Por Dartagnan da Silva Zanela (*)
Penso que o maior ato de misericórdia que podemos manifestar com relação a nossa classe política, por cada um de seus membros, é a desconfiança ou, como diria Michael Joseph Oakeshott, uma atitude cética em relação as suas promessas, suas atitudes e referente as suas possíveis e supostas qualidades. Poderíamos dar uma de Bombril e apresentar aqui mil e uma justificativas para agirmos desse modo. Poderíamos, mas, nessa missiva, iremos preferir pecar não pelo excesso, mas sim, pela modéstia preguiçosa.
Toda vez que um sujeito – seja ele uma figura pública, ou um militante duma causa política qualquer, envenenado até a medula com utopias caducas e ideologias furadas – vem pro nosso lado com todo aquele papo pra lá de furado, ao mesmo tempo azedo e meloso, é bom nos pararmos de louco e, mais do que depressa lembra-lo das palavras do profeta que, adverte-nos, dizendo (Jeremias XVII; 5): “Maldito o homem que confia no homem e procura apoio nos mortais, cujo coração se afasta de Javé”.
Explico-me: a sociedade moderna, como é sabido por todos com um mínimo de bom senso, vem sendo arrebatada e arrebentada por uma onda secularizante que, há muito, tomou conta do Ocidente e, por isso, acabamos por ter um distanciamento da vida religiosa que, por sua deixa, fez-nos, cada um ao seu modo, distanciar-se da presença de Deus (como se isso fosse possível).
Aliás, como certa feita havia dito G. K. Chesterton, conforme Deus foi sendo banido de nossa vida, dos espaços públicos, o Estado foi tomando o Seu lugar e sendo divinizado. Sim, e no Brasil, muito mais do que em outros rincões. Tal atitude teve como consequência o trágico fato de que muitas pessoas passaram a levar uma vida embalada por aquilo que Bento XVI chamou de “ateísmo prático”, ou seja, o indivíduo afirma crer em Deus e, em muitos casos, até dissimula bem, praticando ordinariamente os ritos de sua confissão, porém, vive como se Ele não existisse. Todos sabemos muito bem como é isso.
Vale lembrar que, mesmo vivendo assim, desse modo levianamente à toa, nosso coração continuam a procurar a plenitude que apenas pode ser encontrada Nele e em nada mais, como bem nos ensina Santo Agostinho em sua obra Confissões. Continuamos a procurar, em todo lugar, mas o fazemos nos lugares errados, deificando, de modo muito chumbrega, figuras midiáticas, bugigangas adquiridas de modo voraz num consumismo oco, causas políticas, ideologias totalitárias e, é claro, divinizamos figuras políticas que, ao nosso ver, representam tudo justamente por serem nada.
Bem, aí estão os devotos das capelinhas do Butantã da estrelinha dos últimos dias que não nos deixam mentir sozinho. Todos sabem muito bem do amor idolátrico que eles tem pelo seu Exu maior. Detalhe importante: essas capelinhas mundanas são exemplares nesse quesito, a idolatria dum mandrião populista, mas não estão sós na maresia que tomou conta do nosso triste país. E não apenas isso. Vejam só como são as coisas: brigamos por causa duma bugiganga, ficamos ofendidos por causa de palavras que ferem a cartilha supra moralista do politicamente correto, ficamos enervados por causa de gostosuras sexuais, descemos das tamancas por causa de partidos políticos e caudilhos demagógicos, enfim, fazemos tudo isso por essas tranqueiras porque é somente até essa lonjura que nossa vista alcança.
Toda essa é a profundidade de nossa existência. Meu Deus! Que feiura. Mais do que isso. Não conseguimos avançar para além dessas viseiras e, por isso, nada que vá além delas não nos toca, porque, não nos importa, quão limitado é nosso senso das proporções, tão curta é nossa razão. Resumindo: é isso o que acontece quando qualquer tranqueira ocupa o centro pulsante de nosso existir na ilusão de que ela irá preencher-nos de sentido. É isso o que acontece quando desistimos de procurar plenitude Naquele em que real e unicamente poderíamos encontrar repouso. Por essas e outras considero uma imensa impiedade depositarmos sobre os ombros da classe política, de qualquer grife partidária, uma cega confiança. Mesmo que os danadinhos queiram e gostem disso. Aliás, se não somos céticos em relação a um e outro membro dessa casta é porque, de fato, desprezamos o bem público e ignoramos o tal do próximo, que juramos de pés juntos amar.
Mais do que nossos votos, muito mais do que uma militância canina, o que essas figuras precisam, para o bem d’alma deles e de todo o futuro de nossa triste nação, é que os tratemos com grande desconfiança, pois nós, enquanto povo mais ou menos cidadão, já fomos inúmeras vezes mordidos por essas cobras, por todas, das mais variadas peçonhas ideológicas. Tal atitude não mudará substancialmente nossa cambaleante sociedade mais ou menos democrática, sei muito bem disso. Mas, creio eu, irá, com toda certeza, melhorar um cadinho a qualidade de nossas atitudes ditas cidadãs.
(*) Professor, caipira, escrevinhador e bebedor inveterado de café.