Por Bruno Zampier
Na última parte desta pequena série sobre a Lei Natural, finalmente tratarei do tema que consta no título: como o estudo da lei natural vem ressurgindo em diversos países, inclusive no Brasil.
Esta retomada dos estudos clássicos na teoria do Direito contemporâneo teve o seu marco quando John Finnis, filósofo e jurista australiano, naturalizado britânico, publicou o grande clássico “Lei Natural e Direitos Naturais”. Lançado em 1980, a obra foi solicitada pelo orientador de Finnis, ninguém menos que H.L.Hart, um dos mais importantes filósofos do Direito do século XX.
Toda a teoria da lei natural de John M. Finnis é um desdobramento da teoria da lei natural de São Tomás de Aquino. Nela, Finnis demonstra que os valores morais não são arbitrários ou subjetivos, como acusa a filosofia moderna e o pensamento jurídico contemporâneo. Partindo do pressuposto de que todas as ações humanas possuem necessariamente alguma finalidade, os valores morais são fruto da razoabilidade das nossas escolhas diante de situações concretas, considerando que toda conduta deve respeitar e zelar por aquilo que ele chama de “bens humanos básicos”. Uma vez que o ser humano é uma criatura, digamos, bastante limitada, o leque de opções para as finalidades de uma conduta, considerada em seu aspecto mais genérico, não são muito numerosas. Como criaturas limitadas, padecemos de certas necessidades inerentes ao nosso ser, bem como certas capacidades.
Nossa natureza, por exemplo, nos impõe a necessidade de comer e dormir, assim como nos concede a capacidade de estudar e aprender, unir-se em matrimônio e reproduzir-se, trabalhar e construir algo, e assim por diante. Analisando tais capacidades e necessidades, Finnis concluiu que as finalidades de nossas ações, isto é, o leque de finalidades que podemos buscar ao realizarmos alguma ação resumem-se em apenas oito: vida, educação, jogo (experiência lúdica), experiência estética, sociabilidade (cultivo de amizades) casamento, razoabilidade prática, religião. É impossível imaginar uma ação que não possua de alguma forma, a intenção de realizar algum desses bens básicos. Assim, se busco uma consulta médica ou se faço uma refeição, tenho por objetivo último zelar pela minha vida; se estou lendo um texto ou assistindo uma aula, busco o conhecimento, isto é, a educação; se escuto uma música ou aprecio uma paisagem, experimento a estética; se faço uma oração, busco a religião.
Interessante é quando Finnis afirma que a busca por tais bens básicos, disponíveis à natureza humana, não é moral em si mesma. Ela depende do contexto em que é realizada e assim, só pode ser julgada como moral ou imoral, conforme respeite os pressupostos da razoabilidade prática que, além de ser um dos bens básicos, é também o elemento coordenador das nossas ações morais. A razoabilidade prática é formada, por sua vez, por pressupostos objetivos que orientam uma vida dotada de uma ordem racional e de coerência. Um pressuposto importante da razoabilidade prática é que ela impõe o dever de respeitar todos os bens básicos em cada uma das nossas ações. Assim, por exemplo, uma vida coerente que promova o desenvolvimento de todas as potencialidades humanas deverá incluir o estudo, a experiência do aprendizado e da descoberta da verdade nas mais diversas questões.
Mas essa busca pelo estudo não pode negligenciar ou violar os demais bens básicos: não devo abandonar todas as amizades ou deixar de ir ao médico em uma situação necessária, para dedicar-me aos estudos. Desta forma, a teoria de Finnis constrói uma descrição bastante coerente e lógica da objetividade dos valores morais, o que faz da sua teoria uma importante obra para a estruturação do Direito Positivo, para a hermenêutica e aplicação da lei e mesmo para uma orientação bastante prática e lógica para a vida particular.
No Brasil os estudos sobre a obra de Finnis vem crescendo muito nos últimos anos. Livros, artigos, monografias, teses de mestrado e doutorado vem surgindo de norte a sul do país. Destaca-se o trabalho realizado na Universidade Federal do Pará (UFPA) pelo professor Victor Sales Pinheiro que, além de diversas aulas de altíssimo nível disponibilizadas no youtube, também mantém grupos de estudos sobre o tema e vem publicando diversas obras, inclusive traduções de artigos de Finnis. Neste ano, lançou a Coleção Teoria da Lei Natural pela editora Lumen Juris, a qual colocará em circulação diversas obras relacionadas ao tema.
Na UFPR, destaca-se o trabalho do professor Lucio Souza Lobo que, além de ter orientado este que vos escreve em tese de mestrado a respeito de Finnis, também foi orientador de Eduardo Seino Wiviurka que recentemente obteve o título de doutorado com dissertação sobre o tema. Na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, diversos livros e artigos são publicados por um dos pioneiros no estudo de Finnis no Brasil, o professor Luís Fernando Barzotto. Aliás, Barzotto foi intermediador da vinda de John Finnis ao Brasil em 2007, quando o filósofo australiano proferiu palestras na PUC-RS e UFRGS.
Além destas, diversas outras pesquisas vem sendo conduzidas na USP e outras universidades, com várias editoras trabalhando em traduções quem devem inundar as livrarias e agitar ainda mais os estudos relacionados a lei natural nos próximos anos. Trata-se de uma luz no fim do túnel: a teoria de São Tomás de Aquino rompe radicalmente com o marasmo de relativismo moral e ateísmo que domina as universidades brasileiras há décadas em matéria de estudo de Direito e Filosofia.
Mais do que isso, a teoria tomista da Lei Natural elaborada por Finnis apresenta críticas importantíssimas ao positivismo jurídico contemporâneo e apresenta soluções coerentes para problemas práticos do Direito. Rompendo com as ideologias que manipulam a interpretação do Direito inclusive nos tribunais superiores, a teoria tomista de John Finnis recoloca a razão e a razoabilidade prática de forma bastante objetiva como verdadeiro critério para realização da justiça.
* Na imagem que ilustra o texto, São Tomás de Aquino, o “Doutor Angélico” triunfa sobre Averróis, teólogo islâmico.