Eu já ouvi dizer que existem pessoas que, quando decidem fazer ou deixar de fazer alguma coisa, vão lá e fazem.

Vão lá e abandonam o que não mais querem para sempre.

Assim, como em um passe de mágica!

Não tem recaídas ou crises de abstinência.

Como assim?

Eu decido abandonar os doces e começar a malhar toda quinta-feira.

Decido de verdade.

Não faço matrícula na academia toda semana porque fiz quando o ano começou e pago fielmente todos os meses.

Vou lá, religiosamente, toda segunda-feira.

Por que decido quinta e só apareço por lá na segunda?

Assim, a decisão verdadeira acontece tantos dias antes porque é preciso um preparo psicológico para uma mudança tão drástica na vida.

Decido na quinta e começo a me planejar, a me despedir:

Faço um horário para ser cumprido a partir de segunda onde está incluída, com letras garrafais, ACADEMIA.

Com toda a minha rotina decidida, começo a me despedir.

De quem?

Dos doces!

Vou àquela loja onde tem um corredor de doces até o caixa e compro cinco unidades de todas aquelas tentações e penso assim:

“A partir de segunda-feira, todos vocês serão feitos de excremento. E como eu não como essas coisas, a partir de segunda-feira nunca mais como nada disso aqui.”

Quando saio de lá, carregada de delícias, pareço a pessoa mais feliz do mundo.

Sou só sorrisos e nada mais.

Chego à minha casa e saboreio cada um deles como se não houvesse amanhã.
Entre um doce e outro, como pizza, bebo isso e aquilo, sorvete, saio com os amigos e me esbaldo: nesse fim de semana eu posso, estou me despedindo!

O último se vai enquanto escuto a música do Fantástico e a “festa do adeus” está oficialmente encerrada:

“Adeus doçuras, amanhã serei uma nova mulher.”

Amanheço a segunda-feira com esse espírito de novidade de vida.

Tomo café com frutas e castanhas.

Almoço feito de saladinha e grelhado.

Frutinha.

Suquinho.

Chazinho.

Academia.

Castanha.

Quando volto à minha cama, não estou assim tão feliz.

Acordo na terça-feira sem nem conseguir piscar direito:

“Meu Pai, o que aconteceu durante a noite? Fui atropelada enquanto dormia?”

Não!

Claro que não!

Isso é apenas o efeito do primeiro dia de malhação.

Repito a agenda e o cardápio do dia anterior.

Na quarta-feira pela manhã, sinto como se tivesse sido triplamente atropelada, mal consigo me mexer.

Ajunto forças, não sei de onde, e vou cumprir a agenda do dia.

A falta de doces já dá sinais de vida: mau humor, irritabilidade, cansaço.

Ao longo do dia junta a vontade desesperada de mergulhar em um barril de chocolate, de comer o mundo inteiro e a dor que sinto pelo corpo todo que penso é em desaparecer.

Mas desaparecer pra onde?

Aonde eu for minha, vontade e dor irão comigo!

“E se eu comer só um quadradinho de chocolate? E se eu não for só hoje à academia?”

Não!

Não posso!

Se eu deixar de ir só hoje, eu não volto mais, como aconteceu em tantas outras semanas, e hoje ainda é quarta-feira. Se eu comer um quadradinho só, coloco tudo a perder, como já fiz tantas vezes.

O dia termina e eu tô que não me aguento. Juro pelo que você quiser: minha maior vontade é fugir de mim.

Os dias vão passando e eu continuo sem comer doce e malhando.

Miraculosamente, as dores do corpo vão diminuindo e a vontade de comer doces também.

Até que chega o dia em que, de livre e espontânea vontade, me coloco à prova: volto àquela loja que tem doces no caminho da fila para o caixa.

A fila está gigante quando me posiciono com algumas coisas nas mãos.

Vou indo bem até que entro no corredor onde tenho meus doces e chocolates preferidos à minha frente, atrás de mim, de um lado e do outro.

Vou andando na velocidade da fila e repetindo:

“Tudo aqui é feito daquilo que você não come. Você come cocô? Tá sentindo como fede? Então, não toque em nada.”

Enquanto me concentro naquilo que desejo que seja a verdade,a moça que está à minha frente começa a desembrulhar meu chocolate preferido e comer como a maior delícia do mundo, que de fato ele é.

“Acho que hoje você merece comer um desses. Só um não vai fazer diferença. Você está malhando direitinho, comendo bonitinho. Nunca mais comeu um pão, nunca mais chupou uma balinha. Come um, só um, você merece.”

Quando me dei conta esse era o único pensamento que eu tinha.

Tentava pensar que tudo era feito de cocô, mas a única ideia que me vinha à cabeça era a delícia que aquela moça estava sentindo.

De um minuto para o outro, sem ver como, estava com o chocolate na mão já pronta para abri-lo!

Tomei um susto, abandonei tudo que ia levar ali mesmo e aos solavancos fui andando na contra-mão, atropelando todo mundo que estava à minha frente, fugindo mesmo.

Eu não perderia todos os dias passados de abstinência e dor, não jogaria tudo fora por um simples chocolate.

Não dessa vez!

Vivi Antunes é ajuntadora de letrinhas e assim o faz às segundas, quartas e sextas no https//www.viviantunes.com

 

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