Não sei dizer se o Brasil é um meme que não dorme, ou uma obra surreal de Salvador Dali. Os limites entre uma coisa e outra são muito estreitos. Porém, creio que não seja exagero dizer que é possível explicar muitas das facetas surreais brasileiras com um punhado de memes.

Num dia desses, logo após o almoço, estava eu no meu canto, feito uma jiboia fazendo a digestão para, em dois palitos, retornar ao meu trampo; estava eu cutucando preguiçosamente meu celular enquanto via um punhado de inutilidades e, lá pelas tantas, eis que o abençoado de um meme, sem pedir licença, adentrou minhas vistas.

O meme em questão era um retrato do filósofo René Descartes, com aquele sorrisinho safado de galã de filmes de safadeza dos anos setenta, com os dizeres: “questiono, logo sou negacionista”.

Não gosto muito desse tal de Descartes, mas não descartei o gracejo digital que caiu em minhas mãos e, mais do que depressa, compartilhei aquela birosca para que meus amigos, comigo, também rissem daquele trem.

Parece, ao que tudo indica, que a galerinha que cultua a ciência, como se essa fosse um princípio categórico onipresente, esqueceu-se que a base de toda e qualquer investigação é o questionamento, a confrontação de hipóteses e teses com evidências e fatos, tendo por intento construir uma prova, ou apresentar uma demonstração que possa, de forma razoável, trazer um maior esclarecimento sobre um determinado problema e, para a realização desse tipo de empreitada, nem é necessário usar a palavra ciência para dar aquela carteirada retórica. Basta investigar, averiguar, confrontar e demonstrar.

Quer dizer, esqueceram-se disso ou, simplesmente, nunca souberam, porque nunca investigaram, nem elaboraram um questionamento sobre qualquer coisa com um mínimo de seriedade. Na melhor das hipóteses, apenas repetiram as perguntas publicitariamente elaboradas que são sugeridas, de forma nada sutil, pela grande mídia e por grupelhos políticos organizados que, diga-se de passagem, são ninjas em sugerir a todos o que se deve pensar, manipulando-nos, ao mesmo tempo que nos dão a sensação de que estamos, adivinhem, pensado de forma criticamente crítica. É um trem lindo de se ver.

Aliás, qualquer um que goste de dar esse tipo de carteirada cientificista, francamente, ao invés de ficar fazendo isso, deveria tomar em suas mãos o livro “Contra o método” de Paul Feyerabend, juntamente com o livro “A estrutura das revoluções científicas” de Thomas Kuhn, e lê-los para compreender o quão esquisito – para dizer o mínimo – é toda essa pantomima de bom cidadão que finge ser o senhor ciência lutando contra os negacionistas selvagens.

Abre parêntese: eu também recomendaria a leitura do livro “Aristóteles em nova perspectiva” do professor Olavo de Carvalho, mas, “sacumé”, a galerinha não iria ler o dito cujo e, ainda por cima, ficaria pau da vida só de ouvir o nome dele. Fecha parêntese.

E é claro que esse tipo de impostura, tão frequente nos dias de hoje, há muito se faz presente no meio de nós. No fundo, toda essa turma que adora carimbar a testa dos outros com o estigma de negacionista, alienado, genocida e qualquer outra tranqueira que o valha, parecem ser tão somente um punhado de pessoas profundamente inseguras que precisam, desesperadamente, sinalizar, de forma artificiosa e forçada, alguma pose de bom-moço para outras pessoas, tão inseguras quanto elas, para que, desse modo, com base nessa vil rede de apoio mútuo, todas elas possam se sentir superiores aos demais mortais, somente porque utilizam as palavras que são socialmente aceitas e, principalmente, porque adotam as atitudes que são midiaticamente reconhecidas como válidas.

Toda vez que me defronto com esse típico comportamento, muito bem descrito por Michel Maffesoli, em seu livro “O tempo das Tribos”, lembro-me que aprendi como se realiza uma investigação de forma séria e honesta quando deitei minhas vistas pela primeira vez nas páginas da Suma Teológica de Santo Tomás de Aquino.

Todo aquele que já teve essa felicidade sabe muito bem do que estou falando. Em cada capítulo da Suma, Santo Tomás apresenta um tema que ele investigou. Uma questão. A partir dessa questão ele levanta outras dez, doze, quinze, dezoito questões, conforme o tema que estaria sendo analisado por ele. Após levantar essas perguntas, ele procura responder cada uma delas, porém, não do jeito que nós respondemos as perguntas que nos são feitas ou sugeridas pelos outros. Nada disso.

Para cada uma das questões secundárias que ele levanta a partir de uma questão principal, o Aquinate procura apresentar de duas a três respostas distintas que foram elaboradas por outros grandes sábios. Feito isso, ele analisa cada uma dessas respostas e, após a análise, ele apresenta-nos uma refutação para cada uma delas e, apenas ao final de cada um desses entreveros dialéticos, ele nos apresenta a sua conclusão. Bah! É um trem lindo de se ler.

Isso sim, meu amigo, que é investigar algo com seriedade; isso sim é questionar algo para aprender com o questionamento. Todo o resto, francamente, não passa de secos e molhados.

Por essas e muitas outras razões que não levo nem um pouco a sério essa turma que fica estufando o peito falando de ciência pra lá e pra cá só porque elas confiam cegamente no que foi anunciado pelos leitores de teleprompter, fantasiados de jornalista, da grande mídia e demais tranqueiras similares.

Questionar não é agir como negacionista. Questionar é procurar de forma sincera o tal do esclarecimento, principalmente quando praticamente tudo à nossa volta transpira ares de histeria coletiva.

Enfim, que Deus abençoe todos os fazedores de memes, porque o futuro do Brasil, em grande medida, depende deles.

Escrevinhado por Dartagnan da Silva Zanela

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