Um dos livros mais interessantes cujas páginas deitei minhas vistas é a obra “A sociedade de Corte” de Norbert Elias. Aliás, tudo que o professor Elias escreveu merece a nossa atenta leitura. Tudo mesmo.

Quando li pela primeira vez esse livro, lá por volta de 2002, não tinha como não reconhecer inúmeras semelhanças entre a Corte francesa do século XVII e XVIII com a forma como os grupos políticos se organizam e se encastelam nas entranhas do Estado brasileiro e, principalmente, como esses se esgueiram pelos corredores estreitos dos Paços municipais presentes nos quatro cantos do nosso país desde priscas eras até os dias atuais.

De norte a sul do Brasil vemos as municipalidades nas mãos de “reizinhos” que tomam posse do erário, juntamente com uma corruptela de cortesãos que os rodeiam para obter alguma benesse na forma de contratos, cargos, favores e assim por diante. Tais cortesãos tupiniquins não ostentam a frente de seus nomes nenhum título de nobreza, mas agem de modo similar a um nobre degradado.

À sua maneira, temos sempre lideranças políticas em feudos mandonistas que, de tempos em tempos, rearranjam a sua posição na figuração das relações de poder local. Em algumas ocasiões submetem-se ao “beija mão”, noutras tantas tentam impressionar os candidatos a “monarca do grotão” com a sua importância eleitoral ou com sua habilidade diplomática junto das altas cortes (deputados, senadores e similares).

Seja Caim ou Abel que entrem pelos portões do palácio para assumir o trono, que não é o famigerado trono de ferro, temos sempre a presença da mesma corte no seu em torno para incensá-lo cinicamente. Sim, é claro, não são exatamente os mesmos que estavam cortejando a majestade anterior, mas são, com uma variação muito pequena, os mesmos senhores da guerra dos votos de todos os pleitos.

Não é preciso muito esforço para constatar isso dentro das cercanias de um município. Com um pouquinho de trabalho, e com um estômago sem gastrite, conseguimos identificar claramente os mais influentes clãs políticos – como os chamava Oliveira Vianna – e mapear as alianças e acordos que foram firmados por eles, de forma pública ou velada, no correr de algumas décadas. Sempre temos as mesmas famílias – meia dúzia, uma dúzia de clãs – liderados por um punhado de caciques que articulam os interesses dos seus feudos eleitoreiros com os interesses daquele que almeja ser o próximo rei, ou do caboclo que deseja continuar no posto.

Por certo e por óbvio que sempre há um e outro clã que tenta, e as vezes consegue com algum sucesso, entrar no jogo dos tronos, claro que há. Porém, esse tem que, necessária e infelizmente, jogar dentro das regras pútridas que regem essa brincadeirinha para maiores de dezoito.

Seja na corte do Rei Sol, ou nos currais eleitorais que abundam pelos quatro cantos desse nosso Brasil não tão varonil, todo aquele que coloca o seu “popoti” cheirosinho na cadeirinha fofinha do gabinete de big boss duma república municipal, repete nas sombras de sua mente as palavras de Luis XIV: “o Estado sou eu”.

Sim, eu sei que o rei Luis nunca disse isso, apenas é atribuído a ele; da mesma forma que é pouco provável que algum prefeito fale isso para si e para os seus. Porém, todavia e entretanto, os atos do referido monarca francês e de inúmeros gestores municipais – similares ao João tranca rua de São Paulo – falam por si.

Admita-se ou não, esse é o pensamento condutor das relações de poder nessas plagas verde e amarelo.

Não há dúvida alguma de que cada municipalidade tem lá suas singularidades, da mesma forma que cada corte europeia tinha lá suas particularidades; porém, se olharmos com atenção para um desses pequenos reinos que integram e dão forma ao nosso triste país e procurarmos conhecê-lo com relativa profundidade, teremos em nossas mãos um modelo interpretativo que nos permitirá ter uma visão mais ampla e profícua de outros reininhos brasileiros, com os embates que são travados em suas cortes e, tais reflexões, podem ser de grande valia para identificar e mapear  as relações cortesãs presentes nas cortes superiores, que se articulam em torno de tronos mais pomposos de nosso país, seja em nível Estadual ou Federal.

Não digo que do Oiapoque ao Chuí não existam contendores do jogo dos tronos municipais que não tenham a intenção de fazer algo de bom pelos cidadãos da gleba. Imagino que há. O que não podemos perder de vista é que, pouco importando quem venha a colocar seus glúteos no assento de “reizinho”, esse terá de comandar, para o bem ou para o mal, as cortes do atraso, pois, como nos ensina Robert Michels, a democracia nada mais é do que uma forma diferente de reorganizar e realocar as oligarquias. Se isso é assim no velho mundo, muito mais o é nessas terras de Pindorama. Infelizmente.

E é isso. Fim de papo. Away.

(14/11/2020)

Escrevinhado por Dartagnan da Silva Zanela

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