Jaime Blem a cavalo

Umas das obras que li e que, uma vez ou outra, dou uma olhadela para lambuzar os bigodes com seus manjares, é o livro “Meditações”, do imperador e filósofo romano Marco Aurélio. Uma obra que prima pela simplicidade e que abunda em sabedoria.

Nas páginas iniciais, o imperador estoico apresenta-nos as pessoas que, de alguma forma, ele é devedor; pessoas que direta ou indiretamente acabaram por ensinar-lhe algo que o auxiliou em sua correção e, consequentemente, em sua formação como indivíduo. E a lista é graúda. E a forma amável com que ele demonstrou sua gratidão, a cada uma delas, também.

Bem, se eu fosse escrevinhar uma lista com o nome das pessoas que sou devedor, barbaridade, ela não seria nem um pouco pequena e, com toda certeza, o nome do meu amigo Jaime Blem, primo de minha esposa, estaria presente nessa lista.

Conheci seu Jaime no ano 2000 numa festa de aniversário. Lá estava ele numa roda de amigos contando e ouvindo causos. Como todos sabem, com o Jaime não tinha tempo feio. A prosa começava e não tinha hora pra parar e, é claro, não tinha como, em meio a um causo e outro, não dar umas boas gargalhadas com ele.

Quanto aos causos que ele contou naquela noite, estes estão muito bem guardados em minha memória, junto com muitos outros que ele me contou em outras ocasiões. Causos impagáveis, diga-se de passagem.

Mas ele não era apenas um homem de contar causos, apesar de gostar muito de fazê-lo. Nada disso. Ele era uma pessoa tremendamente prestativa. Não importava o horário que fosse, ou o entrevero que estivesse apoquentando o caboclo, ele não deixava ninguém na mão. Sempre procurava ajudar quem pedia a sua ajuda e, na medida do possível, ele o fazia. Na verdade, ele muitas vezes ia além de suas possibilidades. Sou testemunha disso. E sempre estendia sua mão sorrindo porque, como ele mesmo dizia, quando perguntavam se ele estava bem: “e você já viu o Jaime triste”? E então alargava aquele sorriso sincero que desconcertava qualquer rosto sisudo.

Meu Deus do Céu, quanto causo, quantas histórias ele contava. Algumas ele repetia, é verdade, porque nós pedíamos para ele, mas sempre tinha algum causo novo para nos apresentar. E mesmo os velhos, que já havíamos ouvido umas trocentas vezes, sempre que nos era reapresentado nas rodas de conversa, a dita história estava em uma roupagem novinha em folha. Nem parecia que era a mesma.

Sempre que assuntávamos ele dizia que quando morresse ele queria que tocassem gaita no velório dele. Não queria saber, de jeito maneira, que ninguém ficasse chorando na despedida dele. Não apenas isso. Dizia que em sua lápide deveria estar escrito, bem bonito e com letras garrafais: “aqui jaz Jaime Blem, o homem mais feliz do mundo” e, segundo ele, “o mais cheiroso também”.

Não que o Jaime não tivesse enfrentado dificuldades em seus dias aqui neste vale de lágrimas. Não. Ele as enfrentou e não foram poucas, mas, ele não deixava que elas o apequenassem, por maiores e mais duras que elas fossem, lá estava ele, sempre sorrindo para os outros e procurando alegrar quem a tristeza estava tentando arrebatar.

Era um homem à moda antiga que sabia que a vida, em cada um dos seus dias, é uma peleja de leão e que devemos encará-la, sempre, com um sorriso no rosto, mesmo que ela, a vida, insista em não nos dar motivo pra isso.

Pois é. Mas o Jaime se foi para a pátria celeste e, junto aos portões do céu, que são guardados por São Pedro, com toda certeza, antes de passar pro lado de dentro, o Jaime velho irá parar e assuntar com o santo e dizer, entre outras coisas, que da mesma forma que na terra, no céu, ele não abrirá mão de usar camisa de manga longa e de botão.

É isso. Descanse em paz Jaime Blem.

Escrevinhado por Dartagnan da Silva Zanela

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