Por Bruno Zampier
A família é a célula mater da sociedade.
Este conhecido aforismo encontra-se nas obras de filósofos e teólogos cristãos há séculos. A própria Constituição Federal de 1988 o consagra no artigo 226, acrescentando que o família goza de especial proteção do Estado. O ordenamento jurídico encontra-se apinhado de regras e direitos, confirmando o fato de que a família é objeto de especial atenção do Estado. É certo que, historicamente, nunca a família gozou de tantos direitos previstos na legislação.
Quando olhamos para a sociedade do século XXI no entanto, vemos o casamento como fonte de pilhérias incontáveis, o número de divórcios quase alcançando o número de casamentos celebrados, uma guerra judicial infindável nos tribunais por pensões e partilha de bens, jovens que cresceram em lares despedaçados, taxas de suicídios já elevadíssimas mas que continuam a crescer, sendo uma grande quantidade vinculada a traumas emocionais de origem familiar. Abuso de drogas e álcool tornou-se quase uma regra de etiqueta para o convívio social. Façamos então um resumo daquilo que era a família tradicional, comparando-a com isto que temos hoje, e reflitamos sobre qual o verdadeiro papel dos “direitos” impostos pelo Estado às famílias.
A família – tradicionalmente falando – foi estruturada e regulamentada de forma a assemelhar-se a um Estado em miniatura. Ali, o homem fazia a função de proteção e provedor financeiro, de forma análoga, digamos, ao que faz o aparato de segurança pública e os ministérios no Estado; à mulher cabia a administração do lar e a educação dos filhos, de forma análoga a um poder executivo e a um ministério da educação; a prole, por sua vez, constitui aquilo que no Estado seria o povo. Esta família tradicional gozava de autonomia e independência, tal como um Estado soberano: ali, ninguém, nem mesmo o Estado, poderia interferir em matéria de educação dos filhos ou proteção da casa. Os homens armados, faziam a proteção do patrimônio, dos filhos e das esposas.
Arbitrariedades existiam, é óbvio, e muitos maridos, tornaram-se tiranos, à semelhança de Hitlers e Stalins. Mas esta não era a regra geral, como hoje os adversários da família alegam, caluniando. Se a separação dos cônjuges é medida de proteção para a mulher ou os filhos em alguns casos, não se justifica fazer do divórcio um procedimento de quinze minutos, em que o patrimônio familiar de anos é dissolvido, onde o Estado, advogados e cartórios encontram sua parcela de lucro; em que a “célula mater da sociedade” é devastada como uma mina de ouro a ser explorada. Se houvesse alguma razoabilidade, alguma consciência da importância social da preservação dos vínculos matrimoniais, a mera vontade individual não seria suficiente para a dissolução do casamento.
Todos aqueles mecanismos, que conferiam a família uma sólida estrutura, suficiente para torná-la um ente mitigador do poder estatal, já se encontram há muito reduzidos a pó. O divórcio minou a necessidade de um esforço genuíno para manutenção dos vínculos afetivos, semeando a possibilidade fácil de uma dissolução; a facilidade do aborto e dos métodos contraceptivos favoreceram a adoção de uma mentalidade anti-natalista, tornando o divórcio ainda mais fácil, pois a ausência de filhos enfraquece o vínculo marital; o desarmamento destituiu o homem da sua função de proteção; a obrigatoriedade da matrícula nas escolas, cuja matriz curricular é imposta pelo Estado (e pela ONU) destituiu a mulher de sua função educacional.
No lugar dos mecanismos da família, sobreveio o Estado moderno, com uma escolarização precária e obrigatória, um aparato de segurança pública incapaz de conter a violência contra os indivíduos; um sistema assistencialista que suborna e condiciona o povo a viver da esmola estatal. Tudo sustentado por uma burocracia infernal e uma tributação tão pesada que faria Hércules arquejar. Enquanto isso, a classe política goza dos privilégios mais hediondos, que fariam inveja a qualquer família monárquica do período absolutista.
O advento dos direitos de família modernos deu-se no período da ditadura fascista (mas fascismo de verdade, não aquele fascismo de xingamento de esquerdista) de Getúlio Vargas, o que mostra bem a sua índole. Assim, a primeira Constituição brasileira a tratar da família foi a Constituição do governo Vargas em 1937, e desde então nunca mais saiu do ordenamento jurídico. Assim sucederam as constituições de 1937, 1946, 1967 (já no regime militar) e a atual, de 1988.
Após quase um século de crescente “conquista de direitos”, podemos agora fazer um balanço do resultado dessa preocupação paternal do Estado com o nosso bem-estar: daquela solidez da instituição familiar no início do século XX, não restam senão alguns farrapos. A extrema facilidade para se divorciar garantida pela legislação, seguida pela revolução sexual e a ideologia marxista, foram seus principais algozes.
Em geral, os países europeus e anglo-saxões foram bastante rápidos na aprovação do divórcio. A França, por exemplo, o aprovou em 1816. No Brasil, foi objeto de acalorados debates no senado por mais de 70 anos, até que aprovado somente em 1977. Rui Barbosa, o patrono dos advogados brasileiros, foi um ferrenho adversário da dissolução do casamento.
Em artigo publicado no jornal A Imprensa, em 5 de agosto de 1900, afirma que o divórcio, para os povos de língua inglesa, nasceu com a Reforma Protestante, fruto direto do anglicanismo . Para os povos latinos, nasceu com a Revolução Francesa. No artigo, Rui Barbosa narra a iminente dissolução dos costumes, o abandono dos filhos e o esfacelamento da sociedade, que, em seu entendimento, seguiria à aprovação da tal novidade. Os adversários do divórcio, na época, sugeriam que a dissolução da família daria causa a uma epidemia de alcoólatras, e suicidas. Foram vencidos e ironizados. Rui Barbosa, cita uma canção francesa da época:
Eu tinha apenas uma mulher, e às vezes faltava algo ao casal;
Terei duas, terei três, que delícia, que cantoria;
Agora que a gente pode se divorciar, que prazer casar de novo todos os anos;
Como as crianças vão se alegrar, meu amigo!
É verdade que já não saberão muito bem onde encontrar pai e mãe, se à caça em Charlot ou na rua Beaurepaire;
Porque pobres crianças abandonadas,
será mesmo preciso que acabem mendigando ou guilhotinadas;
A natureza a todos sorri, meu amigo!”
Passados mais de 120 anos, podemos agora visualizar que o divórcio, no curso do século XX, foi fortemente impulsionado pelo influxo da filosofia marxista, que vê na dissolução da família uma estratégia fundamental para a derrubada do sistema capitalista. Quem não sabia disso, sugiro que leia A Ideologia Alemã, A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado, e O Suicídio, obras de Marx e seu fiel escudeiro, Engels. Não só o divórcio, mas tudo aquilo que, de alguma forma, enfraquece a coesão familiar, foi apontado como mecanismo importante a ser garantido pelo Estado. Assim, a Rússia comunista, sob o comando de Lênin, foi o primeiro país a aprovar uma solução radical para o problema dos filhos abandonados por pais divorciados: o aborto.
A prática de matar o filho antes do nascimento se tornou lícito na nação comunista em 1920, fragmentando o vínculo que mais fortemente unia e preservava os cônjuges. Desde então, esta medida se espalhou junto com o comunismo, impulsionada por intelectuais e partidos da violenta extrema-esquerda. Encontrou um novo fôlego com a revolução sexual dos anos 50 e 60, sob o slogan da liberdade sexual, adentrando no pensamento feminista, cujos pressupostos e objetivos coincidem com aqueles de índole marxista: a família é um instrumento de dominação masculina que garante a estrutura do capitalismo através da propriedade privada. Assim, divórcio e aborto tornaram-se aliados contra o capitalismo, pois consideram a família tradicional como um obstáculo ao advento de um “mundo melhor”, isto é, aquilo que imaginam como a justiça de uma sociedade socialista.
Assim, temos o seguinte cenário: a derrocada da família se deu pela atuação histórica do protestantismo, da Revolução Francesa e da filosofia marxista, cujo descendente direto, o feminismo contemporâneo aliado da ideologia de gênero, é um de seus pontos culminantes. Ao longo dessa história, sob o slogan da liberdade, promoveu-se o divórcio, inviabilizando o antigo método para o crescimento financeiro dos mais pobres através da estabilidade familiar; criou-se uma legião de famílias fragmentadas e crianças abandonadas, seguido do crescente abuso de drogas e álcool, culminando com uma taxa altíssima de suicídio; eis em resumo o desfecho trágico que agora contemplamos.
Diante de tudo isso, talvez alguém pense que a família tradicional seja o melhor mecanismo para vencermos o avanço socialista, travestido atualmente em abortismo, feminismo e ideologia de gênero. Isto de fato não é uma conclusão equivocada e aliás faria eco a um ensinamento de Madre Teresa de Calcutá: “Quer fazer algo pela paz mundial? Vá para casa e ame sua família”. No entanto, devemos acrescentar: mais do que um mecanismo para vencer a opressão estatal e a ideologia política fanatizante, recuperar as verdadeiras funções da família, com a consciência do papel que homens e mulheres exercem, um diante do outro – e diante dos filhos – é vital para que saiamos da barbárie e entremos no status de civilização.