Nessa sexta-feira Santa, por volta das duas horas da tarde, reuni-me com minha esposa e com meus dois filhos para assistirmos, juntos, o filme “A Paixão”, de Mel Gibson.

Isso mesmo. É bem esse. Aquele filme que, em 2004, converteu tantas e tantas almas, que fez com que inúmeros filhos pródigos retornassem para a casa do Pai e que, de quebra, deixou inúmeras almas mundanas muitíssimo nervosas, pau da vida, com o que foi apresentado a todos.

Havia assistido a referida película naquele ano e, inclusive, escrevinhei e publiquei algo em minha falecida coluna no extinto jornal Diário de Guarapuava e hoje, após rever o mesmo com meus filhos e esposa, numa silente tarde duma sexta-feira santa, coberta com a túnica púrpura da nossa desfibrada indiferença, confesso que o mesmo ainda estremece meu ser. Como estremece.

E te digo mais! Se você até o presente momento não assistiu a esse épico do cinema do século XXI da Era de Nosso Senhor, assista o quanto antes.

Dito isso, voltemos ao ponto antes que eu me perca. Revendo essa obra de arte, me ocorreram algumas coisas que em 2004 não haviam me ocorrido e, por isso, pensei: devo compartilha-las, não devo compartilha-las, devo, não devo, devo, não devo, que se lasque; compartilhá-las-ei. Não todas, é claro. Apenas uma e outra porque a preguiça não me larga e esta não me deixa fazer isso.

Então, que siga o barco.

Algo que não havia me chamado tanto a atenção na primeira vez que vi essa obra cinematográfica é a força acachapante da presença da Virgem Santíssima. Do princípio ao fim lá estava ela, firme feito uma rocha. Com o coração transpassado por uma dor sem par, mas impávida e presente, constrangendo todas as almas sebosas.

Das inúmeras cenas, há duas que gostaria de destacar. A primeira é quando Nossa Senhora, com as toalhas brancas em mãos, que lhes foram entregues por Claudia, coloca-se de joelhos para limpar o sangue que inundou o chão do pátio após a flagelação a que foi submetido o Galileu. Ora, por que ela fez isso? Qual a razão de termos uma cena como essa no filme? Ora, o que foi derramado sob aquelas pedras não era qualquer fluído corporal; era o precioso sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo. O preciosíssimo sangue derramado por nós.

Silente, ela secou o chão e lavou-o com suas lágrimas. Silente, Santa Maria Madalena, entendeu o que Nossa Senhora estava fazendo e colocou-se, em prantos, a ajudá-la. Foi através do transpassado coração da Virgem Maria que ela compreendeu que o que estava acontecendo naquele momento era algo que ia muito além do que os olhos da carne são capazes de compreender.

Outra cena que, nessa tarde me chamou profundamente a atenção, e que na vez primeira não havia dado a devida importância, é quando Nosso Senhor começa a seguir rumo ao monte Calvário. Após Ele seguir para esse rumo, ladeado pela multidão alucinada, dum lado temos a figura do Demônio, com um olhar provocativo, debochado e cínico e, do outro, está a Mãe de Deus, com um olhar marejado, firme e penetrante.

Mas o príncipe desse mundo e a Rainha do céu e da terra não estavam olhando, nessa cena, para o Cristo. Não. Estavam se encarando como inimigos mortais. É. E de fato o são e para todo o sempre serão.

Parêntese: E em meio a multidão tínhamos juntos e misturados aqueles que seriam os filhos dela, que seguem o agonizante cortejo em prantos; e os filhos das trevas, que zombam e escarnecem do Filho de Deus. E nós estamos em meio a essa multidão e, entendamos ou não, admitamos ou não, nessa travessia não há meio termo, não há muro para ficarmos encima fazendo pose de gente limpinha, acima do bem e do mal. Fecha parêntese.

Outras cenas mais tocaram meu coração duma forma diferente e, ouso dizer, mais profundamente do que das outras vezes que vi essa obra prima, mas isso seria prosa não para uma escrevinhada; seria sim, ponto de pauta para uma boa assuntada – para um testemunho franco numa roda de conversa entre amigos.

Para encurtar o causo e não mais tomar o seu tempo, lembro apenas que essas duas cenas, juntamente com outras mais que compõem essa película, expressam tão só e simplesmente uma dolorosa verdade. Uma dolorosíssima verdade.  Do início da paixão, passando pela morte e sepultamento, chegando até a ressureição, apenas uma pessoa não deixou de acreditar, somente uma alma não perdeu a fé, a esperança e a caridade; essa era justamente aquela que estava com o seu coração todo estropiado pela dor, por estar vendo o Bendito fruto do seu ventre sendo imolado por criaturinhas ingratas e mesquinhas como nós.

Nossa Senhora, a Virgem Mãe Santíssima, disse sim a vontade de Deus desde a anunciação até o último ato do drama cósmico da nossa salvação. O sim de Maria, abriu as portas para que nossa alma pudesse ser alvejada pelo preciosíssimo sangue de Nosso Senhor; e esse sim foi profundamente doloroso e, mesmo assim, ele foi dito por ela para que Ele pudesse nos resgatar de nossa pecaminosa vilania.

Sim, é apenas um filme. Estou sabendo disso desde 2004. Mas é para isso que a arte existe. Não para exibicionismos tolos ou para o desfrute leviano, mas sim, para que possamos a partir dela – da arte – nos aproximarmos da Verdade e permitir que o Seu clarão alumie o nosso coração obscurecido pelas sombras de nossa pecaminosa condição; para que ela ajude a clarear e endireitar os rumos de nossa vida, arrancando-nos desse torpor em que nos encontramos mergulhados.

Por fim, digo e não me canso de repetir: é por intermédio do coração dolorido da Mãe de Deus que a salvação chegou até nós; foi seu coração agonizante que testemunhou, silente, a paixão de Nosso Senhor, seu amado filho, para que almas sebosas como eu e você tenhamos a oportunidade de garrarmos vergonha na cara e convertermo-nos, conformando nosso coração turvo às retas veredas do Santo Evangelho.

Acho que é isso. Então, uma Feliz e Santa Páscoa para todos.

Escrevinhado por Dartagnan da Silva Zanela, em 10 de abril de 2020, Sexta-feira Santa.

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