Por Humberto Pinho da Silva
Tinha vinte e poucos anos quando a aldrava da porta da casa paterna soou três rijas pancadas. Era casal com sotaque carioca. Meu pai recebe-os de braços abertos e levou-os para a salinha de visitas.
Espicaçado pelo aguilhão da curiosidade pus-me à escuta, e verifiquei que eram vergonteas da família brasileira.
Entrei a medo e cumprimentei respeitosamente.
Ele, elegante e esgrouviado; ela, graciosa e redondinha como uma pucarinha.
Simpatizei com eles, e ainda mais quando me disseram:
– “Por que não vem ao Brasil? A nossa casa é espaçosa…seria um prazer recebê-lo.
Decorrido semanas recebi sobrescrito, tarjado de verde amarelo, com missiva confirmando o convite.
Aceitei e rejubilei. Em fresca manhã de maio, parti para o Rio.
O que observei, confesso que não me agradou: nas murmurosas ruas, deambulavam humildes trabalhadores, de tronco nu, descalços, de cútis que iam de negro a branco, o que me chocou bastante.
Parti num confortável onibus para São Paulo. Visitei parentes; de tudo que vi e ouvi, verifiquei que eram amáveis e simpáticos, mas pareceu-me que não morriam de amores pelo meu país: li e ouvi que éramos ladroes, porque roubamos o oiro; éramos, quase todos, analfabetos; que chegávamos a Santos de socos e pau às costas ou de tamancos aéreos portugueses; perguntavam-me, depreciativamente, se tinha pé na cozinha, porque era moreno e de cabelo ondulado; na TV e outros meios de comunicação, o português era alvo de chalaças; afirmaram-me que em tempos remotos exportávamos os bandidos, para o Brasil; e verifiquei, com desgosto, que o português tímido, que trabalhava no Rio, escondia a nacionalidade, imitando a fala brasileira.
Voaram décadas. No início do século, voltei ao Brasil. A mentalidade demudara-se completamente:
Todos desejavam ser portugueses e europeus. Diziam, com inveja mal disfarçada, que estávamos ricos, porque ganhávamos em euros; e que existia em Portugal gente muito culta, e de grande valor…
Que milagre se passara?
Não sei. Saberão, porventura, os brasileiros?
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