Foto:  Renata Brasileiro Franco

Foi com tristeza, indignação e preocupação que recebemos a notícia do assassinato de Iracema Correia dos Santos, ocorrido em 19 de dezembro de 2024 no Faxinal do Bom Retiro, município de Pinhão, Paraná. A covardia e a brutalidade da morte de uma senhora de 67 anos de idade, que estava sozinha em sua própria casa, atinge todas as famílias da região.

Há décadas essas famílias lutam pelo direito ao território e convivem com diversas formas de violência, inclusive com a recorrência de assassinatos, os quais não têm recebido a devida atenção do poder público. Dona Iracema, liderança faxinalense, era uma mulher alegre, sorridente e acolhedora. Era bonito o modo com que nos recebia em sua casa, contava seus causos e nos mostrava, orgulhosa, os porcos que criava soltos em seu terreno, prática que também é símbolo da resistência dos povos dos faxinais. Durante boa parte de sua vida, ela teve que enfrentar o
assédio de jagunços da madeireira Zattar, a qual se instalou na região por volta da década de 1950, dando origem a conflitos que persistem até os dias de hoje.

Junto a outras famílias, Dona Iracema contribuiu com a organização de movimentos sociais na luta por direito à terra e a seu modo de vida. Em 2005, ela ingressou na Articulação Puxirão dos Povos Faxinalenses. Através da mobilização social de Iracema e dos demais faxinalenses de Pinhão, o Faxinal do Bom Retiro foi reconhecido em 2013 como Área Especial de Uso Regulamentado (ARESUR), forma com que o Estado do Paraná concede direitos territoriais a essas comunidades tradicionais (Resolução SEMA nº 019 – 28 de Maio de 2013).

O próximo passo para o reconhecimento do território faxinalense será a certificação da área como Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS), processo que está em curso e tem uma visita agendada do ICMBio para 25 de janeiro.
O Faxinal do Bom Retiro é uma área caracterizada por disputas pelo direito territorial e preservação ambiental, em que o enfrentamento com a madeireira Zattar marca a história de todos os movimentos sociais locais. Trata-se de um território rico em nascentes, mananciais e matas de araucárias, além de servir de refúgio à vida selvagem. Há mais de
trinta anos as famílias que participam desses movimentos têm buscado dialogar com os governos e criar frentes para a solução dos conflitos territoriais no município.

No entanto, a morosidade e a negligência do Estado, que muitas vezes se alia aos interesses dos grandes
empresários, têm contribuído com o recrudescimento desses conflitos e violências. Nos últimos dez anos, as áreas de plantação de soja invadiram os espaços das comunidades, que também sofrem com a especulação das terras disputadas com a madeireira. Fazendeiros de fora arrendam terras de faxinais, empresários da região buscam
convencer as famílias a negociarem terrenos por valores irrisórios, e houve diversos atentados contra os membros dos movimentos sociais.

Entre esses eventos, destacam-se as queimas de casas e assassinatos, os quais resultaram inclusive nas mortes de mulheres e de crianças. No Faxinal do Bom Retiro, especificamente, Dona Iracema enfrentava as pressões de outros moradores que não se alinhavam às normas da ARESUR e ao coletivo faxinalense.

Esperamos que as investigações encontrem os culpados por esse crime brutal e fazemos um apelo ao governo federal para que avance no reconhecimento dos direitos à terra e ao território das comunidades tradicionais de Pinhão e atentem para a segurança das famílias do interior do município. Independentemente das causas deste crime, pedimos para que o Estado compreenda que não é mais possível tratar essas violências como questões de
ordem pessoal, mas sim como parte de dinâmicas sociais de conflitos fundiários e violências que há muito tempo atravessam e corroem as existências dos povos dos faxinais, sem a devida atenção do Poder Público. Prestamos nossa solidariedade aos familiares de  Dona Iracema, bem como a todas as comunidades que têm vivido esses conflitos há
gerações. Dona Iracema, presente!

Profa. Dra. Dibe Ayoub – Juçara (Grupo de Estudos das Políticas da Terra) – IEAR/UFF
Prof. Dr. Reginaldo de Lima Correia – Faxinalense – Geografia UFFS – Campus Laranjeiras do Sul
Profa. Dra. Liliana Porto – Projeto Documenta – PPGAA/UFPR
Profa. Dra. Thais Giselle Diniz Santos (líder Centro de Estudos e Assessoria Popular – CEAP-ABYA YALA) – Direito UFSB

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