Meditações esparsas sobre a prática da oração na vida do homem moderno
Por Dartagnan da Silva Zanela
“O homem que confessa os seus pecados, os seus crimes ou os seus erros nunca é o mesmo que os cometeu”.(Henry Miller)
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Todos nos gloriamos de algo em nossa vida. Uns mais, outros menos, mas todos, sem exceção, cultivam no íntimo de sua alma algum tesouro. De que é feita a composição desse erário, varia-se. Como varia! E assim o é porque o que é considerado digno de glória pelo nosso mal inclinado coração humano é tão diverso quando os desejos que podem nos arrastar dum lado para outro da existência.
Naturalmente, não devemos julgar as intenções de nossos semelhantes. Não somos gabaritados para tal tarefa. E, de mais a mais, essas serão devidamente julgadas por Aquele que é e que sabe muito bem o que se passa no íntimo de cada um de nós. Inclusive e principalmente as nossas cogitações mais profundas. Entretanto, podemos e devemos avaliar e julgar duramente as intenções que se aninham em nossa alma, no mais profundo abismo do nosso ser para conhecermos apropriadamente a nós mesmos e, quem sabe, como Moises, sermos capaz de desatar as nossas sandálias, pois, em nosso íntimo, quando nos colocamos em estado de oração, seja ela contemplativa ou não, estamos a pisar em solo sagrado.
Seja qual for a oração, mental ou vocal, breve ou prolongada, ela sempre será guiada pela chama da intenção que habita os abismos profundos de nosso coração. Conhecendo ou não as labaredas que aquecem o nosso íntimo, são elas, e não outra coisa, que nos guiam como um farol em nossa caminhada por esse vale de lágrimas.
Não estamos afirmando que se nossas intenções íntimas forem levianas as palavras de nossas súplicas não chegarão ao Altíssimo. Tolice. Ele é Aquele que é. Ouve tudo, sabe tudo e pode tudo. Porém, se agimos desse modo, levianamente, nós é que não estamos nos apresentando a Ele da maneira devida e, consequentemente, não estaremos nos abrindo realmente à Sua luz, pois, sendo a intenção é frágil e leviana, invariavelmente acabamos por colocar um ídolo, ou um espantalho, entre nós e Deus, reduzindo a nossa oração a uma reles formalidade verbal ao mesmo tempo em que maculamos o chão sagrado de nossa alma com as empoeiradas sandálias de nossas palavras desarrazoadas.
Obviamente que nós não temos uma vontade violenta para conquistar o céu como a dos grandes santos. Estamos mui distantes disso. Somos pequeninos feito um verme, apesar de nossa soberba nos cegar para essa realidade, fazendo-nos imaginar que somos gigantes auto-suficientes. Por isso, toda vez que procuramos, sinceramente, nos colocar diante de Deus através de nossas orações, somos tão facilmente arrancados do caminho aberto por esse propósito pelos lapsos que se encontram em nosso interior e pelas distrações vindas do mundo exterior que habitam a nossa mente.
Ora, ora, não é fácil nos concentrar. Toda pessoa razoavelmente sincera sabe disso, apensar de muitas vezes não admitir. Não é nada fácil nos colocarmos no centro de nossa alma num mundo onde tudo, praticamente tudo, nos convida para a dispersão e, consequentemente, para a fragmentação de nossa vida em um amontoado de experiências desconexas e sem sentido.
Tais obstáculos não podem, de jeito nenhum, ser uma justificativa para abandonarmos a vida de oração. Pelo contrário. Deve ser o elemento motivador. Aliás, se formos procurar ponta aqui e ali para justificar a nossa desídia espiritual, o mundo moderno é um prato cheio.
Dito isso, voltemos ao ponto do conto que é a tal da concentração, da concentração na prática da oração. Para melhor ilustrar essa questão, penso ser de grande valia, duas recordações que vem a minha memória neste momento: a de uma senhora que certa feita vi numa Santa Missa em uma Catedral do interior do Paraná é a leitura do livro O PEREGRINO RUSSO.
Lembro-me, vivamente, quando deitei minhas vistas pela primeira vez nesta magnífica obra que tem como centro de suas páginas a oração perpétua; rezar sem cessar, metodicamente, repetindo jaculatórias como “Jesus, tem misericórdia de nós”, para que essas palavras tornem-se um constante eco em nossa alma para que elas sejam um facho de luz em nossa vida.
E de fato, se não semeamos palavras e imagens piedosas em nosso ser, o mundo, com suas expressões e deformações imagéticas irá fazer isso por nós, mas não com o intento de nos auxiliar a vivermos próximos Daquele que é o centro de nossa vida, mas sim, para nos distanciar Dele.
Bem, para melhor expor o que estou tentando dizer nestas turvas linhas, permitam-me sugerir outro exemplo: todos, de vez em quando, ouvem uma e outra música de péssima cepa que é executada na rua. Sim, é um horror, sei disso. E é um suplício, porque a dita cuja fica em nossa mente e, sem que o desejemos, ela fica sendo repetida, rememorada, evocando a si mesma em nossa cabeça, como um sinistro mantra mundano.
Pois é, eis aí o mundo fazendo o trabalho de semear as suas imundices em nossa alma, seja com as músicas simplórias com seus temas degradantes, seja com as imagens que nos são bombardeadas constantemente através das ruas, da televisão ou da internet que plantam em nosso coração fachos de sombras para apagar a chama de luz que nos guia para a eternidade.
Por isso considero a leitura desse livreto algo imprescindível, pois, se compreendermos que estamos nesta vida num longo peregrinar, se realmente agirmos como peregrinos rumo à pátria celeste, mudaremos nossa forma de agir, de viver e, naturalmente o modo como nos fiamos em nossas orações que, no mundo contemporâneo, são verdadeiras armas para defender a nossa alma das sedições pós-modernas.
Resumindo: se praticarmos a devoção que é sugerida pelo referido livreto, ao invés de termos o eco de “mantras” como “beijinho no ombro” e coisa do gênero, teremos algo que, possivelmente, nos elevará em meio a balburdia hodierna. Se praticarmos o conselho de São Paulo de orar sem cessar, iremos nos flagrar no correr do dia, com o eco das jaculatórias que nós dedilhamos em nossas caminhadas.
Um bom exemplo da importância dessa prática é-nos relatada pelo Padre Paulo Ricardo. Ele, numa de suas alocações, lembrou aos ouvintes da prática da chamada oração monológica que consiste na repetição constante de uma única palavra que acompanhe o ritmo de nossa respiração. Sobre isso, o mesmo sacerdote cita o caso dum padre francês, cujo nome me foge à memória, que praticava piedosamente esse tipo de oração. Ele repetia constantemente, quando inspirava, a palavra JESUS; quando expirava ele murmurava PAI. E assim fazia porque, segundo ele, nós só podemos realmente dizer PAI quando nosso coração está repleto de JESUS. E assim ele seguia os seus dias, inspirando JESUS e expirando PAI.
Certa feita, esse padre da terra de São Luiz IX, teve que sofrer uma cirurgia. Foi internado, anestesiado e, um pouco antes do médico iniciar o procedimento cirúrgico, ouviu um murmurar vindo da boca do sacerdote que já estava preparado para ser cortado. O médico reclinou-se junto a face do velhinho e, eis que o ouve, sussurrando, inconsciente, sob o efeito da anestesia: JESUS… PAI. JESUS… PAI.
Vejam só isso: mesmo inconsciente, mesmo estando dopado, a sua alma cantava glórias e glórias ao senhor. Nós, mesmo conscientes, fisicamente, quando sofremos qualquer perrengue, ao invés de darmos glória, proferimos automaticamente impropérios impensados. Às vezes, nem precisamos passar por perrengues para blasfemar de maneira impensada. E assim procedemos porque é o que há em nosso coração, infelizmente.
Em se falando dum coração cingido de acordo com a vontade de Deus, dum coração que procura fazer da vida uma prece, vem a minha memória a imagem de uma senhora que vi numa catedral, numa santa missa celebrada ao meio dia, cujo nome, infelizmente, não sei qual é.
Bem, lá estava a senhora, com um piedoso véu sobre a cabeça, um rosário nas mãos; rezando-o junto com a Santa Missa. E não somente isso. Quando todos se sentavam, ela colocava-se de joelhos e assim ficava até todos levantarem-se ao comando do sacerdote.
Por Deus! Nunca esqueci a imagem dessa senhora que vi nesta Santa Missa celebra lá pelos idos de 2008 (ou 2009). Ela não estava lá para simplesmente cumprir uma obrigação social. De jeito nenhum. Ela estava lá, de corpo e alma, inteira, para adorar Nosso Senhor Jesus Cristo, pouco importando o que estivesse sendo feito pelos demais.
Aliás, as pessoas em seu entorno poderia até estar pouco preocupadas com o que realmente ocorre numa Santa Missa; essas almas poderiam até estar dispersas, mas, para ela, apenas uma realidade importava: a presença de Cristo na Santa Missa.
Lá se encontrava ela, respeitosa e zelosamente adorando-O junto do jardim de rosas da Virgem Mãe Santíssima, dedilhando o Santo Rosário enquanto todos em seu entorno viviam mecanicamente aquele momento.
Ela estava toda centrada, inteiramente concentrada Naquilo que realmente importa; que dá sentido a nossa mísera existência e, é claro, que toda essa concentração irradia seus benfazejos efeitos em todas as esferas da vida, elevando a pessoa em espírito e verdade, mesmo que o mundo todo esteja afundando em suas imundices e mentiras.
Enfim, nós somos feitos para centrarmos nossa vida Naquele que é. Ponto. Ou, se preferirmos, podemos nos dispersar com nossos desejos desordenados em meios as tentações mundanas. É tudo uma questão de escolha entre tornarmos nossa vida uma grande oração ou fazermos dela um gritante signo de perdição. Tudo é, queiramos ou não admitir, uma opção livremente feita por nós de rezarmos zelosamente ou de o fazermos apenas de maneira vaga e formal.
É isso. Fim de causo.
(*) Professor, cronista e bebedor de café.
e-mail: dartagnanzanela@gmail.com
ROSAS ENTRE OS ROCHEDOS
14/09/2016 - 10:47
Autor: Naor Coelho