Era um prédio antigo, onde a maioria dos moradores eram proprietários.

Eles haviam comprado suas moradias ainda no século passado, quando os apartamentos funcionais haviam sido vendidos aos seus moradores.

Todos, na ocasião, arremataram seu teto e pagaram em longas e suaves prestações.

Àquela altura todos quitados, moradores tranquilos…

Quando Ela e o Marido se aposentaram, passaram ainda um tempo morando no apartamento cuidadosamente reformado e mobiliado.

Mas, depois que os filhos se formaram, casaram-se e foram embora de casa, cada um cuidando da própria vida, onde acharam mais conveniente, eles também resolveram se mudar.

Escolheram a dedo uma cidadezinha linda e afastada no estado de origem dos dois e para lá foram embora.

E o apartamento?

Bem, o apartamento que fora cuidado com o maior carinho por eles, enquanto lá estiveram, foi entregue aos cuidados da imobiliária de um amigo:

“Vamos deixar que ele o alugue para não termos dor de cabeça. Assim, no dia certo, o aluguel cai em nossa conta e, se tiver algum problema, ele que resolva com o inquilino.”

E, assim, com tudo planejado e resolvido, despacharam a mobília e todos os pertences pela transportadora, entraram no avião e foram os dois satisfeitos da vida de volta à terra de origem.

No dia seguinte à saída da mudança, os pintores da imobiliária chegaram ao apartamento e começaram os trabalhos.

Três dias depois, já estava tudo pronto.

Todo novinho, repaginado, como se nunca ninguém ali tivesse morado.

Quando terminaram a pintura e a limpeza do local, chegou o responsável pela parte de aluguéis da imobiliária e fotografou tudo.

Quartos, armários, banheiro, sala, cozinha, guarda-roupas, enfim, tudo foi fotografado em seus melhores ângulos.

Eles fecharam o apartamento, mas não sem antes colocar a placa na janela:

ALUGA-SE

Com o telefone da imobiliária.

Chegando ao escritório, as fotografias foram colocadas em site especializado em anunciar imóveis a serem alugados, um belo texto foi escrito e pronto.

Tudo que cabia à imobiliária foi feito.

Não demorou muito, a Moça telefonou.

Disse que tinha se encantado pelo apartamento que fora colocado no site aquela tarde.

Combinou de buscar as chaves para visitá-lo no dia seguinte.

E assim foi.

Quando a Moça entrou, foi encantamento à primeira vista.

Por via as dúvidas, ela saíra da imobiliária com dez chaves diferentes, tinha a intenção de visitar apartamentos próximos àquele.

Vai que tinha um melhor que aquele.

Não foi a nenhum outro.

Voltou à imobiliária em 20 minutos.

“A senhora já visitou os dez apartamentos?”

– Claro que não! Visitei só o por que me apaixonei pelas fotografias. Não quero ver mais nada, é ele. – disse sorrindo, cheia de certeza. – O que eu tenho que fazer para mudar o mais rápido possível?

O rapaz se espantou:

“Poucas mulheres são tão decididas.”

Ela sorriu:

– Pois você acaba de conhecer uma que é mais que decidida.

Ele passou rapidamente a lista de documentos e exigências necessárias para que o apartamento fosse alugado.

No fim daquela tarde, ela chegou com tudo pronto na imobiliária.

Disseram que, se tudo fosse aprovado, todos os documentos estivessem certos, eles levariam cinco dias para cumprir os trâmites internos e, depois desse tempo, eles entrariam em contato.

Nesse tempo, o rapaz da imobiliária aconselhou, ela poderia visitar o condomínio, saber os horários possíveis para chegada de mudança, quais eram as regras quanto ao lixo e outros detalhes de convivência.

Ela acatou a sugestão e foi até lá, colocando-se aparte de tudo.

Em cinco dias, a Moça estava com as chaves do imóvel em mão.

Poderia se mudar.

E assim o fez.

Chegou com sua mudança em uma manhã de segunda-feira de muito sol e calor.

Com o rapaz que a ajudava a mudar todas as vezes que precisara, subiu o elevador até 6º andar e lá ficou, enquanto ele e seus companheiros de trabalho levavam seus pertences para cima.

Em duas horas, tudo que ela tinha estava desordeiramente acomodado dentro daquele que seria seu ninho nos próximos três anos.

Os rapazes se foram e ela começou a trabalhar:

– Só durmo hoje quando estiver tudo organizado dentro dessa casa.

Guardou todas as suas roupas do jeitinho de que sempre gostou: absurdamente organizado.

Quando estava estendendo a cama, ouviu pela primeira vez a campainha tocar.

Estranhou.

Não dera seu endereço novo para ninguém.

Mesmo assim, pensando que era engano, foi atender.

Tentando adivinhar do que se tratava, viu através do olho mágico o que parecia ser uma senhora com alguma coisa na mão. Curiosa abriu rapidamente a porta para confirmar:

Era mesmo uma senhora com um pratinho e em cima dele a metade de um bolo de fubá.

Ela ficou parada olhando a senhoria meio que sem entender do que se tratava quando ouviu:

*Olá, eu sou sua vizinha do 304 e vim te dar as boas-vindas.

A Moça ficou alguns instantes sem reação, nunca tivera boas-vindas tão calorosas. Até que voltou:

– Que bondade a da senhora, muito obrigada. Não vou convidá-la para entrar porque aqui não há um lugar arrumado. Mas muito obrigada.

A Vizinha, muito solicita, foi logo respondendo, com um empurrãozinho de leve e um passo a frente:

*Não tem qualquer problema sua casa não estar arrumada, eu sei, dia de mudança é assim mesmo- falou e foi entrando pela casa – com quem você irá morar aqui? É casada ou solteira? Trabalha em quê?

A pobre Moça que não esperava ser invadida daquela maneira se assustou tanto que só conseguiu parar a vizinha “solícita” no meio do corredor que leva para os quartos.

Até hoje ela não sabe dizer como, mas, quando viu, já tinha pulado na frente da senhora e, antes que ela desse mais um passo, havia aberto os braços e pernas impedindo sua passagem:

– Aquele bolo a senhora trouxe foi para mim? Eu agradeço a gentileza, mas estou de dieta. Agora, por favor, tenho que continuar o meu trabalho.

Dizendo isso, ela segurou a senhorinha pelo braço e foi conduzindo até a porta de saída.

A mulher, com os olhos muito arregalados, ia falando sem parar pelo caminho:

*Você não vai querer do meu bolo mesmo? Com o que trabalha? E o seu marido?

A Moça que agora já era dona da situação:

– Muito obrigada pela visita, muito obrigada pelo bolo e pelas boas-vindas. Até logo.

Disse isso, colocou a senhora no meio do corredor e, de um salto, já estava com a porta trancada atrás de si.

Suspirou fundo e pensou:

– Caso eu receba mais boas-vindas assim, estou perdida.

Recomeçou os trabalhos.

Lá pelas tantas, quando já estava com a cozinha quase pronta, a campainha tocou novamente.

Ela pensou duas vezes antes de olhar através do olho mágico.

A primeira experiência não havia sido muito agradável e ela estava trabalhando em um ritmo tão bom para ser interrompida.

A curiosidade foi mais forte que ela.

Do outro lado da porta estavam duas meninas.

Suspirou fundo, abriu a porta:

“Oi, nossa avó quer saber por que você não aceitou o bolo que ela te trouxe.”

A Moça chegou a não acreditar no que acabara de ouvir:

– Oi?

E a outra menina repetiu:

“Nossa vó quer saber por que você não aceitou o bolo que ela te trouxe.”

A Moça ficou séria de repente:

– Eu não aceitei o bolo que a avó de vocês me trouxe porque estou de dieta e também porque ela invadiu a minha casa. Agora vocês me deem licença porque tenho muito o que fazer. Boa tarde e passar bem.

A essa altura, além de cansada e indignada, ela já estava com raiva.

Onde já se viu tamanha petulância.

O dia terminou sem outros atropelos e, quando a noite chegou, ela já conseguira arrumar tudo:

– Nada como ser minimalista, consigo arrumar tudo que tenho em um dia apenas.

Comeu qualquer coisa, tomou banho e foi dormir.

Antes de o sol nascer, ela saiu.

Correu, voltou, tomou banho e foi trabalhar.

Chegou no fim do dia, tomou banho e foi para o curso que fazia à noite.

Quando enfim voltou para casa, estava exausta.

Abriu a porta e já ia passando direto quando viu que, embaixo da porta, havia um bilhete:

“Vizinha nova, não sei se você já recebeu a visita da senhora do 304 com a desculpa de lhe dar as boas-vindas, levando um pedaço de bolo. Ela vai querer investigar sua vida para contar a todos embaixo do prédio e por onde passar. Além de contar, ela vai aumentar as informações que receber. Cuidado! Não caia nessa!”

Não havia assinatura.

A Moça ficou parada ali sem saber a quem agradecer.

O tempo passou e sua vida seguiu normalmente, com a rotina apertada de sempre.

Saindo cedo, chegando tarde, falando bom dia, boa tarde, boa noite para quem passasse por ela no condomínio.

No fim de semana, recebia osalguns amigos e sua vida era resumida nisso.

Um dia, o elevador em que ela descia parou no terceiro andar.

Entrou um rapaz lindo, alto, inteligente, parecia ouvir em seu fone de ouvido algo muito interessante, mesmo assim, acenou com a cabeça desejando bom dia.

De repente, Ele se vira para a Moça, tira o fone de ouvido e dispara:

# Você é a nova moradora do sexto andar?

Ela sorriu:

– Sim, sou eu.

Ele ainda sorrindo baixou o tom de voz:

# Você recebeu um bilhete embaixo da sua porta?

Imitando o tom de sussurro a Moça respondeu:

– Sim, eu recebi. Fiquei procurando a quem agradecer e não achei. Devo agradecer a você?

Ele riu gostoso:

# Não precisa se incomodar em agradecer, só desejo que você não passe pelos constrangimentos que passei.

Ela sorriu, voltou a voz para o volume habitual:

– Eu agradeço muito sua gentileza e preocupação, mas ela chegou antes de você. Aliás, ela chegou quase junto comigo. Eu tinha acabado de arrumar o primeiro cômodo da casa quando a campainha tocou.

# Sério mesmo? Que triste você ter que passar por esse constrangimento. Ela me atacou quando cheguei, depois, fiquei sabendo que é uma rotina dela fazer isso. Aí eu fico vigiando as pessoas que chegam para eu atacá-las antes dela. Uma pena que não consigo emtodas as vezes.

A essa altura, a Moça já ria alto e gostoso:

– Que bonito da sua parte fazer isso. Muita gentileza sua. Mas acho que a mim ela não mais incomoda. Ela invadiu mesmo minha casa, tive que segurar de leve seu bracinho já quase no banheiro e mostrar a saída com firmeza.

# Não, minha amiga, fique tranquila, ela volta. Está apenas estudando um novo jeito de te atacar, descobrir detalhes da sua vida.

Eles já estavam fora do prédio, mas, antes de continuar, ele olhou em volta:

# Ela está te estudando para saber como fará para descobrir detalhes da sua vida. Abordou-me dia desses perguntando se eu sei “quem é você”. Fique tranquila, ela ainda não desistiu de você.

Eles conversaram mais um tempo e a Moça, agora, sabendo que sua vizinha “querida” ainda não desistira dela, saiu pensando qual repelente usar.

Pensando admirada em como as pessoas preocupam-se mais com a vida dos outros do que com a única vida da qual precisam dar conta: a própria.

Enquanto pensava nisso, viu a vizinha apertando o passo em sua direção.

Rapidamente atravessou a rua, entrou em seu carro e deu tchauzinho, enquanto a via ficando para trás com uma carinha decepcionada…

– Óvizinhazinha desocupada, enquanto puder evitar nosso encontro, evitarei, quando não puder mais, a gente vê o que faz. Obrigada, vizinho caridoso. Sem saber me meti em um divertido vespeiro.

E, assim, começou mais um dia corrido e feliz.

Vivi Antunes é ajuntadora de letrinhas e assim o faz às segundas, quartas e sextas no www.viviantunes.com.br

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