O mundo é repleto de belezuras. Como é. Mas, para o meu gosto, creio que não há nada mais belo do que um sorriso de alegria e gratidão estampado no rosto duma criança com os olhinhos miúdos a mirar-nos.

Ela não diz nada, apenas sorri e, desse jeitinho, diz tudo o que nós adultos não mais conseguimos exprimir, nem mesmo com boleiras de palavras e imagens.

E somos assim, obtusos e tacanhos, não porque os anos nos embruteceram com o fardo da maturidade. Nada disso.

Ficamos abobados assim não porque deixamos de ser crianças, mas sim, porque nos tornamos adultos infantilizados.

Se fôssemos realmente figurinhas amadurecidas teríamos vivo em nosso peito a imagem do infante que um dia fomos e não seríamos esse arrogante mimado pela modernidade, que é celebrado pela nossa cultura decadente como sendo um cidadão criticamente exemplar.

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Lembro-me que meu pai, quando era mais moço, e minha mãe lhe comprava uma peça de roupa, a primeira coisa que ele fazia era, com uma tesoura, cortar a etiqueta da mesma, pouco importando qual fosse a marca do pano.

Sem dó o homem metia a tesoura nos pedaços de couro, tiras de tecido e bordados dependurados que estavam pelas pontas e cantos da roupa. E o mais engraçado é que ele fazia isso alegremente feito um barbeiro cortando os ralos fios de cabelo de um careca.

Vendo isso, em minha meninice, um dia perguntei para meu velho porque ele fazia essas coisas e ele, sem pestanejar, me disse: “paguei para ter uma roupa pra vestir; não estou sendo pago pra fazer propaganda para uma grife”.

Pois é. Hoje, muito mais do que ontem, o que tem de caboclo que paga até os tubos pra fazer propaganda para marcas e grifes não está no gibi. E o mais gozado é que fazem isso como se fosse uma baita duma vantagem; com a maior alegria do mundo, feito um barbeiro cortando os ralos fios de cabelo de um careca.

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Reminiscência. Tudo acaba sendo, cedo ou tarde, apenas isso: uma reminiscência. Das inúmeras que guardo nos armários e prateleiras de minha empoeirada memória há algumas que, vez por outra, acabam saindo das sombras onde estavam bem guardadas para banhar-se, faceiras da vida, na luz do presente.

Danadas. Quando fazem isso acabam sempre por me arrastar para o palco do reviver interior, onde me vejo envolto de momentos a muito vividos e que, ao seu modo, suscitam em mim algumas reflexões, muitas delas que nada tem que ver com a lembrança que abusadamente se espraia diante de minha alma, mas que, sou franco em dizer: são-me muito úteis.

Algumas vezes tenho a impressão de que essas coisinhas fora de suas caixinhas tem vida própria e, duma maneira um tanto que imprópria, dão aquele apertão em minhas feridas pustulentas que a muito deixei de relar, porque são doloridas, mas as lembranças, “sacumé”, lá estão para me chamar a atenção para os mil e um defeitos e inutilidades que carrego como sendo uma marca indelével da minha personalidade e que, por isso mesmo, devem ser encarados de frente, por meio de uma humilhante confissão perante o silente tribunal da minha atordoada consciência.

Situação essa que, ao seu modo, é arranjada pelas figurinhas amareladas que pululam no meu álbum de lembranças.

Humilhante e, por isso mesmo, algo necessário para que eu possa fazer um certo acerto de conta com meu passado para corrigir e, quem sabe, melhorar o indócil traste que sou ainda no momento presente; esperando, se possível for, não ser mais esse trem fuçado para todo o sempre.

Acho difícil que isso ocorra, mas, como diz o ditado: a esperança é a última que morre. É. Mas a primeira que entrega os betes.

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Na cumbuca da galera que não se cansa de ficar gritando aos quatro ventos digitais que elas são democráticas, tolerantes, lindas e cheirosas [mesmo estando com a gargantinha rouca], diversidade de opinião não seria a presença de vários pontos de vista sobre uma questão ou problema. Não. Nananinanão. Para essas alminhas leves e puras, diversidade é a presença de vários sujeitos com o mesmo ponto de vista [o deles, e claro] sobre os mais variados assuntos. Para elas isso sim é liberdade de expressão. Para eles, isso sim, Orwell do céu, seria a democracia em sua plenitude. E, qualquer um que ouse dizer uma vírgula em contrário, já sabe do que será rotulado, não é mesmo? Sabe sim. É claro que sabe.

Escrevinhado por Dartagnan da Silva Zanela.

   

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