Imagem reprodução site MPPR

Redação Fatos do Iguaçu com MPPR

Curitiba, 16 de junho de 2019. Era um domingo, perto das 11 horas da manhã, quando uma vizinha bateu na casa de W.P., 41 anos, para dizer que o irmão tinha agredido a cunhada a noite inteira. “Minha primeira reação foi perguntar por que ela não fez nada e deixou para falar comigo no dia seguinte. Ela disse que tinha medo de se meter. Não pensei duas vezes: fui até a casa dele tirar satisfação.” Ao chegar, perguntou ao irmão onde estava a mulher, queria dar uma volta com ela. Ouviu dele que a cunhada estava dormindo. Foi atrás. No quarto, a moça coberta até a cabeça, sem mostrar o rosto. “Fui tentando puxar assunto, ela não dava conversa, estava estranha. Puxei o lençol e quase desmaiei. Ela estava desfigurada. Depois fiquei sabendo que ele tinha batido nela com um martelo.”

W.P. chamou a polícia e atendimento médico. A cunhada saiu numa ambulância do Samu e ela na viatura, com o irmão. “Ele me xingou o caminho inteiro até a delegacia, mas eu tinha que fazer o que fiz”, diz, explicando que já foi vítima de violência doméstica e também denunciou o marido. “Isso faz anos, era diferente, hoje as leis estão mais eficientes. Eu nunca fiquei calada, mas sei que para quem está apanhando às vezes é difícil denunciar. Por isso penso que, quando se presencia uma situação como essa, não é possível ficar quieto. Se você fica calado está sendo conivente e ninguém tem o direito de agredir ninguém, nem homem, nem mulher. Não pode.” O irmão foi denunciado e passou sete meses preso pela agressão – foi liberado há pouco mais de um mês. “Na época ele ficou muito revoltado comigo, mas depois entendeu. Quem foi visitar na cadeia nesse tempo todo fui eu, ele sabe que fiz a coisa certa.”

Pandemia – Hoje, em tempos de coronavírus, com muita gente em casa para seguir as indicações sanitárias de controle da pandemia, atitudes como a de W.P., que optou por “se meter” no casamento do irmão e denunciar a violência, têm se mostrado fundamentais. Conforme dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), entre março de 2019 e março de 2020, o quadro de feminicídios aumentou em alguns estados brasileiros, mas o número de boletins de ocorrência de violência doméstica diminuiu – ou seja, as mortes subiram, mas as denúncias de vítimas de que as agressões estão ocorrendo, caíram. Em nota técnica sobre o impacto da Covid-19 na violência doméstica, divulgada na semana passada, o FBSP aponta que houve alta de 46% nos registros de feminicídio em São Paulo. No Paraná, segundo o Sistema Pro-MP, do Ministério Público, desde que o governo estadual decretou as medidas de isolamento, em 16 de março, até o dia 23 de abril, houve um aumento de cerca de 12% no número de feminicídios tentados e consumados no estado. Em contrapartida, os registros de inquéritos policiais que tratam de violência doméstica diminuíram aproximadamente 6% (de 2.704 para 2.545).

“É importante que as pessoas lembrem que a violência doméstica não é um fenômeno novo ou gerado pela Covid-19. Na verdade, trata-se de outra ‘pandemia’, que existe desde longa data. O machismo estrutural e a desigualdade de gênero já existiam antes do isolamento social e da quarentena”, afirma a promotora de Justiça Ana Carolina Pinto Franceschi, que coordena o Núcleo de Promoção da Igualdade de Gênero, do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Proteção aos Direitos Humanos, unidade do MPPR. “Esta realidade, que já é grave, em termos de estatísticas, pode ser negativamente intensificada na medida em que situações de emergência tendem a ampliar os riscos de violência contra a população feminina e podem criar obstáculos para o acesso aos serviços públicos, como pontuado inclusive pela Onu Mulheres”, diz.

A promotora explica que, embora seja incipiente afirmar, com certeza, que apenas o confinamento seja o responsável pelo aumento do número de feminicídios, é certo que todos os fatores de risco relacionados às ações de isolamento já indicam um aumento nos casos de violência doméstica e familiar em tempos da pandemia, apesar da subnotificação dos números. “Há fatos que não vêm sendo comunicados aos órgãos de segurança pública, seja pela impossibilidade da mulher em sair de sua casa, seja pelo receio que possui de fazer o registro por estar agora mais tempo e mais próxima do parceiro agressor”, aponta Ana Carolina. “Por isso, especialmente para quem está de fora, como vizinhos, conhecidos ou parentes, denunciar qualquer tipo de abuso e violência é fundamental para assegurar maior proteção às vítimas”, reforça.

Coragem – Outro exemplo de ação de terceiros que foi importante para o processo de responsabilização do agressor vem de R.S., 52 anos, também de Curitiba. Em setembro do ano passado, ela ouviu uma briga dos vizinhos e interferiu. “Ainda de madrugada, chamei a polícia, mas eles não vieram. Pela manhã fui até a casa deles. Pedi para falar com ela, mas ele me destratou e tentou me mandar embora. Forcei e consegui entrar, e vi ela com o rosto todo machucado. Não precisava saber mais nada, saí dali e procurei de novo a polícia, que então veio acudir”, diz R.S., que conhecia o agressor desde que ele era criança – a família é vizinha desde 2009. “Tem que ter coragem de denunciar. Se disser amém sempre para as coisas erradas o mundo sempre vai ser errado”, afirma. Além de buscar a PM, ela também foi testemunha no inquérito que levou à ação penal. No último mês, em 23 de abril, o homem foi denunciado criminalmente pelo MPPR por conta da agressão à mulher, por meio da Promotoria de Justiça de Enfrentamento à Violência Doméstica Contra a Mulher de Curitiba.

A promotora Ana Carolina reforça que, a despeito das ações de isolamento da Covid-19, todos os órgãos de segurança pública e instituições do sistema de Justiça seguem funcionando – Delegacias de Polícia, Polícia Militar e Polícia Civil, Ministério Público, Defensoria Pública e Judiciário – ainda que de maneira adaptada às determinações sanitárias. “Mas é sempre necessário que parentes, amigos e vizinhos estejam atentos e denunciem, solicitando a atuação desses órgãos. Destaco ainda que, da mesma maneira que as vítimas estão obrigatoriamente convivendo mais tempo com seus agressores, o isolamento social faz com que mais pessoas estejam por mais tempo em seus lares, o que faz com que as violências possam ser constatadas mais facilmente por pessoas próximas, amigos ou até ouvidas por vizinhos”, diz.

Folder e carro de som – A coordenadora do Nupige lembra que no Paraná está sendo regulamentada a Lei Estadual 20.145/2020, que obriga os condomínios residenciais e comerciais a comunicarem aos órgãos de segurança pública a ocorrência ou indícios de ocorrência de violência doméstica e familiar contra mulheres, crianças, adolescentes ou idosos. “No entanto, referida obrigação criada pela legislação estadual não exclui a necessidade e importância dos vizinhos de também denunciarem tais violações”, sustenta. A promotora aponta ainda que, em razão da Covid-19, a Comissão de Defesa dos Direitos Fundamentais, do Conselho Nacional do Ministério Público, divulgou, em 14 de abril, nota técnica recomendando aos integrantes do Ministério Público brasileiro “a adoção de medidas preventivas nos Estados e a elaboração de um Plano de Contingência de prevenção e repressão aos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher durante a Pandemia do coronavírus” (acesse aqui o documento).

O Nupige, via Centro de Apoio, também encaminhou ofício aos agentes ministeriais para que, durante as ações de isolamento do coronavírus, fomentem a divulgação dos canais de denúncias em suas comarcas. “Já observamos o retorno disso em algumas Promotorias, com iniciativas dirigidas dentro da realidade de cada cidade. Em Jaguapitã, por exemplo, a promotora de Justiça produziu folder com os telefones de contatos para reportar casos de violência doméstica. Já na Comarca de União da Vitória, foi solicitado pela Promotoria a utilização de carro de som para divulgação dos telefones para denúncias. O importante é fazer com que esses canais cheguem à população para que todas as pessoas consigam denunciar”, reforça Ana Carolina.

Canais de Denúncia

Confira a seguir relação de contatos e canais de órgãos públicos, instituições do sistema de justiça e entidades selecionados pelo Núcleo de Promoção da Igualdade de Gênero do MPPR, que podem receber casos de violência doméstica:

– Disque 190 e o App 190, da Polícia Militar do Paraná, nos casos de situações de emergência e flagrantes.

Ligue 180 (Central de Atendimento à Mulher) ou o aplicativo Direitos Humanos BR, registram denúncias em todo o território nacional.

Disque-denúncia 181, canal oficial de coleta de denúncias anônimas no Estado do Paraná.

– Ministério Público do Paraná: o MPPR atende a população em todas as comarcas do estado. Os contatos das Promotorias de Justiça podem ser acessados aqui.

Outras iniciativas de apoio às vítimas

– Projeto Justiceiras – reúne voluntárias profissionais das áreas jurídica, de psicologia e da assistência social para atendimento de mulheres vítimas de violência. O contato é através do número (11) 99639-1212, via WhatsApp e para todo o Brasil.

– Ligue 188 / Centro de Valorização da Vida – fornecem ajuda e apoio emocional, com atendimento também disponibilizado no site https://www.cvv.org.br/.

– Violência doméstica e familiar na Covid-19 – Acesse aqui cartilha especial elaborada pela Fundação Oswaldo Cruz (FioCruz) e Ministério da Saúde.

– Prevenção e Atenção às Pessoas em Situação de Violência no Contexto de Pandemia – Confira aqui a Nota Orientativa nº 30/2020, da Secretaria de Estado da Saúde.

– Liga Brasileira de Lésbicas – presta atendimento psicológico e jurídico a mulheres em situação de vulnerabilidade, inclusive vítimas de violência, por meio de profissionais voluntárias(os) da sociedade civil e entidades parceiras(os). O contato é através do número (41) 99658-8612.

– ComVida – coletivo da sociedade civil que reúne profissionais do direito e da psicologia para atendimento de mulheres de Curitiba e região metropolitana em situação de vulnerabilidade, inclusive vítimas de violência. O contato é o número (41)99699-5389.

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