O tempo urge e, porque ele urge, o danado nos dá a cristalina impressão de que está a rugir ao pé do nosso ouvido feito uma besta-fera que está à espreita da nossa carcaça para se banquetear com a carne que recobre nossos cansados ossos.

É. Os prazos nos perseguem mais ou menos nesse trote. As datas marcadas buzinam em nossas orelhas, lembrando-nos que se não cumprirmos a promessa acordada para aquele dia seremos advertidos, punidos e sabe-se lá mais o que poderá acontecer nossa triste figura.

Mas não é no dia marcado que somos consumidos até o tutano. Não. O trem é um pouquinho mais doido do que parece. Só um pouquinho.

A besta-fera do tempo vai nos devorando, lentamente, até que cumpramos o que é exigido para esse ou para aquele prazo e, feito isso, Cronos, indigesto, acaba nos regurgitando, vomitando o nosso corpo e a nossa alma, mastigados e mais ou menos digeridos pelos ácidos digestivos dos dias ansiosos passados em agonia.

Mesmo estando nesse estado sentimo-nos de certa forma aliviados até que, lá pelas tantas, nos lembremos do próximo prazo que temos para cumprir e aí, meu caro, voltamos na estaca zero.

É. E lá vamos nós mais uma vez, seguindo pelos carreiros da capoeira da vida, encarando uma jaguatirica num dia, uma cascavel noutro e, às vezes, devido ao acúmulo de obrigações e compromissos atrasados, que ficaram para ser entregues em cima do laço, temos de conviver com a companhia de uma impiedosa quimera grudada em nossa cola, na nossa caminhada pelas matas da existência.

E todos nós assim vivemos. Não tem lesco-lesco. Sejamos caboclos metidos e engravatados ou apenas almas de mãos farquejadas pela soturna labuta diária, estamos todos cercados pelas artimanhas dos prazos, pelos subterfúgios das datas, pelas arapucas das obrigações e compromissos que, numa vida vivida a esmo, sem paragem e sem um rumo que lhe dê algum sentido, acabam por preencher o vazio que deveria ter sido preenchido por nós com algo digno e bom que não deixasse nossa vida, assim, tão pequenina como ela é.

Enfim e por fim, prazos, compromissos e similares fazem parte da vida, não há quem negue e não temos como nos esquivar, mas eles não podem e não devem jamais ser o sentido dos nossos dias, apesar de vermos tantos viventes por aí, perambulando desse jeitão desajeitado, sem saber o que fazer sem que alguém, ou algo, lhe diga o que ser.

Isso sim, meu amigo, é que é uma vida de cão. De cão adestrado e sem pedigree, mas, mesmo assim, uma mesquinha e medíocre vida de cão.

Escrevinhado por Dartagnan da Silva Zanela.

   

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