Por Bruno Zampier
Dizem por aí que as armas de fogo são perigosas e que uma sociedade desarmada seria mais segura. Concordo com a primeira parte, mas a segunda não passa de uma injustiça. Pois muito antes das armas de fogo, os homens já se agrediam e matavam uns aos outros com paus e pedras. Facas, lanças e flechas vieram na sequência. Os homens já tinham sangue nas mãos quando as armas de fogo surgiram e, embora elas só sirvam mesmo para ferir e matar, a verdade nua e crua é que, justamente por isso, nós dependemos delas para preservar a democracia e os direitos fundamentais. Pois quando os tiranos e seus lacaios lançam seus ataques, nem flores, nem pombas brancas, nem poemas tem utilidade. Vejamos.
A escravidão dos povos africanos só terminou quando os americanos do norte, armados até os dentes, enfrentaram e venceram os americanos do sul na Guerra da Secessão (1861-1865). As armas ajudaram a libertar os afro-descendentes do chicote e das correntes. Quando os nazistas ameaçavam tomar a Europa e o mundo, foram destituídos do poder pelos americanos e russos, mediante o uso de armas de fogo e muitas bombas. Foi assim que milhares de pessoas foram salvas dos campos de concentração. Na Itália, os fascistas liderados por Benito Mussolini também foram eliminados mediante o emprego de armas.
Em todas estas situações, as pessoas desarmadas foram meras espectadoras impotentes diante da injustiça e da barbárie. Isso quando não foram vítimas. Em 2001, meia dúzia de terroristas portando facas, conseguiram matar mais de quatro mil pessoas, arremessando aviões contra edifícios. Houvesse ali alguém com um humilde calibre 38 e a tragédia talvez fosse evitada.
Em Cuba, a população desarmada é explorada por um regime comunista ditatorial há mais de 60 anos. Na Venezuela, a população desarmada e faminta é reprimida pela polícia e pelo exército. Na Coréia do Norte, provavelmente o regime mais bizarro e violento da atualidade, a população desarmada não tem outra escolha a não ser reverenciar Kim Jon Un enquanto as crianças disputam comida no lixo. Os versos de “Imagine” não parecem comover o ditador coreano.
No Brasil atual, a população desarmada não enfrenta nada parecido com o regime cubano ou coreano, é verdade. Mas também é verdade que a classe política brasileira vive muito melhor que os governantes tirânicos da atualidade, sem enfrentar qualquer protesto mais sério, o que torna completamente desnecessário uma atuação mais repressiva. Os parlamentares brasileiros são os mais bem remunerados da América Latina: recebem R$33.763,00 por mês (brutos); verba de gabinete de R$ 97.116,13; cota parlamentar que gira em torno de R$ 37.043,53; auxílio-moradia de R$ 4.253,00.
Também tem direito a um plano de saúde com convênio nos hospitais Sírio-Libanês e Albert Einstein de São Paulo (os dois melhores do Brasil). Para tanto, pagam o singelo valor de R$ 322,00 por mês. Isso para não falar na segurança fortemente armada e nos veículos blindados que os tornam intocáveis. E por acaso o leitor é capaz de lembrar a última vez em que um político do alto escalão sofreu alguma violência, como um roubo ou um homicídio? À exceção do caso de Bolsonaro, que aliás desobedeceu os conselhos de seus seguranças, fato excepcionalíssimo, não me recordo de nenhuma outra situação.
A hipocrisia não é pouca: os mesmos políticos e artistas da grande mídia que tanto defenderam o desarmamento e a democracia, e que não saem de casa sem um forte esquema de segurança armada, impuseram a entrega das armas ao restante da população, virando as costas e fazendo-se de surdos ao resultado do Referendo que em 2005 questionou o povo sobre a manutenção do comércio de armas no Brasil. Naquela ocasião, apenas 36,06% da população optou pela proibição do comércio de armas, enquanto que 63,94% optou pela sua preservação.
Mesmo assim a lei mais restritiva do mundo em matéria de acesso às armas foi aprovada, o que mostra a noção de democracia da nossa classe política. Membros de uma aristocracia ultra-privilegiada, não precisam enfrentar a realidade brasileira. Pois no mundo das pessoas que acordam cedo para trabalhar todos os dias, pegam ônibus e enfrentam fila para receber auxílio-doença ou fazer uma consulta médica, criminosos fortemente armados fazem tocaia em qualquer esquina.
O Estatuto do Desarmamento nunca cumpriu sua promessa: estima-se que somente no Rio de Janeiro, 3.500 fuzis estejam nas mãos de criminosos. Isso para não falar nas pistolas automáticas, metralhadoras e granadas. Aliás, creio que se uma viagem no tempo fosse possível, e se reuníssemos todos os criminosos do Brasil com suas armas atuais, facilmente seria possível dizimar o exército nazista e fascista juntos. Eis a guerra que a população brasileira enfrenta, desarmada, todos os dias.
Resultado: após o Estatuto do Desarmamento, nos tornamos o país mais violento do mundo, com mais de 60 mil homicídios por ano. Recentemente também ascendemos ao topo do ranking mundial de estupros, roubos e corrupção.
Quando entregamos nossas armas, abdicamos do direito à legítima defesa, e com isso, da nossa paz e da nossa liberdade. Se déssemos ouvidos ao que diz a História, saberíamos que em um mundo cheio de pequenos e grandes tiranos, dispostos a escravizar, roubar e exterminar, abrir mão das armas é simplesmente loucura.