Muita gente, entendida e diplomada, gosta de se apresentar como sendo um profundo conhecedor da alma humana, da sua alma e da alma alheia, mas, na real, na grande maioria dos casos essa gente, que se considera tão entendida, com suas plumas de presunção e paetês de vaidade, não sabe o que diz. Infelizmente não.

Na verdade, bem na verdade, os grandes conhecedores da alma humana, com suas nuanças e variáveis, com seus altos e baixos, são os jogadores de pôquer. Os jogadores de truco, cacheta e dominó também conhecem bem esse riscado.

Numa partida, de qualquer uma dessas tranqueiras, um bom jogador chega ao melhor e ao pior de si, indo da euforia até ao ódio puro e decantado. Pior! Esses caboclos são capazes de fazer isso como se nada estivesse acontecendo, com uma indiferença digna de uma deidade olimpiana.

Tais considerações rabiscadas pela minha pena não são, de modo algum, uma observação meramente colhida a esmo. Nada disso. Há nos apreciadores desses jogos uma certa sabedoria prática que, muitas das vezes, é desdenhada por aqueles que se sentem envaidecidos por poder ostentar um pedaço de papel pintado que, infelizmente, na maioria dos casos, não atesta muita coisa.

Um bom jogador de pôquer, cacheta ou truco (e não nos esqueçamos do dominó), sabe muito bem que todas as pessoas são fingidoras. Sim, umas são boas nesse tipo de lide, outras, nem tanto, mas todas, em alguma medida, acabam caminhando por esse riscado e, por essa razão, tais jogadores conhecem tão bem a alma humana, porque não ignoram nossa disposição nada original para a simulação.

Ao contrário das demais pessoas, eles prestam muita atenção nos outros, nos pequenos detalhes que são encenados por cada um de nós. Um franzir de testa aqui, um discreto sorriso de canto de boca acolá, uma pressão mais intensa dos lábios um contra o outro mais adiante, uma passada de mão nos cabelos logo depois, que acaba sendo seguida de um olhar evasivo, e assim por diante. Cada gesto, especialmente os mais discretos, dentro de um determinado contexto, nos contam muitas histórias, nos revelam minúcias que seus autores gostariam muito, mas muito mesmo, que ninguém percebesse. E, no frigir dos ovos, praticamente ninguém vê, excetuando, é claro, esses caboclos que sabem usar muito bem seus olhos que a terra um dia irá acolher.

Isso sem falar na percepção apurada que cada jogador tem que ter do que está acontecendo no jogo, do raciocínio rápido que cada um deles deve ter diante das probabilidades que vão sendo desenhadas na frente dos seus olhos dentro de uma lógica que escapa ao seu controle. Cenários esses que exigem, de cada um dos participantes, que eles tomem decisões que, sim, terão consequências no desenrolar da partida.

Aliás, tal instabilidade, tal precariedade é um retrato muito próximo da maneira como a vida se apresenta a todos nós, porém, com uma diferença: ao contrário dos jogadores, muitas das vezes nós ignoramos essa precariedade e, tolamente, imaginamos que podemos ter um controle pleno e total de tudo que se apresenta à nossa frente e em nosso em torno, da mesma forma que ignoramos que somos, muitas e muitas vezes, reles fingidores.

Esquecemos que vivemos em uma sociedade onde a dissimulação é mais bem quista que a verdade e isso, como todos nós sabemos, mas fazemos questão de ignorar, não é de hoje. Não mesmo.

Com tais observações não estou dizendo que todos nós deveríamos entregarmo-nos a tais jogos. Nada disso. O que digo é que nossa falta de humildade – de reconhecermos, com franqueza, de que matéria nossa alma realmente é feita – acaba por ser um tremendo problema, que nos leva a uma série infindável de auto enganos. Só isso, apenas isso; o que, penso eu, já é muita coisa.

Escrevinhado por Dartagnan da Silva Zanela

https://sites.google.com/view/zanela

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