Por Dartagnan da Silva Zanela (*)

Carlos Drummond de Andrade conta-nos que, certa feita, num desses internatos, havia dois garotos que, ansiosos, aguardavam pela vinda do seu padrinho para levá-los passear. O padrinho chegou, porém, apenas um foi ao passeio. O outro não teria se comportado bem no correr do mês e não atingiu a nota mínima estabelecida nas disciplinas. Ou seja: dançou.

O passeio foi uma maravilha e, ao final, o padrinho presenteou o garoto com um mimo. Um brinquedo que ele poderia escolher numa loja. Uma loja farta, com tudo que um garoto pode sonhar e, o moleque, escolheu uma gaitinha de boca.

Seu irmão lhe caçoou, pois, com tantas opções, como pôde o tonto do seu irmão escolher algo tão simplório? O infante disse que havia tantas opções para escolher e o tempo estava tão apurado que ficou meio zonzo. O mano pensou: “deixe comigo. Vou tirar boas notas, comportar-me, e na próxima vinda do padrinho eu irei passear e vou mostrar como é que se escolhe um brinquedo”.

Dito e feito. Passeio agradável, divertido e, ao final, o mimo. Seus olhos luziram diante de tantos brinquedos. Manuseava um, testava outro e, ao fundo, seu padrinho dizia para ele apurar, pois, precisavam ir. Tanto foi o apuro e tamanha a fascinação que, tal qual seu irmão, acabou por escolher uma simplória gaitinha de boca.

E nós, de modo análogo aos pequenos guris, vivenciamos o pleito eleitoral. Análogo, não igual, haja vista que o lojão de brinquedos políticos não é assim tão diversificado e a apresentação dos mesmos não é assim tão fascinante. Pra falar a verdade, os ditos cujos não dão nem queredeira de brincar. Mas, no final, acaba-se escolhendo uma coisinha qualquer só para não agravar o padrinho, não é mesmo?

A pressa é tanta que nem paramos para refletir adequadamente sobre as opções. E, verdade seja dita: de tão pouco interessantes que são os brinquedos que, se bem ponderado for o valor de cada um, recairá rapidamente sobre nosso semblante uma atmosfera macambúzia que quase nos faz vergar os ombros para frente dizendo que, no frigir dos ovos, não queremos levar nada. Nadinha.

Não que os brinquedinhos sejam ruins, muito menos que eles sejam o suprassumo da excelência. É pior! Não representam nada que realmente possa ser considerado significativo.

Sim, eu sei que eleição não é brincadeira, cara pálida. Mas vocês só podem estar de zoação querendo que eu leve a sério o que as meninas de minhas vistas e os guardiões de meus tímpanos têm testemunhado. Estamos num quadro tão complicado que não podemos nem mesmo nos dar ao luxo de dizer que estamos numa encruzilhada porque, para poder ser uma, deveria haver ao menos duas opções, o que de um modo geral não há.

Tudo é encenado com aquele ar de serenidade democrática, permeado com um e outro rompante ao fundo para dar um toque de credibilidade a tudo, porém, quando bem ponderados as medidas e pesos ideológicos, percebe-se com grande clareza que impera em nossa sociedade um único e monolítico viés político com algumas pequenas divergências quanto ao uso do quinhão público.

Por isso, nessas horas, toda e qualquer ordem de esclarecimentos torna-se pífio, como nos lembra Anatole France, porque eles nunca são fortes o bastante para sobrelevar as paixões, os preconceitos e, principalmente, os interesses. Por mais óbvios que sejam os fatos, por mais claras que sejam as explicações, elas não tem a pujança necessária para vencer a frivolidade de espírito de todos os homens.

Por isso, quem quiser brincar de cidadão esclarecido e participativo, divirta-se; porém, ao final, qualquer que seja a decisão tomada pela massa cívica ao digitar os números de sua preferência nas maquininhas de pililim, será uma decisão similar a tomada pelos garotos de Drummond que foram apresentados no início dessa missiva e, por mais otimistas que nos sintamos nesse momento, tudo continuará como dantes nesta terra de olhares ululantes.

(*) Professor, cronista e bebedor de café.

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