Por Paulo Sergio Markowicz de Lima*
Quase nove anos após o fato, a sociedade de Curitiba deu seu veredito sobre o caso Carli Filho, no qual o ex-deputado foi condenado pela morte de dois jovens em maio de 2009, em via pública da capital. Os jurados decidiram que não se tratava de mais um crime culposo de trânsito, mas, sim, de um homicídio com a maldita combinação álcool + direção, praticado com dolo eventual, no qual o autor não quer causar a morte, mas age de tal modo irresponsável, e com menosprezo à vida humana, que assume o risco de matar.
Essa condenação representaria um marco na justiça brasileira? Antes da resposta, são oportunas algumas considerações. Muitos indagam por que demorou tanto a realização do júri. Não há dúvida de que as inúmeras medidas judiciais da defesa do réu, formuladas até o Supremo Tribunal Federal, contribuíram para que o julgamento não ocorresse em data próxima ao fato.
O Ministério Público também recorreu para que o exame de sangue do acusado fosse admitido como prova, e o homicídio fosse considerado qualificado, com pena mínima prevista de 12 anos, pretensões que foram negadas. Recorrer é um direito previsto em lei. O abuso deste direito é que deve ser recriminado pelos tribunais, sendo que julgá-los o mais rápido possível é a principal medida para coibir esse abuso.
Entretanto, o número expressivo de recursos representou, na verdade, uma legitimação ainda maior da decisão dos jurados, pois o acusado exerceu sua defesa com plenitude, também, até o julgamento. Todas as instâncias judiciárias do país decidiram por quais crimes ele deveria ser julgado, bem como se cabia a um juiz togado ou à sociedade sentenciá-lo.
Como um dos promotores do caso, trabalhando há muitos anos especificamente com o Tribunal do Júri, estudando-o e fazendo plenários, muitas vezes me perguntaram: a grande cobertura da mídia influencia a decisão final do Conselho de Sentença? Respondo que não, e justifico. Não há dúvida de que os jurados chegam com informações prévias sobre o caso, com uma opinião inicial.
No entanto, cientes da grande responsabilidade de suas decisões, formam a convicção final somente depois da produção da prova em plenário, após ouvir o réu e as sustentações orais da Promotoria de Justiça e da defesa. Isso valeria para todos os jurados? Diria que para boa parte deles. Cabe a lembrança de que as decisões do júri sempre são tomadas por maioria.
Em pesquisa realizada pelo Ministério Público do Paraná, em 2014, com mais de 800 jurados, em comarcas de todo o Paraná, com a pretensão de se obter um perfil dos jurados, 70% deles responderam que a cobertura intensa da mídia sobre o crime não interfere no veredito. A propósito, a mesma pesquisa apontou que mais de 87% dos entrevistados consideram que o júri deve julgar os homicídios praticados no trânsito com dolo eventual.
Voltando à pergunta inicial, confirmada a decisão pelos tribunais, o caso fará parte do acervo da jurisprudência referente a homicídios no trânsito com dolo eventual e servirá como destacado referencial. Mas, não é só isso. O júri e a mídia contribuíram sobremaneira para que houvesse uma conscientização da população de que bebida e direção só levam a tragédias. Produzem perdas imensas àqueles que são acusados de praticar o crime.
Carli Filho, por exemplo, à época do crime, surgia como uma nova liderança política no Paraná. O fato estancou abruptamente sua carreira. Dois jovens, com futuros promissores, perderam suas vidas e tiveram suas famílias destroçadas. Mas belas flores também brotam nos escuros pântanos, pois a mãe de uma das vítimas criou uma ONG voltada à conscientização de infratores de trânsito.
A sociedade deve sempre decidir a reprimenda a ser aplicada em casos de álcool + direção que resultem em mortes, como ocorreu no caso Carli Filho. Tratando-se de homicídio praticado no trânsito, com dolo eventual, todos somos potenciais vítimas, seja como pedestres, seja como motoristas. Nada mais justo que a própria sociedade decida a respeito desses crimes.
* Promotor de Justiça que atuou em centenas de júris.