Por Dartagnan da Silva Zanela

[1] Flexibilizar o direito a vida, permitindo ao Estado – ou a quem quer que seja – ter em suas mãos o poder de dizer quem tem ou não condições de viver, de existir, é algo duma brutalidade sem igual. E tem outra: tratar a negação do direito a existência como se fosse algo feito em nome do maior interesse daquele que está sendo privado da possibilidade de existir, é o retrato escarrado da desumanidade politicamente correta de nosso tempo que, obviamente, sempre se apresenta a nós com todo aquele bom-mocismo que a gente já conhece de longa data. Somente uma alma que se encontra tomada, até a medula, pela cultura da morte, não é capaz de reconhecer a absurdidade de qualquer proposta que, de modo dissimulado, quer nos persuadir a reconhecer essas tranqueiras como se fossem conquistas, como se fosse uma espécie de ampliação do espectro da dignidade humana. Enfim, é o fim da rosca.

[2] Na cabecinha de gentinha esclarecidinha é muito mais fácil matar um feto para que ele não sofra (ou seja, para que ele não viva), do que auxiliá-lo, estendendo a mão para sua família para que ele cresça, para que ele possa existir e, assim, em meio aos sofrimentos e alegrias da vida, possa ter a oportunidade, o direito de buscar a sua felicidade. Sim, viver não é fácil. Cada um sabe muito bem onde o sapato aperta. Mas, sejamos francos: a vida, com todos os seus dilemas e entreveros, é muito, muitíssimo mais interessante que vida nenhuma.

[3] Pergunte a qualquer mãe se ela tivesse tido a oportunidade de abortar os seus filhos se ela o faria. Pergunte e terá respostas diversas que, dum modo geral, irão convergir numa única direção, que seria mais ou menos a seguinte: que jamais cogitaram ou cogitam isso e que, mesmo com todas as dificuldades, que são inerentes à criação duma criança, seus filhos são verdadeiras bênçãos. Bênçãos que mudaram suas vidas e que as tornaram pessoas melhores. Os pais, bem provavelmente, responderiam a essa pergunta da mesma forma. Pergunte, também, para as mulheres que optaram pela realização de um aborto, se elas não se arrependem de ter feito o que fizeram. Pergunte aos homens que incentivaram ou apoiaram suas mulheres na realização disso se eles se arrependem do que foi feito. Pergunte e você ouvirá respostas dolorosas que o levarão a refletir e compreender porque é tão leviano transformar isso, a defesa da relativização do direito a vida (aborto), numa bandeira política.

[4] O filósofo Peter Kreeft nos ensina que um dos elementos que levam muitíssimos indivíduos a relativizar o direito a existência é o fato de termos, na modernidade, termos perdido o sentido religioso [cristão] da vida, sentido esse que nos dava a compreensão da sublimidade da realidade. Quando se perdeu isso, os indivíduos, dum modo geral, acabaram procurando a sublimidade em outra coisa que, palidamente, o remeta a isso. No caso, é o sexo. Mais especificamente o prazer sexual. Isso, hoje, se tornou o centro da vida moderna. Já repararam que tudo, tudinho na sociedade atual nos dá a impressão de que deve girar em torno do gozo sexual? Já notaram que o gozo, ao seu modo, é visto por todos como sendo um direito inalienável? Que o gozo é um praticamente um critério de moralidade? Dessa forma, o gozo tornou-se sagrado ao mesmo tempo em que a vida está deixando de ser. E reparem que os alvos prioritários da cultura da morte são justamente a vida (aborto e eutanásia) e a família, o núcleo vital. Perpassando tudo isso, essa irresistível inclinação para a morte, temos um nefando fio hedonista que faz os indivíduos não mais serem capazes de encarar a vida fora da clave: “afaste-se da dor, procure, sempre, o prazer”. Sem querer querendo, estamos a cada dia que passa, mais parecidos com os cidadãos do Admirável Mundo Novo de Aldous Huxley.

Aliás, pense no seguinte: quando você identifica um filme como sendo “adulto”, qual é a primeira imagem que lhe vem na sua cabeça? É isso que nos torna uma pessoa adulta?

Dá pra entender porque nossa sociedade está descarrilando ladeira abaixo.

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