Uma leitora, muito gentilmente, disse-me que ela considera as implicações do relativismo, moral e cognitivo, complexas demais; mas, mesmo assim, ela vislumbra que há algo de muito perigo nisso, mesmo que não tenha uma razoável compreensão a respeito desse espinhoso tema.

Bem, confesso: há inúmeros assuntos que, também, tenho apenas um nebuloso entendimento, porém, mesmo que minha compreensão esteja imersa entre brumas densas de incompreensão, entrevejo, mesmo que vagamente, que há algo frente aos assuntos que conheço apenas de orelhada.

Aliás, acho que todos nós, sobre um e outro assunto, temos uma sensação similar que poderia ser expressa mais ou menos nestes termos: não sei exatamente o que é, mas parece-me que seja algo mais ou menos desse ou daquele jeito.

Bem, termos esse tipo de sensação, não apenas é natural, como é o principiar da compreensão de qualquer coisa. Muito daquilo que, hoje, conhecemos de fio a pavio, com minúcias mil, um dia apenas conhecíamos de ter ouvido falar.

Aquilo que, num primeiro momento, era apenas uma vaga impressão, pode despertar em nós uma vontade pela verdade [1] que, se devidamente cultivada e ordenada no âmago do nosso ser, irá nos impulsionar para trilharmos uma jornada pelo conhecimento da verdade. Uma jornada todinha nossa, diga-se de passagem [2].

Aliás, é motivo de grande regozijo quando olhamos para trás e rememoramos todas as dificuldades, todos os caminhos errados que tomamos; as descobertas, muitas delas surpreendentes, que fomos realizando no correr dessa aventura que é conhecer.

Ou, se preferirmos, podemos comparar a jornada em busca do conhecimento da verdade com a gratificante imagem de sairmos duma estrada tomada por uma densa neblina e vemos o cintilante céu cobrindo nossos passos com seu manto azul.

Até aí, meu caro Watson, penso que não há encrenca alguma. Conhecer é isso mesmo: um lento caminhar com muitos tropeços.

Agora, a treta começa quando passamos a confundir o conhecimento laboriosamente construído, ao custo de muito esforço, tempo dedicado e um punhado de erros realizados e superados, com essas primeiras impressões que adquirimos através duma e doutra impressão de ocasião, que se juntam com outras, formando aquilo que Mario Ferreira dos Santos chamava de síntese confusa [3].

Quando fazemos isso, por certo e por óbvio, que o fazemos por pura preguiça, por fraqueza de caráter.

Explico-me: uma coisa é não termos uma compreensão clara sobre algo e não desejarmos tê-la, porque não somos obrigados a ter um conhecimento profundo e devidamente fundamentado sobre tudo. Outra, bem diferente, é termos uma compreensão rasa sobre tudo, nos contentarmos com isso e, ainda por cima, julgarmos que nossa gambiarra mentalmente concebida teria o mesmíssimo valor que o conhecimento laboriosamente construído [4].

Um sujeito que assim proceda, sejamos francos: tem um sério problema de caráter. Bem sério mesmo.

Muito bem. Muitíssimo bem. Mas, agora, onde entra o relativismo moral e cognitivo? Simples: como uma elegante forma de justificação desse tipo de impostura que, sutilmente, vai demolindo o bom senso duma pessoa, seja ela bem ou mal intencionada [5].

Sim, sim, todo conhecimento tem o seu devido valor, mas não o mesmo valor e importância. E não apenas isso. Muito daquilo que nós conhecemos no correr de nossas vidas, da mesma forma que muitas das coisas que foram sendo conhecidas na história da humanidade, foram erros, e erros não devem ser cultivados e mimados, mas sim, corrigidos, tendo em vista que, até onde sei, repetir um erro, por mais velho que seja, mesmo que seja praticado por muitos, não se converte alquimicamente num acerto e, muito menos, nos torna mais inteligente [6].

Noves fora zero, se adotamos o relativismo como critério absoluto em nossa jornada por esse vale de lágrimas, qualquer sandice acabará por ser nivelada ao mesmo nível dum axioma, duma verdade, e aí meu amigo, qualquer loucura poderá e será aceita como sendo arte, uma tese doutoral, como fonte de direito e, porque não, como uma via de salvação.

Ponto. Agora tomemos aquele café absolutamente saboroso.

Escrevinhado por Dartagnan da Silva Zanela, em 06 de fevereiro de 2020, dia de São Paulo Miki, São Pedro Batista e companheiros.

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[1] NIETZSCHE, Friedrich. Além do Bem e do Mal. São Paulo: Editora Hemus, [s/d].

[2] SANTOS, Mario Ferreira dos. Curso de integração pessoal. São Paulo: Editora Logos, 1956.

[3] SANTOS, Mario Ferreira dos. Teoria do conhecimento. São Paulo: Editora Logos, 1954.

[4] GASSET, Jose Ortega y. Rebelião das Massas. Disponível na internet: http://ebooksbrasil.com.br

[5] LEWIS, C. S. A abolição do homem. Disponível na internet: http://lelivros.love

[6] SANTOS, Mario Ferreira dos. Origem dos Grandes Erros Filosóficos. São Paulo: Editora Matese, 1965.

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