Há um fenômeno que, a cada dia que passa, torna-se mais e mais corriqueiro. Este seria a supressão do aprendizado de inúmeras habilidades pelo aprendizado duma única: o manuseio das mídias eletrônicas com seus badulaques.
Não estou dizendo que tal aprendizado seja inútil e desnecessário. De modo algum.
O que afirmo é que o aprender e, consequentemente, o ser, está cada vez mais se restringindo ao uso desses aparelhos fascinantes, que nos encantam de modo similar aos espelhinhos e miçangas que foram, certa feita, ofertados aos nativos de Pindorama.
Sem nos darmos conta, estamos acumulando, com o fetiche desta habilidade, um punhado significativo de limitações, cujos efeitos danosos nós já podemos perceber entre nós e, por que não, em nós mesmos.
Os aparelhos celulares, com seus aplicativos mil, estão a substituir e, de certo modo, a suprimir a capacidade de muitíssimos indivíduos de realizar inúmeras atividades cognitivas, desde nos localizar no espaço, até a correção daquilo que escrevemos, passando pela nossa capacidade mnemônica sobre os fatos e assuntos mais variados e inclusive sobre nossas obrigações do dia a dia.
Se formos levar ao pé da letra, iremos reparar que as luminosas telas destes aparelhos estão nos desensinando a nos relacionar uns com os outros, minando nossa capacidade empática e bem como nossa disposição simpática, tamanha a dependência que muitos adquirem, tornando-se incapazes de olhar alguém nos olhos com um mínimo de deferência e compaixão.
Não são poucas as pessoas que, há muito, não olham os outros nos olhos com atenção e respeito.
Não é pequeno o número de indivíduos que apenas por acidente – ou necessidade maior e, por isso, muito contrariados – tiram suas vistas da telinha de encantos mil para cumprimentar devidamente uma pessoa.
Essas telas, com seus barangandãs, atendem prontamente todas as nossas “curiosidades” e “necessidades” com uma grande velocidade contrabalanceada, é claro, por uma desmedida superficialidade.
Tal mistura acaba, gostemos ou não, fomentando em nossa alma uma predisposição ansiolítica, que acaba por minar a capacidade dos indivíduos aprenderem em profundidade qualquer coisa, devido a este condicionamento que fomentar em nós uma queredeira de ter sua “curiosidade” sanada e suprida num instantâneo toque de dedos.
O quadro é triste e, a solução, por certo, não passa por uma via ludista, queimando todos os aparelhos eletrônicos numa grande fogueira.
Na verdade, a resolução desta quadratura sinistra passa, em princípio, pelo reconhecimento de que nós, em maior ou menor proporção, somos também vítimas desse processo de degradação cognitiva fruto deste fetiche tecnológico.
Somos uma sociedade composta por indivíduos que, em grande medida, não lê; uma sociedade composta por muitos indivíduos que não gostam de praticar essa arte e, ao mesmo tempo, enchem a boba pra falar a respeito da importância da dita cuja da leitura.
Somos uma sociedade que despreza o labor exigido pelos estudos e, ao mesmo tempo, ama os diplomas que apenas atestam que certos ritos burocráticos foram cumpridos pelo seu portador.
Mandando a real, como dizem os mancebos, para muitos, o que de fato importa não é o que se pode [e deve] aprender, mas sim, que ao final possa-se ter mais um “treco” para colocar em seu currículo, tendo em vista que, para muitos, basta a ilusão de ter tudo o que supostamente precisa saber na palma de sua mão sem necessariamente ter conhecido algo dalgum valor.
Dito isso, deixemos nosso celular de lado, por um momento que seja, e tomemos uma boa xícara de café.
Escrevinhado por Dartagnan da Silva Zanela, em 01 de abril de 2019. Natalício de Joseph de Maistre e de Roger Bastide. Falecimento do historiador Jacques Le Goff.