Tive, no correr da minha porca vida, inúmeros senseis. Todos eram homens honrados e exímios professores. Todos, sem exceção. Eles não mediam esforços para que eu e meus colegas aprendêssemos os movimentos e golpes conforme era requerido pela tradição da arte marcial que praticávamos; e que eles, magistralmente, nos ensinavam.
Uma das imagens que mais marcou minha memória, daqueles idos de aprendiz dos tatames, era a forma como muitas vezes os mestres nos provocavam quando estávamos fazendo corpo mole, ou quando estávamos muito aquém do que era exigido e, no entender dos mestres, bem abaixo do que éramos capazes de realizar.
Era muito comum, lá pelas tantas, no meio de um treino qualquer, ouvirmos um pito retumbante, mais ou menos nos seguintes termos: “se você, Fulano, continuar assim, até as lesmas marcarão um ippon ou um wazari no seu lombo”. Ou então, “você está treinando para ser um guerreiro ou para ser uma ameba?” Frases similares a essas eram ditas sempre com aquele olhar sisudo, com uma voz enérgica em misto com um tom de desdém.
Quando isso acontecia, obviamente que nós, no íntimo de nossas consciências, dizíamos para nós mesmos: “professor do dianho! Quem você pensa que é pra falar assim comigo?! Você vai ver, vou mostrar do que eu sou capaz”. E lá íamos nós, cheinhos de kime, de energia no coração, para realizarmos o treinamento que estava sendo proposto, procurando, feito uns doidos, superar os nossos limites.
Outras vezes, víamos que, no tatame, estávamos realizando os mesmos movimentos de uma forma mais morosa do que de costume e, ao invés de recebermos uma bronca similar, éramos saudados com um estímulo positivo, do tipo: “é isso aí campeão! Vamos lá”.
Seja como for, findado o treino, após realizarmos os ritos finais que são exigidos, os “senpais” que tive, sempre vinham sorridentes nos cumprimentar e conversar sobre amenidades conosco e, naquele momento, toda aquela fúria, que estava sendo bombeado pelo nosso coração e circulando através de nossas veias e artérias, não mais se fazia presente, dando lugar a um suave sentimento de satisfação, de missão cumprida e, por incrível que pareça, por um grande sentimento de gratidão.
Durante a aula, todos os mestres que tive, estavam sempre interpretando uma personagem que, por sua deixa, tinha uma função pedagógica e, por isso mesmo, variava conforme as circunstâncias exigiam. Às vezes pareciam uma fera bufando, outras vezes um simpático colibri. E o mais interessante é que, hoje, olhando para essas cenas em retrospectiva, compreendo o quanto eles eram professores fenomenais – além de serem exímios lutadores – porque sabiam o que cada um de nós deveria ouvir neste ou naquele momento, para podermos crescer e nos desenvolver como bons artistas marciais e, principalmente, como pessoas dignas, prestativas e boas, com a Graça de Deus.
E isso não vale apenas para o aprendizado de uma arte marcial em particular; vale para o aprendizado de qualquer coisa na vida. Disciplina é tudo. Pedagogice crítica é criticamente quase nada.
Muitas vezes, precisamos ouvir palavras doces de estímulo e, em outras ocasiões, é de fundamental importância que recebamos um “puxão de orelha”, que tremamos nas bases, para nos situarmos com firmeza e clareza diante da realidade.
Ou, como nos ensinam os grandes mestres do Tao, as águas de um rio, com seu fluxo constante, apenas existem porque estão em atrito com as margens que as desafiam. Nessa tensão forma-se seu curso e, sem ela, a tensão, o rio não existiria.
Nós, seres humanos, tal qual o curso de um rio, nos realizamos como pessoas em meio às tensões que a vida, inevitavelmente, sempre nos apresenta. Repito: inevitavelmente sempre nos brinda.
Nesse sentido, um dos papéis fundamentais da educação é preparar os indivíduos para aprender a assimilar essas tensões e, entre elas e com elas, nos realizarmos como pessoa. Papel esse que, infelizmente, os doutos em educação, que fazem a cuca daqueles que são responsáveis pelo processo de ensinação, relegam ao esquecimento, com toda ordem de trejeitos e cacoetes politicamente corretos e similares, que corrompem até o tutano qualquer alma desavisada.
Não é à toa que cada vez mais nós – adultos, jovens e infantes – estejamos mais e mais com os nervos à flor da pele, hipersensíveis, vitimistas, ingratos e, é claro, agressivos e birrentos feito a peste.
Não mais somos educados para sermos fortes, para servir ao próximo e nos autogovernar. Não. Atualmente somos adestrados, desde infantes, para nos fazermos frágeis, para nos servirmos dos outros e, consequentemente, para acabarmos sendo dominados, de forma incônscia, por aqueles que têm meios para instrumentalizar as nossas fraquezas criticamente adquiridas.
Por essas e outras que, certa feita, o filósofo Ortega y Gasset havia dito que se queremos saber o que agitará as ruas e praças daqui a vinte anos, devemos prestar a devida atenção naquilo que está sendo ensinado, hoje, para as tenras gerações como sendo algo desejável e digno de respeito.
Dependendo do que estiver sendo ensinado, isso poderá nos auxiliar a crescermos em espírito e verdade; porém esse não é o caso do mundo atual onde abundam as figuras podres de mimadas, chafurdando na lama de uma existência sem sentido.
Escrevinhado por Dartagnan da Silva Zanela
Critique, elogie, esculhambe, avacalhe, só não fique indiferente.
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