Muriel

Por Nara Coelho

Ao pensar na escolha das seis mulheres que entrevistaria para o Especial Mulher, a primeira certeza que veio à mente, entrevistaria uma mulher da área da saúde, pois, com certeza todas as mulheres merecem ser homenageadas, mas, nesse ano, é preciso que tiremos o chapéu e aplaudamos em pé as enfermeiras, médicas, técnicas em enfermagem, as que atuam na área da limpeza e administrativa dos hospitais e postos de saúde públicos, pois elas estão ainda enfrentando de frente e de peito aberto um inimigo invisível, desconhecido, que se transforma sempre e pode ceifar a vida das pessoas.

Ao entrevistar a Muriel, estamos dizendo obrigada a todas essas mulheres que colocam suas vidas em risco para salvar a vida das outras pessoas.

Muriel Boeira da Silva é uma mulher…

Foto: Arquivo Pessoal

Alegre, esportista, envolvida com o que faz, ao mesmo tempo brincalhona, que atrai as pessoas, é reservada, acredita na vida, mas é consciente que essa vida pode mudar sem aviso prévio, que, sobretudo que fala, está incluído a mãe e tem a presença dos irmãos. Verdadeira, que não sabe fingir, quando ela gosta, ela gosta, mas, quando não gosta, não tem o que lide, muito amiga, leal, busca sempre melhorar.

Muriel, a espoleta…

Hoje está com 28 anos, é a filha do meio do casal Jocelia Aparecida Boeira da Silva e João Carlos da Silva, (in memória). Os irmãos Jhow e João fizeram toda a diferença na sua infância, “Desde pequena sou bem espoleta, o meu avô brincava que se eu demorasse mais um minuto para nascer tinha nascido um piá”.

Essa relação entre os irmãos só se fortaleceu com o tempo, não que não houvesse “briguinhas”, “Às vezes tem o ciúme, o mais velho quer sempre te proteger e o mais novo você quer proteger, sempre fomos muito unidos”.

Essa ligação com os irmãos trouxe pequenas decepções para a mamãe Joscelia, ela conta entre risos, “Quando eu era pequena queria usar short, camiseta para brincar à vontade, a mãe queria colocar pregadeirinha, laço no meu cabelo, que eu andasse de sainha, nunca gostava muito, queria andar de tênis, jogar bola, para poder brincar com os meus irmãos, que eram minhas referências”.

Família… “Meu tudo”

Muriel com a mãe
Foto: Arquivo Pessoal

Durante toda a entrevista, o que fica evidenciado é que Muriel tem um orgulho danado da sua família, da mãe, “Minha mãe é meu tudo”, os irmãos são mais que irmãos, são os companheiros das estripulias, das conquistas e das lutas, “Nossa família sempre foi muito unida. Sempre recebemos muita proteção dos nossos pais. Eles nos criaram com as mesmas regras, nunca houve diferença porque um era menino e eu era menina. Nosso vínculo afetivo, nosso cuidar um do outro e nosso companheirismo é imenso”.

Foto: Arquivo Pessoal

Uma dor… uma aprendizagem…

Toda a entrevista foi com muitos risos, Muriel é intensa, ela se entrega a tudo de cabeça, assim quando contava histórias vividas com as amigas, irmãos, no trabalho, todo seu rosto vibrava.

Muriel com seu pai (in memorian)
Foto|: Arquivo Pessoal

Mas em um dado momento, seus olhos brilharam, mas ela precisou conter as lágrimas porque a lembrança trouxe alegria, amor, admiração, mas trouxe a saudade quando ela falou um pouquinho do pai, “Meu amigo, meu incentivador, a perda dele mexeu muito comigo, mas ela me fez evoluir, graças a Deus tenho a mãe, que é tudo na minha vida”.

Esportista já no pré…

Muriel sempre foi envolvida com tudo, energia para participar das atividades diversas não faltava, seja de dança ou de esporte.

O esporte entrou na sua vida no pré escolar e não saiu mais, “Quando estudei o pré escolar no Frei Francisco tinha o Jogos da Criança, o professor Marcos nos treinava, eu jogava caçador, trilha, dama, saltava, corria, jogava bets,

O Volei…

Foto: Arquivo Pessoal

No ensino fundamental II, o professor de Educação Física, Geraldo Grokoski, que se tornou muito importante em sua vida, convidou-a para jogar vôlei, que virou paixão. “Professor Geraldo, hoje meu Padrinho, me convidou para jogar volei eu amei”, contou Muriel.

Volei e o tênis de mesa são sua paixão, mas, para ela, o importante era estar jogando, “Paixão, volei e tênis de mesa. Na verdade, eu jogava de tudo, futsal, handebol, onde tivesse uma bola eu estava lá, sempre recebi muito incentivo dos meus pais e irmãos”.

“Fase sensacional, não tem comparação, jogos é tudo de bom”, completa Muriel muito eufórica.

Amizades eternas…

Foto: Arquivo Pessoal

D tempo dos jogos ficaram as amizades, “A gente cria um vínculo que é muito dificil que se quebre, nós estudávamos juntas, treinávamos 3 vezes por semana e todo ano, de março a agosto iamos para jogos juntas. Os laços vão só se fortalecendo, nem sempre era facil, porque pense 12 mulheres menstruando na mesma época e todo mundo de TPM” (muitos risos).

Algumas amigas ficaram mais próximas, “Eu tenho a Jéssica que vamos à academia juntas e nos falamos várias vezes ao dia, a Mary, fisioterapeuta, Jesinha, fonoaudióloga, trocamos figurinhas sobre os pacientes e que são primas, mas, com todos construímos um vínculo que não é facil de quebrar, quando a gente se encontra parece que nuca estivemos distantes, há intimidade”.

Esporte trouxe…

“Com o esporte aprendi a vencer minha timidez, a lidar com as pessoas, a ter disciplina a querer melhorar, evoluir sempre, buscar me superar como pessoa e profissional”.

Amor

Foto: Arquivo Pessoal

Há 2 anos Muriel compartilha a vida com Rafael Antonio Bet, casar, nunca foi uma prioridade para ela, mas estar com o Rafael é muito bom, “Para me sentir completa como mulher, ter ou não um companheiro é indiferente. Mas ter, é bom, eu e o Rafael nos damos super bem. Nunca pensei, sonhei em casar e ter filho foi, uma consequência, veio na hora que tinha que ser”.

Enfermagem…

Contrariando a expectativa das pessoas que, devido à ligação forte que Muriel tinha com o esporte, acreditavam que ela faria a faculdade de Educação Física, ela escolheu Enfermagem, “Escolhi a Enfermagem porque sempre gostei da área da saúde, Educação Física no vestibular era a minha segunda opção”.

Aprovada no vestibular da Unicentro ela entrou na faculdade com 17 anos, se formou com 22, hoje com seis anos atuando como enfermeira, dois trabalhando num hospital em Prudentópolis e quatro como enfermeira concursada do municipio de Pinhão declara, “Não me arrependo nem um minuto, o ano passado, no auge da pandemia da covid-19, a mãe brincava “porque eu deixei você fazer esse curso”. È destino, o que é para ser é, eu gosto bastante, não me arrependo, gosto muito do que faço”.

Enfermeira em 2020…

Foto: Arquivo Pessoal

Agora em 2021 a enfermeira Muriel está atuando no PSF, Posto de Saúde da Família do bairro, Vila Caldas, “Tranquilo, sossegado, cumpro meu horário e venho para casa, que é aqui no bairro, bem pertinho do posto”.

Em 2020 era a coordenadora do setor da Atenção Primaria, trabalhava no Posto Central e teve que atuar na linha de frente no combate à pandemia do covid-19.

“2020 é Indescritível”!

“2020 vai ficar marcado para sempre, não acabou ainda a gente sabe, mas eu acredito que foi um ano que ninguem esperava que fosse como foi. Ninguém acreditava que tomasse a proporção que tomou. Foi muito, muito dificil, porém, fez a gente evoluir muito como pessoa e profissionalmente”.

Os acontecimentos…

“Eu lembro bem do início, em dezembro/19 explodiu na China e a gente não esperava que tomasse a proporção de pandemia. Foi pós carnaval que começaram  a aumentar os casos no Brasil e começamos a falar do assunto com os colegas, comentar as notícias do que estava acontecendo nos outros estados”.

Primeira conversa…

“A 5ª regional nos convocou no dia 21 de fevereiro para um treinamento, na verdade para uma conversa, porque era tudo novo, ninguém conhecia nada. Voltamos de lá, reunimos a equipe da saúde do municipio, enfermeiras e médicos para ver o que faríamos”. Ela deu uma pausa na fala para reorganizar pensamentos e emoções e continuou …

O caminho teria que ser construído…

“O que era mais dificil e angustiante é que não tinha receita pronta, protocolo, não tinha nada, tivemos que partir do pouco que estávamos sabendo, vendo, lendo, eram decisões em cima das informações daquela hora, fazíamos o que era melhor naquela hora e para aquela hora”.

Um dia de cada vez…

Foto: Arquivo Pessoal

Muriel  a enfermeira Ana Lourdes, que coordenava o setor de Epidemiologia do municipio trabalhavam juntas no enfrentamento à pandemia, “No final da tarde, sentávamo-nos para avaliar o dia e a minha preocupação era evitar o pior, queria organizar, buscar prevenção e a Ana dizia, “Muri, calma, vamos um dia de cada vez”, era bem isso, não tinha como você programar uma ação para a próxima semana porque não tínhamos como prever o que aconteceria no outro dia”.

Primeiro caso…

“Entre nós da equipe da saúde, sempre brincamos que tudo que está pra acontecer em relação à saúde no que se refere a problema, acontece primeiro no Pinhão, com o covid-19 não foi diferente, o primeiro municipio da região a ter caso confirmado, foi aqui e aí já teve a movimentação do comércio”. Ela completou, “Envolveu muita gente, tomou uma proporção muito grande, todo mundo assustado, a gente não sabia o que ia acontecer”.

 Sensação era que todo mundo ia morrer…

“No começo era tudo muito assustador, a sensação era que todos iam ficar doentes e morrer. Mas, graças a Deus, as coisas foram se encaminhando, a gente foi conseguindo estabelecer algumas normas e protocolos nas unidades, foi dando tudo certo, na medida do possivel”.

Medo de contagiar os que amamos…

Se teve medo de morrer, Muriel conta que tinha medo que as pessoas que ela ama fossem contagiados, “Sensação da morte, eu tive, mas com os próximos. Não me preocupava comigo, não pensava na minha morte, a gente sei lá, vai lá, trabalha, enfrenta, sabe que tem que fazer e faz. Mas o medo de passar para alguém foi terrivel”.

60 dias em Faxinal do Céu…

Muriel e mais alguns colegas, para garantir a proteção dos familiares, ficaram 60 dias morando numa casa em Faxinal do Céu, “Às vezes, quando vinha no portão de casa dar uma olhada no povo, o meu irmão João, que gosta muito de abraçar, apertar, queria vir me abraçar, eu dizia não João, não quero, fique longe, ele dizia, você é uma chata, a minha mãe dizia, respeite a vontade dela João, foi muito dificil, mas era preciso todo cuidado”.

Dr. Brandão…

 “Foi num momento que nós já estavamos nos tranquilizando, nos levantando, achando que o mais dificil havia passado, ai veio o golpe da perda dele, todos perdemos, trabalhávamos todos os dias juntos”.

Ela contou que eles sentiram e ficaram triste por cada pessoa que ficou doente e que infelizmente veio a óbito, porém a morte do médico Carlos Brandão abalou muito a equipe da saúde.

“A perda do dr. Brandão foi terrível para nós, inclusive a mãe quando soube já me ligou, “Como voce está”, eu respondi, nem fale comigo porque hoje tá complicado”.

Foto: Nara Coelho/Fatos do Iguaçu

Emocionada, Muriel lembra, “Era uma das coisas que tinhamos nos comprometido de um cuidar do outro, cuidávamos, ele estava lá todo dia com nós, ele era uma pessoa sensacional, maravilhosa”.

Pós 2020…

“Eu, no final do ano, tive uma urticaria generalizada, a dermatologista explicou  que era o corpo respondendo a todo o ano de stress que havia passado. Como eu, vários colegas que atuam na saúde manifestaram doenças que são comuns pós situação traumática”.

Ser mulher…

Foto: Arquivo Pessoal

“É carregar uma carga cultural, histórica, de vivencia, sempre desafiador. Existe mulheres que nunca vão encontrar desafios por ser mulher, mas há aquelas que vão sofrer uma vida, por ser mulher. Às vezes até brinco que não queria ser mulher, mulher menstrua, mas a gente entende que tudo faz parte.  Não é facil, mas é muito bom”.

Preconceito…

“Nunca sofri preconceito, eu sou mulher e às vezes faço o que o homem faz e faço o que eles às vezes não fazem.  Não sei dizer uma coisa ruim que tenha passado por ser mulher. Eu quero, eu faço, eu gosto de mostrar para mim mesma que eu consigo, tenho capacidade, eu tentei, eu fiz”.

Mas a realidade de muitas…

“Eu sei que existe muitas dificuldades, preconceitos, a violencia doméstica, o feminicídio ainda estão acontecendo, a gente fica extremamente preocupada, abalada por aquelas que passam por essa dificuldade.

Ainda há muito dessa separação de coisa de homem e de mulher. Contudo, hoje tem se discutido muito sobre a questão de gênero, quando você tem mais informação você toma mais poder para si. Os homens vêm mudando a mentalidade, mas é um processo de formiguinha, que vai evoluindo para a igualdade”.

Hoje…

“Hoje temos mais liberdade para fazer o que queremos, eu saí estudar fora, sou independente, me viro, coisa que as mulheres antigamente não conseguiam, elas tinham um único destino, cuidar da casa e dos filhos. Eram dependentes daquela situação cultural, isso tem mudado. Meus pais me diziam: sempre estude para você não depender de homem, se virar com as tuas pernas, eu aprendi a lição”.

Se cuidar…

“Mulheres, é importante se cuidar! Cuidar da saúde física e mental. Buscar sua independência econômica, informação sobre seus direitos. Trabalhar a autoestima, cuidar da estética, cuidar do interior, se amando, buscar o que gosta. Tem os altos e baixos, coisas negativas, quanto mais falar delas, mais atrai, então tem que buscar pensar em coisas positivas, juntar forças internas para driblar as ciladas da vida “

Ter um tempo para si.

Foto: Arquivo Pessoal

Quando eu terminei a faculdade estava pesando 95 quilos, eu morava sozinha em Prudentópolis, comia tudo errado, trabalhava no hospital e dava aula no Senac, não tinha horario para nada .Parei de praticar esporte, mas quando decidi, reverti a situação. Eu falei para mim mesma, vamos mudar isso, fui para academia, faço crossfit, busquei ajuda com uma nutricionista. Perdi 20 quilos”.

“É importante a mulher tirar um tempo para ela, eu tiro um dia da semana no qual eu, a Jéssica e Dinha tomamos nossa cerveja, conversamos, brincamos, isso é cuidar da saúde mental”.

Recado para as mulheres…

A luta continua, ainda não é facil ser mulher, tem que perseverar, continuar firme, fazer o que tiver vontade, buscar a independência na medida do possivel. Ser resiliente.

Muriel hoje…

Foto: Nara Coelho/Fatos do Iguaçu

“É realizada profissionalmente e como pessoa. Precisa aprender a dizer não, o que é dificil, a lidar melhor com as frustrações e não se cobrar tanto. Sonha voltar a estudar, fazer inglês e mestrado, ser mãe um dia, eu tenho medo de projetar e me frustrar, vou devagar, um passo de cada vez, é a minha defesa para lidar com as situações adversas da vida”.

 

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