por Dartagnan da Silva Zanela (*)

Uma postura comumente adotada por nós, quando deitamos nossas vistas nas linhas tortas da História, é a de primeiramente julgarmos como boas e más, justas e injustas, todas as personagens que integram os mais variados cenários que vão se desenhando através das sinuosas linhas do tempo.

Ora, quem nunca fez isso que atire a primeira pedra sem dó.

Por essa razão, e por inúmeras outras, que o historiador Marc Bloch nos ensina que não deveríamos nos portar como juízes das gerações passadas, porque não o somos. Na verdade, somos seus aprendizes ou, ao menos, deveríamos nos portar assim.

Nós estudamos História para aprender com a experiência vivida e sofrida pelos outros, não para nos sentirmos superiores às gerações que nos antecederam.

Em resumida contas, ele nos convida a termos uma postura compreensiva frente ao que foi vivido pelos nossos semelhantes, que nos antecederam aqui, neste vale de lágrimas.

Procuro não me esquecer desse conselho do grande mestre da “Escola dos Annales” porque, vez por outra, seja numa roda de conversa entre amigos, ou em qualquer outro ambiente, eis que aparecem questões como essa: quem, afinal, foi o melhor presidente do Brasil? Quem? Quem? Melhor não responder.

Perguntas desse naipe, além de maliciosas, são tremendamente mal formuladas. E por ser dessa natureza melindrosa, elas nunca conseguem colher de nossa alma uma resposta minimamente fundamentada; apenas um punhado de platitudes, e olhe lá.

Em se falando nisso, só para ilustrar a que estou procurando chamar a atenção, lembrei-me de algo que, creio eu, pode ser bem ilustrativo. Nos anos 80, Deng Xiaoping, estando em visita à França, foi indagado por um jornalista, em uma coletiva de imprensa, a respeito da importância da Revolução Francesa e esse, de forma lacônica e sábia, respondeu: “A Revolução Francesa ocorreu a 200 anos, não é mesmo? Então, acho que é meio prematuro querermos avaliar a sua importância histórica”.

A resposta do líder chinês apresenta-nos um ponto que, infelizmente, é frequentemente desdenhado por nós quando paramos para refletir sobre os feitos e malfeitos que testemunhamos nas últimas décadas em nosso país. Para a tristeza geral da nação, a afobação que toma conta de nós, quando estamos diante dos acontecimentos que nos são noticiados de forma escandalosa e desproporcional, devido ao calor do momento, acabam obliterando o nosso horizonte de compreensão e estreitando e nossa capacidade de compreensão.

A presença das mídias eletrônicas acabaram por nos levar a desdenhar da importância do distanciamento temporal que, diga-se de passagem, é imprescindível para avaliarmos a relevância histórica de todo e qualquer acontecimento.

Gostemos ou não, apenas com ele, o dito-cujo do distanciamento, poderemos nos tornar aptos para interpretar os fatos e avaliar as suas consequências.

Somente o distanciamento, proporcionado pelo passar do tempo, pode acalmar os ânimos e, principalmente, permitir que tenhamos acesso a informações, a fontes e a estudos bem elaborados que, no curto prazo, não há a menor possibilidade de termos contato.

Desta forma conseguiremos, se assim desejarmos, ter uma visão mais clara, através de uma perspectiva que o momento imediato dificilmente nos permitiria ter.

Aliás, lembremos que a sabedoria, como nos ensina Santo Tomás de Aquino, é filha do tempo, não da pressa.

Por essa razão, perguntar quais foram os melhores presidentes da nossa história é algo, no mínimo, contraproducente. Não apenas pelas razões apontadas acima, mas, principalmente, porque as respostas possíveis para essa indagação irão falar muito mais a respeito dos valores e predileções do autor das respostas do que sobre a real importância histórica das realizações das lideranças enaltecidas ou depreciadas.

Creio que seria muito mais interessante perguntarmos, para nós mesmos, que lições poderíamos aprender com os erros, acertos e perrengues que foram vividos pelos ex-presidentes dessa triste nação. Poderíamos perguntar, por exemplo, quais eram as dúvidas e anseios que fervilhavam em seus corações diante das difíceis decisões que cada um deles teve de tomar na conquista e no exercício do poder? Quais eram as grandes discussões que agitavam a sua época? Quais eram os grandes desafios que se apresentavam no seu tempo? Quais?

Vejam só, há boleiras e mais boleiras de perguntas que poderíamos fazer, mas não fazemos, porque para respondê-la teríamos que estudar, teríamos que admitir que não temos a menor ideia de qual seria a resposta para essas e inúmeras outras perguntas e, por conta disso, teríamos de sentar, sossegar o facho e estudar; o que, aliás, é bem diferente do que fazer uma presunçosa listinha dos melhores e dos piores presidentes do nosso país e exibi-la garbosamente nas redes sociais, ou nas páginas de um jornal, não é mesmo?

Enfim, ao levantarmos essas questões, com toda certeza, não estaremos nos colocando na posição soberba de um juiz do passado, mas, com humildade, estaremos nos prostrando diante de Clio, a musa da História, e de forma despretensiosa e abnegada, teremos a oportunidade de dilatarmos o nosso horizonte de compreensão a respeito dos rumos [fora de prumo] da nossa história e, de quebra, obteremos uma visão mais sóbria sobre os caminhos que poderão ser trilhados por nós em nossa breve passagem por esse vale de lágrimas.

(*) professor, escrevinhador e bebedor de café. Mestre em Ciências Sociais Aplicadas. Autor de “A Bacia de Pilatos”, entre outros livros.


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