Por Bruno Zampier

Muito se fala a respeito da leniência da legislação penal brasileira. É assunto que gera “polêmica” pois grande parcela dos juristas brasileiros – principalmente aqueles formados em universidades federais – possui um imaginário completamente deturpado pela ideologia progressista que domina as ciências sociais e humanas no nosso meio acadêmico. Partindo do princípio rousseauniano de que o homem nasce bom e é a sociedade [capitalista] que o corrompe, passando pelas teorias conspiratórias de Karl Marx, segundo o qual, a religião, a família e a burguesia formam uma tríade maligna organizada para oprimir e explorar a maior parte da população, tem-se uma opinião praticamente hegemônica de que existe um “encarceramento em massa” no Brasil e de que a lei já é severa o suficiente.

Tratam-se de idéias completamente estapafúrdias e dissonantes da realidade, mas que aceitas com passividade e temor reverencial, parecem verdadeiras para aqueles que jamais se dão o trabalho de fazer uma análise de legislação comparada ou se debruçar seriamente sobre dados estatísticos. Mas, como dito, esta é uma questão polêmica que tem gerado muitos debates e é bem conhecida do público em geral. Subjacente a ela, no entanto, e praticamente nunca debatida, é a questão daquelas regras previstas em nosso ordenamento que não apenas pecam por uma leniência, mas pelo seu completo descalabro. Vou citar algumas:

1 – Crimes militares não são hediondos: talvez o leitor nem saiba, mas além do nosso Código Penal comum, também temos um Código Penal Militar. O primeiro, aplica-se aos civis, o segundo aos militares (policiais militares ou membros das Forças Armadas). Assim como no Código comum, o militar também criminaliza o homicídio, o estupro, a lesão corporal e assim por diante, além de crimes específicos que só podem ser praticados por militares, como a deserção. Até aqui tudo bem.

O problema é que ao definir a lista de crimes hediondos na Lei 8.072/1990, o legislador citou apenas os crimes do Código Penal comum, sem mencionar aqueles do Código Penal Militar. O resultado é que o mesmo crime – por exemplo um homicídio ou um estupro – terá tratamento diferente se o autor for um civil ou se for um militar. E no caso, o militar terá um tratamento mais brando: o crime dele é considerado “comum” para fins de progressão de regime e livramento condicional, por exemplo, com regras mais leves. É como se o homicídio praticado por um militar fosse menos grave do que aquele praticado por civil.

2 – Estupro no Código Penal Militar: falando em estupro, é absurdo também o fato de que a pena para referido crime no Código Penal comum é de reclusão de 6 a 10 anos, enquanto que no Código Penal Militar a pena é de reclusão de 3 a 8 anos (sem esquecer que o estupro militar não é classificado como hediondo!). É como se o estupro praticado por militar não fosse tão grave quanto aquele praticado por civil! Curioso que o movimento feminista, muito preocupado ultimamente em fornecer “absorvente grátis” para presidiárias, jamais tenha se atentado com esse disparate na pena do estupro.

3 – Tortura por omissão tem pena mais leve: de acordo com uma regra geral do nosso Código Penal, aquela pessoa que tendo por dever legal impedir a prática de um crime, omitir-se e permitir que o crime seja executado (mesmo sabendo da sua prática), responderá pelo mesmo crime praticado pelo criminoso. Por exemplo: a mãe tem o dever legal de proteger sua filha. Caso ela saiba que sua filha é estuprada e não fizer nada (não tentar impedir o crime, nem tentar chamar ajuda) ela poderá responder pelo estupro, junto com o estuprador.

Pois bem, esta é a regra geral, aplicando-se o mesmo raciocínio para qualquer outro crime. Exceto na tortura: de acordo com a Lei 9.455/1997 que define o referido crime, aquela pessoa que tem o dever legal de evitar o crime ou de apura-lo, caso se omita, responderá com uma pena mais branda do que aquela aplicada ao torturador. No caso, a pena do torturador será de 2 a 8 anos de reclusão, enquanto que a daquele que se omitiu será de apenas de detenção de 1 a quatro anos. Seria o caso, por exemplo, do delegado que se omite, quando sabe que seus subordinados estão torturando um suspeito. Aliás: a tortura é crime hediondo, portanto com tratamento mais severo, mas só para aquele que a praticou. Aquele que se omitiu responde pela tortura na forma omissiva, que é crime comum. É mole?

4 – Tortura e Terrorismo praticado junto com menor de idade não gera causa de aumento de pena no crime de Corrupção de Menores: o Estatuto da Criança e do Adolescente prevê em seu artigo 244-B, o delito de corrupção de menores com a seguinte redação: Corromper ou facilitar a corrupção de menor de 18 (dezoito) anos, com ele praticando infração penal ou induzindo-o a praticá-la. A pena é de 1 a 4 anos de reclusão.

Além disso, o parágrafo segundo deste artigo impõe um aumento da pena de 1/3, caso o crime praticado esteja incluído no artigo 1º da Lei de Crimes Hediondos. Assim, quem induzir um menor a praticar um estupro ou um homicídio qualificado por exemplo, responderá não só pelo delito praticado pelo menor, mas também pela corrupção de menor, com aumento da pena em 1/3. Acontece que a tortura e o terrorismo, por exemplo, não estão no artigo 1º da Lei de Crimes Hediondos, mas no artigo 2º. Erro do legislador que se esqueceu do “detalhe”. Logo, se eu induzir um menor de idade a torturar alguém ou praticar atentados terroristas, não sofrerei a incidência da causa de aumento de 1/3. Como se a tortura e o terrorismo não fossem tão graves quanto os demais crimes hediondos!

Estes são apenas quatro exemplos de absurdos da nossa legislação penal. Poderíamos citar muitos outros que, quem sabe, dariam assunto para um livro inteiro. Mas se convencer uma geração de juristas formados sob a cartilha de Karl Marx, Michel Foucault e Rousseau de que nossa legislação é leniente demais já tem se mostrado difícil – mesmo diante de dados estatísticos certeiros – imagine faze-los entender que ela também é simplesmente absurda ou incongruente em muitos dispositivos…

Até lá teremos que conviver com pautas identitárias forjadas para atender estratégias eleitorais. Nesta semana, a discussão foi sobre o veto presidencial para concessão de “absorventes grátis” para presidiárias e estudantes de baixa renda sem fonte de custeio prevista no projeto de lei. Tempos atrás a discussão foi sobre a situação de solidão e abandono imposta a travestis condenados por abuso sexual de crianças (Aliás um jornalista famoso foi condenado a pagar indenização por danos morais pela matéria).

Na semana que vem, se depender dos desejos do progressismo, de rousseaunianos e marxistas, quem sabe entre em pauta a discussão sobre “aborto pós nascimento” ou alguma outra filosofia manicomial. Enquanto isso, nossa legislação penal vai cultivando seus absurdos.

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