando olho no espelho, hoje, vejo que conquistei tudo que quis conquistar.
Eu me sinto orgulhoso, venci as minhas limitações, sai de pintura de pano de prato para um doutorado. Sai da aula sozinho lá do galinheiro para uma apresentação de pesquisa numa universidade em Portugal.
O centro da minha vida hoje é minha família, meu doutorado e a umbanda.
Pinhão
Pedi ao Nilson que descrevesse o Pinhão da sua infância, e com sua autenticidade característica, falou, “Pinhão era uma cidade pequena, nos jogos de futebol por toda parte as pessoas andavam armados, isso era normal.
O Zattar tinha jagunços, eles traziam em cima das picapes pessoas que foram mortas lá no meio do mato e deixavam num galpão até fazerem o caixão. A gente ia numa bodega comprar um pedaço de carne e via briga. Pinhão era violento, parecia que não ia sair daquele estado de faroeste”.
Pinhão cresceu
“O município foi crescendo em todos os aspectos. O centro da cidade e o comércio se modernizaram, veio o asfalto.
Na educação vi as escolas do interior se nuclearizar, a educação de forma geral foi evoluindo, fez a diferença no desenvolvimento da cidade.
Pinhão é rural, a força do trabalho vem do campo, mesmo na cidade, nos bairros as pessoas criam galinha, cresceu, não perdeu seu aspecto rural, acolhedor de sentar e tomar chimarrão.
Conheci várias cidades, minha escolha é sempre por Pinhão!
Desejo que Pinhão
Cresça, se modernize mais, sem deixar de ser essa terra boa de viver. Continue sendo esse lugar que dá espaço para todo mundo, independente se ele é preto, indígena, homossexual, deficiente, gordo. Falo isso porque eu tive esse espaço.
Está na terra, na natureza do município acolher, dar espaço para o outro, basta o outro querer, que seja do bem, queira trabalhar, viver, tive esse espaço de crescer como pessoa, só não ganha espaço em Pinhão quem não quer.
Pinhão, não perca a sua essência de acolhedor e hospitaleiro!