Dartagnan da Silva Zanela

Nada melhor que acordar bem cedo, com o cantarolar da passarinhada e abrir de vereda a janela para sentir a fresca entrando em todos os ambientes da casa. Sim, amigo leitor, sei que há outras coisas boas que podem acontecer em nossa vida, mas, com roupas, com certeza, essa é uma das melhores que há.

Eu sei, estou sabendo que gosto não se discute, cada um tem o seu, já há muito dizia uma criancinha comendo gulosamente um baita ranho recém tirado do nariz. Porém, creio que seja praticamente incontestável que exista aquilo que nossas avós chamavam de bom e mau gosto. Ao menos é o que vejo todo santo dia. Demonstrações cabais de ambos os tipos de hábitos.

Longe de mim dizer para alguém do que ela deve gostar. Que cada um seja senhor de sua vontade e escravo de sua consciência; e, se não for o caso, que se sinta à vontade para ser escravizado pelos seus desejos e que, sem cerimônia, se curve perante o senhorio de seus caprichos.

Como dizia meu falecido avô: o que é do gosto é regalo da vida. Só não se queixe depois.

Lembro-me, também, que em minha porca juventude, eu e meus amigos, alegremente, cantávamos: eu sou brega, mas sou feliz; muito mais brega é o meu país. Que fiasco. Que faisqueira.

Aliás, quem não tem nenhuma esquisitice que atire a primeira pedra, não é mesmo? Eita! Quase me acertaram. Sorte minha que os caiporas metidos a dar uma de bom-moço são ruins de mira.

Vamos em frente. Penso que seja relevante lembrarmos que entre as inumeráveis manifestações de mau gosto há algumas que não são apenas uma espécie de cafonice inocente; há algumas que são realmente malignas, lesivas para seus cultivadores e para as pessoas que convivem com ela.

E é nesse ponto que a porca torce o rabo e o relativismo moral revela sua verdadeira face.

Por isso, e por muito mais, amo as epístolas paulinas. Numa delas, o apóstolo dos gentios nos lembra que tudo, tudinho nos é permitido, porém, nem tudo convém (1 Coríntios VI, 12). Creio que mais claro que isso é impossível, porém, ousar lembrar o óbvio ululante nos dias de hoje tornou-se algo tremendamente inconveniente, principalmente para a galerinha que se considera sumamente esclarecida.

Um exemplo gritante disso é o sentimento de raiva que nutrimos, lá de vez em quando, por uma e outra pessoa. Sei que isso é feito pra caramba e que ninguém em sã consciência sairia em público, em jornais e nas redes sociais, dizendo – de modo similar ao personagem Pit Bicha de Tom Cavalcante – que deseja que fulano m-o-r-r-a. Mas é inegável que, às vezes, num momento de raiva ou ressentimento, nos vejamos, lá no fundo do nosso coração, esganando Cicrano ou Beltrano.

Sim, eu sei, isso é muito feio, mas é humano e, por isso mesmo nos envergonhamos quando, no íntimo de nossa alma, nos flagramos imaginando fazendo uma barbaridade dessa e, por isso, pedimos perdão a Deus, pedimos o auxílio divino para nos livrarmos desses maus pensamentos e sentimentos.

Tudo bem, tudo bem, eu sei que tem um monte de gente que se considera muitíssimo limpinha e que, com o narizinho empinado, e olhos vidrados, diz a todos que é uma alminha cheia amor e tolerância e que só cultiva sentimentos fofos em seu coração depilado. Porém, como todos nós sabemos, isso não convence ninguém, a não ser as pessoas igualmente limpinhas como ela, que contam a mesma lorota para si e para os outros, escondendo-se por detrás duma falsa consciência pretensamente esclarecida.

É. Justamente quando nos consideramos moralmente cheirosos e politicamente fofinhos que a peçonha totalitária se espraia gostosamente no brilho de nossos olhos, levando-nos a não mais nos envergonharmos diante do mal que habita o coração humano. Muito pelo contrário. Passamos a nos orgulhar do mal que sentimos e o expressamos como se isso fosse um símbolo de distinção.

De certa maneira a chamada “cultura do cancelamento” é isso. Todos aqueles que, graciosamente, manifestam sua bile sem o menor pudor, o fazem acreditando que sua cínica crueldade é legítima e, assim o é, porque essas pessoas estão se colocando muito além do bem e do mal. Elas estão decretando, festivamente, quem merece  ou não estar no meio de nós.

É óbvio que as almas limpinhas, porém sebosas, irão dizer para si e para os seus, que todo mundo faz isso, que Cicrano também e, principalmente, que até o Beltrano faz aquele outro. Tal atitude, típica de uma criança que tenta, perante os pais, justificar a sua traquinagem, não justifica esse tipo de perseguição baseada em má fé e outras coisinhas vis que geralmente escondemos debaixo do tapete da alma.

De mais a mais, como havíamos expresso linhas acima, há uma diferença abissal entre desejar o mal em nosso coração, e envergonharmo-nos disso, e manifestar o mal que há em nosso coração, e nos acharmos uma pessoa profundamente crítica e “do bem” por estar fazendo isso.

Os primeiros, creio que entendem perfeitamente bem o que estamos dizendo; os segundos, espero que entendam, apesar de isso parecer-me ser algo pouco provável.

Escrevinhado por Dartangan da Silva Zanela – apenas um bicho do mato que gosta muito de uma boa xícara de café.

Site: http://zanela.blogspot.com/

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