Por Dartagnan da Silva Zanela

Tudo que está debaixo do sol é vaidade. Vanitas vanitatum et omnia vanitas. Logo, meu caro Watson, tudo pode e deve passar pelo crivo das pedradas e petardos da crítica. Sem dó. Sim, tudo pode ser enxovalhado pelas sandices furibundas ideológicas e ideologizantes daqueles que se ufanam de serem, como dizem, pessoinhas críticas.

Sim, não se aproveita muito disso, mas, independentemente de qualquer coisa, é um direito que lhes assiste. Então que usem a abusem dele como bem entenderem. Porém, também toda e qualquer coisa pode e deve passar pelo vagar duma abnegada e sincera apreciação movida pelo sincero desejo de compreender de modo realista a obra de alguém ou o estado em que se encontra um determinado setor ou estrado da sociedade.

Para tanto é indispensável um bom tanto de bom senso, maturidade. Neste caso, isto deve ser feito sem o menor medo de conhecer a verdade, porque ela, a verdade em seu esplendor, geralmente é similar a uma pedrada, fazendo os tontos presunçosos grunhirem escandalosamente para ver se alguém se apieda do estado demencial em que eles se encontram.

Já as almas maduras, dentro de suas limitações, procuram assimilar essas pedradas e petardos para, desse modo, ampliar o seu horizonte de compreensão. Aliás, ampliar o nosso horizonte de compreensão é, por definição, educar-se. Em regra, os grandes críticos desta e de qualquer sociedade, seriam aqueles que são identificados pela alcunha de intelectuais.

Entre outras coisas, a crítica é uma, não a única, das atividades desempenhadas por eles que, por sua deixa, podem ser do primeiro ou do segundo tipo; e, infelizmente, o segundo é escasso pra caramba nessa terra de desterrados. Como dizia o Millôr Fernandes, intelectual, no Brasil, seriam todos aqueles que assinam um abaixo assinado de intelectuais.

Diante disso, cabe a pergunta: quem deveria desempenhar o papel de criticar, de analisar os ditos e desditos dos intelectuais? Quem? Ou seriam eles todos almas impolutas, incorruptíveis que pairam acima do bem e do mal, sentados em suas cátedras empavonadas e sinecuras burocráticas? Com o perdão da palavra, somente um tonto de marca maior seria capaz de crer que diplomas e um currículo Mandrake seriam uma espécie de símbolo demiúrgico de distinção moral.

Sobre isto, os intelectuais e suas peripécias, temos na história do pensamento ocidental, uma longa tradição de obras que apresentam profundas e sérias críticas aos tais intelectuais, tais como os clássicos “La traicion de los intelectuales” de Julien Benda e “O ópio dos intelectuais” de Raymond Aron. Temos também os livros “Radicais nas universidades” de Roger Kimball, “O Declínio da Cultura Ocidental” de Allan Bloom e o brasileiríssimo “A corrupção da inteligência – Intelectuais e poder no Brasil” de Flávio Gordon.

A leitura destes livros, lhes garanto, é imprescindível para entender que há muito mais coisas entre os céus e as terras do que pensam criticamente as nossas vãs academias. Cada uma dessas obras, em meu ver, merecem a nossa atenção. Como merecem! Mas, não é a respeito delas que pretendo parlar nesta breve missiva. Pretendo, dentro de minhas limitações caipirescas, rabiscas algumas palavras sobre o famigerado “O imbecil coletivo – atualidades inculturais brasileiras” de Olavo de Carvalho [“Ain! Do Olavo…”]. Escrevo essas linhas sobre o maldito livro do professor até a pouco inominável na imprensa brasileira pelas seguintes razões:

(i) porque o mesmo foi reeditado recentemente pela Editora Record;

(ii) foi o primeiro livro da sua autoria que li [isso lá nos idos de 2000] e;

(iii) porque a mensagem do mesmo, pode crer, continua sendo atualíssima. Dito isso, “vamo que vamo”. “O imbecil Coletivo” é apresentado pelo próprio Olavo de Carvalho como sendo o FEBEAPÁ dos intelectuais brasileiros. Uma grande sátira filosófica dos autointitulados bem pensantes. FEBEAPÁ? Isso mesmo, FEBEAPÁ. Stanislaw Ponte Preta (pseudônimo de Sérgio Porto), publicou na década de 60 do século passado o seu mordaz “FEBEAPÁ – O Festival de Besteira que Assola o País”, onde o mesmo tecia uma divertidíssima e arrasadora crítica à política e aos costumes da sociedade brasileira. Stanislaw Ponte Preta havia feito algo similar, não igual, ao que Ramalho Ortigão e Eça de Queiroz fizeram, no século XIX, com a sociedade portuguesa através das suas cáusticas “Farpas”.

O trem era tão bom que o demolidor FEBEAPÁ, com o tempo, ganhou outros dois volumes arrasadores. Bem, e quanto ao Olavo de Carvalho? Pois é, divaguei. Voltemos então ao ponto do conto: o professor Olavo, na década de 90, publicou “O imbecil Coletivo”, um livro que reunia uma amostragem do besteirol dito e comungado pela intelectualidade brasileira. Besteirol esse que, com o passar dos anos aumentou, infelizmente.

Não apenas isso! Ele analisou com uma perspicácia sem par e, ao mesmo tempo, com um inigualável bom humor, a mentalidade coletivista e deslocada da realidade das eminências pardas da classe letrada. O núcleo duro dessa sua obra é a figura de linguagem que ele construiu para satirizar com o conceito de intelectual orgânico de matriz gramsciana para, desse modo, procurar descrever e analisar o estado da (in)cultura da, então, inatacável classe falante brasileira.

Observava ele que os intelectuais brasileiros haviam perdido a sua autonomia; que eles, dum modo geral passaram a pensar a partir dos ditames duma consciência coletiva com vistas a defender uma plataforma ideológica particular, abdicando, desse modo, ao exercício solitário de enxergar e refletir sobre a realidade a partir das luzes de sua consciência individual. Parêntese.

E lembre-se, sempre, que “somente a consciência individual do agente dá testemunho dos atos sem testemunha, e não há ato mais desprovido de testemunha externa do que o ato de aprender”. Fecha parêntese. Dum modo geral, ele constatou que a grande maioria dos intelectuais brasileiros tornaram-se subservientes a um grupo, a uma causa, a um partido, a uma ideologia que, juntos e misturados, tornaram-se hegemônicos, passando a degradar a cultura brasileira e, junto com ela, a capacidade de compreender a si mesmos e a realidade como um todo.

Conforme o próprio Olavo de Carvalho nos explica, o processo de imbecilização coletiva ocorre mais ou menos assim: “Primeiro, cada membro da coletividade compromete-se a nada perceber que não esteja também sendo percebido simultaneamente por todos os outros. Segundo, todos juram crer que o recorte minimizador assim obtido é o único verdadeiro mundo.

Terceiro, todos professam que o mínimo divisor comum mental que opera esse recorte é infinitamente mais inteligente do que qualquer indivíduo humano de dentro ou de fora do grupo […]. Assim, se um dos membros da coletividade é mordido por um cachorro, deve imediatamente telefonar para os demais e perguntar-lhes se foi de fato mordido por um cachorro. […] Para o imbecil coletivo, tudo o que não possa ser confirmado pelo testemunho unânime da intelligentzia simplesmente não existe”.

E reparem num detalhe curioso: todo aquele que se vê imerso num processo de imbecilização coletiva, em regra, sempre fala em nome de algo. Fala em nome do partido, da ideologia, das minorias e tutti quanti, como se ele integrasse um todo orgânico. Sempre falam enquanto um “nós”. Sempre pensam como se fosse um coletivo, nunca como um indivíduo.

Aí você entende a hipersensibilidade seletiva que afeta as pessoas tomadas por esse íncubo ideológico. Entende porque eles se dizem defensores dos negros, mulheres e homossexuais e, ao mesmo tempo, acabam enxovalhando de maneira mordas todos aqueles – negros, mulheres e homossexuais – que não comunguem do veneno gregário da sua capelinha ideológica do Butantã. Diante disso, peço licença para apontar dois casos contemporâneos e emblemáticos disso que fora apontado acima.

Os casos de Milo Yiannopoulos e de Thais Azevedo. O primeiro é um homossexual conservador que foi impedido de palestrar numa Universidade nos EUA por militantes esquerdistas. Bicho feio. Isso sem contar os ataques virtuais. A segunda é uma professora brasileira, antifeminista e pró-vida, que foi, também, violentamente impedida de dar uma palestra numa Universidade Brasileira, entre outros ataques sofridos por ela.

Em ambos os casos, no do Milo Yiannopoulos e no da Thais Azevedo, tínhamos duas pessoas que simplesmente ousavam [e ousam] não pensar de acordo com os cânones putrefazes da coletividade imbecilizante e que, por isso, foram atacadas de maneira brutal. Essas cenas da vida contemporânea, de certa maneira, nos lembram algumas cenas do filme “A onda” (2015) de Dennis Gansel.

Divaguei mais uma vez. Me perdoem. Bem, voltemos ao ponto e resumamos o entrevero: ninguém, na década de 90 nesse triste país, que estivesse diante dessa atmosfera cultural ideologicamente degenerada, onde não se ousava pensar com os próprios miolos, atentou dizer algo que destoa-se do tom da matilha ideológica. Pois é, ele, o Olavo, ousou e deu no que deu.

Enfim, se você conhece o nome do professor Olavo de Carvalho apenas por meio da fofocagem virtual e das insinuações da grande mídia que são disseminadas pelas quatro ventos digitais, com a ajuda das línguas bipartidas dos inteligentinhos de plantão, não tenha medo de Lê-lo. Comece por este livro e depois parta para as demais obras de sua lavra.

Leia-o nem que seja para simplesmente criticá-lo de maneira leviana. Mas, se possível, leia-o para aprender algo com ele. Aliás, recomendo isso na leitura de qualquer livro de qualquer autor, pois, se assim procedermos, estaremos nos distanciando de todo esse bafo de boca, leviano, com ares de suposta “consciência crítica”, e acabaremos por nos aproximar daquele caminho que, um dia, era chamado por alguns de filosofar. É isso.

Fim do causo. Hora do café.

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