Como dizia seu Tibúrcio, imaginar que estamos acima de qualquer possibilidade de sermos feitos de otário é a receita mais do que certa de que seremos, de fato, feitos de bobo. Não tem erro. É batata.

E não apenas isso. O caboclo quando acredita-se muito esperto ou, como se diz nos círculos “mais esclarecidos”, quando o cidadão está convencido de que é um sujeito muitíssimo crítico, mais do crítico, criticamente crítico, ele acaba sentindo uma vergonha danada de ter sido feito de trouxa e aí, pra não dar na pinta, ele procura inventar justificativas mil para tentar, na medida do possível, convencer aos outros e, principalmente, a si mesmo, de que ele não foi tapeado, assim, de forma tão espetacular.

O homem comum, por sua deixa, quando passa por uma situação dessa, das duas uma: ou ele fica puto da vida e sai cuspindo marimbondo, ou ri pra caramba de si mesmo. Dum jeito ou de outro, ele não apenas sabe que foi enganado, ele admite isso com humildade e sem afetação.

Já o sujeito que acredita ser o suprassumo da criticidade, não; e, assim o é, porque o infeliz se considera uma pessoa dotada dum amplo e profundo entendimento. Quer dizer, ele pinta essa imagem para si mesmo, estando ou não diante dum espelho, e morre de medo que todos vejam o que há por trás da sua pose.

Aí, meu caro, a vaidade come o coitado pelos garrões. A quantidade de “veja bem” que ele diz para si mesmo não tem fim e, assim o é, por uma razão muito simples: ele não apenas não consegue reconhecer que foi feito de bobo; ele não admite essa possibilidade. Por isso, esse tido de sujeito merece, como sarcasticamente diz a gurizada, ouvir duas palavras: “para…béns”.

Seu Tibúrcio, com sua simplicidade, sabia das coisas. Sem querer querendo, com seu jeitão, ele nos ensina a agir como Sócrates, o xarope que a muito batia perna pela ágora da velha Atenas.

Ele, Sócrates, partia sempre do óbvio ululante: apesar de ser sábio ele era ignorante em muitíssimas coisas; ou, se preferirem, por ser sábio ele compreendia que não tinha um pleno conhecimento sobre tudo; ou, melhor dizendo, ele era simplesmente um homem comum, como seu Tibúrcio, que sabia e reconhecia que ele era apenas um homem, como todas as fragilidades e limitações que todo homem tem, e isso, sem nada pôr, sem nada tirar, o tornava singular, diferente daqueles que tanto o odiavam [com um “ódio do bem”, é claro].

É uma tremenda patacoada essa crendice modernosa, apregoada por todos os cantos, de que o ser humano é uma criaturinha perfectível, e que apenas não somos perfeitinhos porque a sociedade, os outros, não nos permite ser. Que meigo.

Na melhor das hipóteses, esse tipo de crendice seria apenas uma tremenda bobagem; na pior, pura e simples sacanagem, e da brava.

Enfim e por fim, penso que o atual momento que estamos vivendo, com essa pandemia made in China, temos uma ótima oportunidade para vermos em que medida somos capazes de reconhecer, para nós mesmos, nossa intratável falibilidade.

Não sei quanto a vocês, mas seu Tibúrcio já está, ironicamente, partindo a pança de tanto rir de si e da situação em que nos metemos.

Escrevinhado por Dartagnan da Silva Zanela, em 28 de março de 2020, dia de São Guntrano.

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