Ela, a Santa Madre Igreja, que é Mãe e Mestra, nos convida, desde sempre, a realizarmos frequentemente um bom exame de consciência, a refletirmos sobre o que estaria norteando nossos gestos e palavras, atos e omissões, pensamentos e sentimentos.

Tal recomendação também era feita pelo filósofo grego Platão aos seus discípulos. Este sugeria que cada um dos integrantes do Jardim de Acádemo deveria, ao final de cada dia, revisar em sua consciência tudo o que fez e deixou de fazer e, bem como, tudo o que aprendeu e deixou de aprender.

Bem, mas não é a respeito da filosofia grega, nem dos ensinamentos platônicos que nos propomos a escrevinhar. O esquema nosso, nessas linhas, é bem outro. É sobre o que Nosso Senhor nos ensinou e que, nós, jaguaras modernosos, esquecemos e, principalmente, não mais fazemos muita questão de lembrar.

Quando tomamos em nossas mãos os Santos Evangelhos, percebemos que Cristo, o tempo todo, nos convida a voltarmos as nossas vidas para o íntimo de nosso coração para que, humildemente, realizemos um exame atento de nossa vida para que tomemos conhecimento de nossa real condição e, assim, podermos ser corrigidos pela ação da Graça divina.

De todas as passagens onde Jesus convida-nos a realizarmos isso, a que mais profundamente toca meu ser é aquela em que temos a cena onde aparece a figura da mulher adúltera que seria apedrejada pela multidão de fariseus (João VIII; 1 – 11). Que, bem provavelmente, seria apedrejada por sujeitos como eu e você.

Todos nós conhecemos essecauso de fio a pavio. Pois bem, a partir dessa passagem do Santo Evangelho tenho cá comigo algumas matutações que gostaria de partilhar.

A primeira é o gesto feito por Nosso Senhor ao inclinar-se e escrever algo, que não sabemos ao certo o que é, no chão, antes de proferir o seu parecer sobre o caso da mulher.

Santo Agostinho, em seus comentários ao Evangelho de São João, nos diz que Cristo, o Verbo divino encarnado, estava repetindo o gesto de Deus quando nos entregou o Decálogo.

Quando Deus entregou a Moises os dez mandamentos, os escreveu em placas de pedra, devido à dureza de nossos corações. Agora, ao correr os seus dedos no chão, Ele, o Cristo, está indicando que Deus espera que o solo de nosso coração dê frutos. Bons frutos.

Por isso, apenas após ter “arado” o chão com os dedos que Jesus lança as sementes da boa nova do exame de consciência, dizendo: “que atire a primeira pedra quem não tem nenhum pecado”. E todos voltaram seus olhos para o íntimo de seus corações e viram, instantaneamente, a pútrida imagem de suas almas.

Mais adiante, um judeu justo e sábio, zeloso e, como direi, diplomado, não poupava os seguidores de Nosso Senhor de suas pedradas. Saulo era seu nome.

Ele perseguia, como bem sabemos, a Igreja, que nada mais é que o Corpo Místico de Nosso Senhor Jesus Cristo e, também, como bem o sabemos, Saulo caiu do cavalo de caminho de Damasco e mergulhou num profundo exame de consciência que o levou a emergir para uma nova vida com o nome de Paulo. São Paulo.

Enfim, seja frente a passagem da mulher adúltera e dos fariseus, seja diante de São Paulo e de sua queda do cavalo, ou apenas tendo em vista os ensinamentos do velho discípulo de Sócrates, podemos com tranquilidade concluir que se nós, no silêncio de nossa alma, nunca sentimos o gosto amargo do tombo existencial rumo a Damasco da nossa consciência é porque, bem provavelmente, nós nunca, realmente, examinamos a nossa vida.

 E se nós não realizamos esse exercício espiritual, nossa vida acaba se tornando indigna de ser vivida, como nos ensina Sócrates. Não apenas isso. Uma vida que não passa pelo crivo dum bom exame de consciência é fruto duma alma que, voluntariamente, está se fechando para a ação da Graça e, consequentemente, virando as costas para a salvação, goste-se ou não disso.

Hora do café.

Escrevinhado por Dartagnan da Silva Zanela, em 28 de março de 2019. Natalício do historiador Alexandre Herculano e do escritor Mario Vargas Llosa.

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