Não tem jeito, é amor.
Acredito sinceramente que os amores nascidos nos tempos de escola são os mais sofridos.
Você pode dizer pra mim que, afinal, quando nasce assim, no começo da vida, é puro e lindo, caminha feliz pela estrada afora.
Tem certeza?
Quando o amor nasce assim tão cedo, todo mundo se sente no direito de opinar sobre a vida amorosa das criaturinhas.
E, se os apaixonados em questão tiverem coragem de sair contando aos quatro ventos o seu amor, a primeira coisa que escutam em casa é:
“Se tirar nota ruim na escola, esse namoro acaba.”
Como assim?
O que tem a ver nota ruim com o namoro das criaturinhas?
Para os, pais tem tudo a ver, por isso, essa condição, que os envolvidos consideram absurda.
Essa é só a primeira das muitas barreiras que enfrentam.
Têm os amigos que colocam gosto ruim, as tias que falam até da orelha do pobre rapaz e os hormônios.
De quem?
Dos dois.
As criaturinhas estão em fase de mutação, cada dia é um hormônio diferente que está dominando o pedaço, por isso, a cada dia eles estão de um jeito.
Por isso, é natural em um dia, na hora do intervalo, estejam em um cantinho no maior amasso do mundo e no outro no meio do pátio aos berros, brigando feito cão e gato.
Também, por conta das inúmeras mutações que estão passando, de vez em quando, um resolve terminar.
Termina, faz aquele escândalo, desfia um rosário com mil e um motivos por que devem separar-se.
Cada um vai para um lado, chorando como se não houvesse amanhã, até que descobrem, em menos de uma semana, que foi um erro, que, na verdade, o amor é verdadeiro.
Decidem voltar.
Voltar não, acho mais bonito dizer que decidem continuar.
E continuam até a próxima crise de ciúme, pico do hormônio da intolerância, influência de alguém ou até que alguma amiga torna-se mais próxima com a ideia de tomar o moço da mocinha.
É, também tem dessas.
E, assim, o amor que nasce nos primeiros anos de vida vai sofrendo ataques de todos os lados enquanto cresce e se solidifica.
Com o deles, não foi diferente.
Suas mães eram amigas de adolescência que nunca se desgrudaram.
Têm fotografias das duas barrigudas, dos dois dividindo o mesmo berço, um no primeiro aniversário do outro, brincando, brigando…
Sempre estudaram na mesma escola, frequentaram o mesmo clube, a mesma igreja.
Quando perguntavam para Ela:
“E Ele, menina?”
Ela respondia sem nem precisar pensar:
“Ele é o meu irmão mais chato.”
Quando a mesma pergunta era feita para Ele:
“Ela é minha irmãzinha.”
Não passou muito tempo, afinal, o amor começou na adolescência, Ela descobriu que Ele não era tão chato assim e Ele descobriu que na verdade sua amiguinha desde sempre não tinha nada de irmãzinha.
Começaram a namorar e foi aquele escarcéu.
Faz ideia né?
Tudo isso que eu falei aí em cima aconteceu potencializado, tendo em vista a amizade “desde sempre” das famílias envolvidas.
Mas eles foram firmes e valentes e chegaram juntos, de mãos dadas à fase adulta.
Nessa época, todos aqueles obstáculos haviam desaparecido.
Não tinha mais escola, nem amigos, nem opinião desse ou daquele. Agora, eram os dois e a vida que começariam a construir de fato.
Os desafios eram outros, bastante diferentes. Muito mais complexos.
Terminada a faculdade, carreira encaminhada, apartamento financiado, resolvem ficar noivos.
E fizeram “aquela” festa de noivado: tudo um verdadeiro sonho, um encanto.
No dia em que trocaram as alianças, anunciaram a data do casamento: será exatamente daqui a um ano.
Os preparativos começaram acelerados e os dois pareciam viver um mundo de sonhos e encantos: eram tantos detalhes a serem escolhidos, tantas decisões…
Depois de dias e dias de pesquisas, eles começaram a fechar os contratos e a cada um fechado e quitado, era uma pequena comemoração.
Queriam juntos curtir cada etapa desse processo, e assim o fizeram.
Até que um dia Ele a convida para um jantar, assim do nada.
Não há data especial, nenhum motivo aparente para comemorações. Mas Ela, que ama surpresas, se arruma como se para uma festa fosse e foi toda serelepe.
Ele chegou à sua casa no horário combinado.
Elegantemente vestido, estava muito sério e compenetrado.
Ela estranha, mas vê tudo aquilo como parte da “surpresa” que está prestes a receber.
Ele a leva a um restaurante que acaba de ser inaugurado, lugar chique, caro.
Durante todo o jantar, Ele está particularmente sério, com o semblante preocupado.
Parece que tem algo importante a dizer e realmente tem.
Lá pelas tantas, sem qualquer rodeio, Ele dispara:
“Amor, recebi a proposta de passar um ano na sede da empresa. Tenho um mês para me apresentar lá.”
– Você já aceitou?
“Ainda não, vim conversar com você antes.”
E durante as próximas duas horas Ele fala o quanto será maravilhoso para sua carreira passar um ano em Dubai.
As experiências que poderá viver, o enriquecimento do seu currículo, os contatos que fará e mil e uma vantagens para sua vida profissional.
Ao falar cada uma dessas coisas, seus olhos brilham e o sorriso que havia sumido no começo da noite aparece como por milagre.
Foi quando Ela, que permanecera em absoluto silêncio todo esse tempo, sentindo apenas seu estomago embrulhar e suas mãos suarem, resolve chamar sua atenção para um pequeno detalhe:
– Você lembra que temos uma cerimônia de casamento marcada para daqui a seis meses? E que, nessa cerimônia, você é o noivo?
Ele se ajeita na cadeira, arruma o colarinho, limpa a garganta de uma sujeira que não existe:
“Queria te propor para adiarmos nosso casamento por sete meses.”
Ela fica pálida.
Nunca pensou que, depois de todos aqueles anos, Ele fosse fazer a proposta para que Ela esperasse. Desde o começo daquela conversa, estivera esperando o convite para que fosse junto, para que o casamento fosse antecipado. E agora, além de querer deixá-la, Ele quer adiar o casamento?
Como assim?
São mais de 12 anos de namoro, não há mais como adiar.
A conversa toma um rumo meio tenebroso quando Ela se dá conta que a decisão já fora tomada, que Ele só viera comunicar -lhe.
Ela, que entrara tão feliz naquele restaurante, sai arrasada como se o mundo tivesse se mudado para as suas costas, como se o chão tivesse desaparecido de debaixo dos seus pés.
Vai para casa e passa o restante da noite chorando, sem saber o que de fato será.
É quando, lá pelas tantas, Ela se lembra que não é mais aquela menina que resolve as coisas no grito.
Cai a ficha, e tem hora que as fichas todas desaparecem e é preciso um tempo e algumas lágrimas para que elas voltem a cair, e Ela começa a analisar o lado prático das coisas:
Para quem já namorou 12 anos, o que são mais sete meses?
Dormiu pensando que não largaria o amor de uma vida inteira por conta de sete meses.
Acordou com a campainha.
Ao abrir a porta, encontrou um porteiro sorridente com um lindo buquê de rosas vermelhas na mão.
Entre as flores um bilhete:
“Minha flor, não importa onde eu esteja, cada um dos meus dias serão vividos para voltar aos seus braços. Por favor, espere por mim só mais sete meses para vivermos juntos por toda a eternidade.
Eu te amo mais que tudo.
Obs: Deixe comigo a negociação com todos os fornecedores contratados.”
Ela telefonou e, em poucos minutos, Ele estava em sua casa.
Tudo foi acertado e o casamento foi oficialmente adiado para sete meses após o combinado.
Começou a correria para arrumarem a mudança dele.
Juntos arrumaram todos os detalhes, todos.
Sozinho, Ele negociou com cada um dos fornecedores já contratados.
Conseguiu acertar com todos eles a data para sete meses mais tarde.
O mês para arrumação passou voando e, quando se deram conta, já era hora de partir.
Ao contrário do que fizeram no começo do namoro e no noivado, não contaram pra ninguém.
Ele se despediu apenas da família, de alguns amigos e partiu.
E Ela.
Bem, Ela ficou vivendo como se tudo estivesse dentro da maior normalidade do mundo.
Assim, sua carinha, sua rotina, tudo normal, mas o coração, a cabeça, os pensamentos não viviam mais ali.
As notícias correm como se vivessem sobre lebres.
Rapidamente, alguém contou para alguém que contou para outro alguém e todo mundo ficou sabendo que após 12 anos de namoro, faltando 5 meses para o casamento, Ele fora passar 12 meses em Dubai, e que Ela concordara em esperar por sua volta.
Lembra aquelas pessoas que davam opinião lá atrás, quando tudo começou?
Então, aquelas pessoas ressurgiram.
E a pergunta que Ela mais escutava era:
*E por que você não foi junto com Ele?
E Ela ouvia tantas outras coisas que nem vale a pena contar aqui. Tanta chateação, perturbação, tanta gente falando isso e mais aquilo como se Ela adolescente ainda fosse.
É que as pessoas definitivamente não têm desconfiômetro e sempre acham que é mais legal cuidar da vida que não é delas.
Mas Ela, apesar de todo o bombardeio declarado e também velado que recebia, estava feliz.
O tempo, que não corre nem se atrasa, passava na cadência de sempre: levando as chateações, trazendo as saudades.
E Eles, que viviam o tempo contando os minutos para se encontrarem outra vez, iam alimentando o amor que tinham um pelo outro de todas as maneiras que podiam:
Trocavam mensagens durante todo o dia, se falavam todas as noites e faziam surpresas fofas todas as semanas…
E, a cada vez em que se despediam, confirmavam o amor que sentiam um pelo outro.
Ela repetia para Ele:
“Meu coração confirma ao seu que o meu amor por você é puro e verdadeiro e, por isso, te espero todos os dias.”
E Ele repetia para Ela:
“Meu coração confirma ao seu que o meu amor por você é puro e verdadeiro e, por isso, estou voltando para nunca mais nos separarmos.”
E, assim, foram eles, dia a dia alimentando e confirmando o amor que sentiam um pelo outro.
Assim, os dias transformaram-se em semanas, meses, e mês foi se juntando a outro mês até formar uma dúzia inteira.
No dia marcado para Ele chegar, Ela acordou cedo, mas tão cedo, que a rua lá embaixo, sempre tão movimentada e barulhenta, demorou foi muito para dar sinal de vida.
O coração não encontrava lugar dentro do peito, pulava parecendo que, na verdade, era uma pipoqueira lotada de milho bom.
Ela havia comprado um vestido azul da cor do céu que ia até o pé. Longo, sem manga, fininho e esvoaçante, torneava as curvas de seu corpo e a deixava ainda mais bela.
Cabelos soltos nos ombros, maquiagem suave e envolta em um perfume que era um velho conhecido.
Na hora marcada, lá estava Ela, em frente ao portão de desembarque.
Quando viu que o avião que o trazia já estava no pátio, o coração que já estava pulando loucamente, inventou um novo ritmo para pinotear.
As pessoas foram saindo e saindo e nada dele.
Para Ela, toda aquela multidão que vinha em meio a sorrisos e malas não tinha a menor importância, enquanto Ele não aparecesse, todos aqueles eram como se não existissem.
Ela abaixou a cabeça para ver se havia alguma mensagem no celular e, quando levantou, Ele já estava quase podendo tocá-la.
Por um instante, parece que a cena congelou, que ali não havia mais ninguém, só Ela e Ele.
Como estava lindo aquele moço!
Ele foi se aproximando e, quando estavam a distância de um abraço, não se tocaram, apenas se olharam.
Ficaram assim, olhando-se e sorrindo por um longo tempo até que se lançaram nos braços um do outro.
Quando conseguiram se soltar, trocar algumas palavras e controlar o riso e as lágrimas, saíramdali para acertar os últimos detalhes do casamento.
Os dias passaram voando e, exatamente uma semana depois de que Ele voltara, sete meses depois do que fora inicialmente combinado, 13 anos depois do início do namoro, toda aquela gente que, uma vez ou duas, colocou gosto ruim no namoro de adolescente, que colocou gosto ruim no noivado a distância presenciou o mais lindo dos casamentos que alguém poderia ter: o início do felizes para sempre de quem confirmou ao próprio coração e para o coração do outro todo o amor que fazia o próprio coração bater.
Vivi Antunes é ajuntadora de letrinhas e assim o faz às segundas, quartas e sextas no www.viviantunes.com.br