Bruno Zampier

Por Bruno Zampier

Afinal, o que Cristo recebeu do mundo?

É verdade que, de acordo com as Sagradas Escrituras, atraiu multidões e durante o tempo de sua pregação, de certa forma, foi amado pelo povo. Discursou para milhares de pessoas, fez curas milagrosas, ressuscitou os mortos e teve doze discípulos mais próximos – os apóstolos – que abandonaram tudo para segui-lo. Há quem possa enxergar nisso uma vida “bem sucedida”. Mas Cristo não estava iludido com sua fama e a admiração momentânea despertada por suas palavras e obras.

Nasceu em uma das regiões mais pobres do mundo na época.  Mesmo assim, até os pobres o rejeitaram: nasceu em um estábulo rodeado de animais, depois que seus pais viajaram algumas centenas de quilômetros no lombo de um burrinho. Sua juventude foi vivida na mais absoluta simplicidade e anonimato: dela não temos notícia, fato que é usado por alguns até mesmo para negar sua existência. Iniciada sua pregação, que durou três anos, nada escreveu. Deixou esta tarefa aos discípulos, que registraram em pouco mais de 200 páginas, as mais belas parábolas, lições e exemplos de que a humanidade tem notícia: “daí a César o que é de César e dai a Deus…” ; “atire a primeira pedra quem…” ; “é mais fácil um camelo passar no fundo de uma agulha do que um rico…”; “eu sou o caminho, a verdade e a…”; “o céu e a terra passarão mas…” ; “em verdade te digo, ainda hoje estarás comigo no…”.

Creio que todo mundo sabe completar tais frases. Elas penetraram na cultura e na consciência popular de forma inigualável. Nenhum autor ou pensador jamais alcançou tal perfeição e beleza na exposição de uma doutrina: frases curtas, belas, profundas e certeiras. Penso que se Deus quisesse escrever algo, teria de fato escrito o que Cristo disse, do jeito que Ele disse. Não tenho fé suficiente nos homens para acreditar que pescadores judeus do século I tenham concebido tais pérolas do pensamento. Mesmo assim, Cristo não foi de fato reconhecido.

Afinal, o que Cristo recebeu do mundo? As mãos que trabalharam duro na marcenaria desde a infância, que operaram curas milagrosas, que socorreram Pedro afundando no mar, terminaram… cravejadas com pregos. Sua cabeça, que tantas parábolas e frases inventou para ensinar os homens, recebeu uma coroa de espinhos. Seus pés que um dia caminharam sobre o deserto, sobre os pedregulhos da Judéia e até sobre a água, pregados no madeiro. Sua boca, que declarou a verdade do amor de Deus pela humanidade, sedenta de água após intensa desidratação causada pela cruel flagelação, saboreou uma esponja embebida em vinagre. Seu rosto, com que expressava sua paz e caridade, esbofeteado, respingado com cusparadas. Onde estavam aqueles que Ele curou, que Ele ensinou, que Ele alimentou durante tanto tempo? Sumiram. Ficaram dois discípulos e sua mãe.

Sua morte foi um espetáculo de barbárie, mas quem se importa? Foram até Ele para pedir isso e aquilo, nunca para perguntar se Ele queria algo.Faça um milagre, desça da cruz se puder, devolva-me a visão, faça andar um paralítico, traga meu pai e meu filho de volta.

  Deus não veio ao mundo para resolver nosso problema financeiro ou alguma questão de saúde pública. Para Ele, isso até seria fácil. Ele veio mostrar que, independentemente do que você faça ou deseje, o caminho é a cruz. E ela chegará um dia, para todos, de uma forma ou de outra. E a cruz, o que é? A cruz é uma encruzilhada. Uma encruzilhada onde a tua dor cruza com os caminhos de Deus. Dinheiro e saúde pública não seriam a solução total em hipótese alguma.

Ocorre que ali na cruz foi inaugurada uma nova perspectiva sobre o sofrimento, algo completamente inusitado ou mesmo maluco aos olhos do mundo: o sofrimento não é a antítese da vida, é sua exaltação. Pois só sofre muito, quem realmente ama muito. E o amor, na sua doutrina, é como que a outra face da moeda da vida. A vida eterna depende de um amor infinito, e o amor infinito só pode ser cultivado no sofrimento intenso. 

O que poderia ser mais duro do que ser rejeitado por aqueles que se ama?  Ser caluniado e não ter sequer um advogado para levantar a voz? Ser espancado em via pública como fonte de divertimento? Não se faria isso a um cachorro. Tudo para convencer-nos: “amai-vos uns aos outros, assim como eu vos amei”. Pois o verdadeiro amor – aquele provado no fogo do sofrimento – é aquele que sobrevive ao escárnio, ao abandono, à humilhação, ao sofrimento físico. A alma agarrada a tal amor, promete Cristo, não será arrastada pela morte física.

Ao invés de reclamar da vida, do mundo e dos outros, então diríamos: “toma aqui meu sofrimento, junta com o teu, Senhor”. Não haveria aí um verdadeiro companheirismo? Não seriamos mais sanguessugas de milagres, seríamos companheiros do Verbo Encarnado, como amigos verdadeiros. São esses os ressuscitados no último dia, na grande Páscoa da consumação dos séculos, mas que pode acontecer a qualquer um, a qualquer momento. Quanto estamos dispostos a sofrer junto com Cristo, como companheiros? É difícil segui-lo pela encosta árida do Calvário, pois Cristo podia suportar qualquer sofrimento.

Qualquer sofrimento, com exceção de um. Que nos sirva de reflexão. Ele podia suportar qualquer humilhação, dor e injustiça. Ele só não podia suportar a idéia de não nos ter junto Dele, na glória eterna.

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